A agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional (Usaid) destinou a dezenas de organizações não governamentais,
instituições e projetos no Brasil, incluindo ações envolvendo o governo federal,
ao menos US$ 44,8 milhões – cerca de R$ 267 milhões considerando a cotação
atual da moeda americana – nos anos de 2023 e 2024, segundo dados do governo
americano.
A Usaid está no centro de uma polêmica internacional
e pode ser reestruturada pelo presidente Donald Trump. O governo americano está
cancelando programas da agência que financiam políticas progressistas que são
consideradas desperdício de dinheiro pela nova administração e podem ter
contribuído para enfraquecer governos e partidos de direita pelo mundo. No
Brasil, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro acusam a Usaid de prejudicar
sua campanha de reeleição em 2022.
A quantidade de recursos usados pela Usaid e pelo
Departamento de Estado americano no Brasil está listada em um site oficial do
governo destinado a dar transparência para as políticas americanas de ajuda
internacional. Ele mostra que em 2023 foram destinados US$ 20 milhões (cerca de
R$ 120 milhões na cotação atual do dólar) a ações no Brasil. Em 2024 foram
aplicados ao menos US$ 24,7 milhões (R$ 147 milhões), mas a soma é parcial,
pois a contabilidade do ano passado ainda não foi concluída.
A soma totaliza US$ 44,8 milhões no Brasil. Nesse
mesmo período de dois anos, a Usaid destinou US$ 77 bilhões para mais de 100
países, de acordo com o site de transparência americano.
O governo americano não detalha em quais ações
específicas esse dinheiro foi gasto nem quantas organizações foram beneficiadas
no Brasil. Um levantamento da Gazeta do Povo mostra que ao menos 25 entidades
brasileiras foram beneficiadas, mas esse número pode ser muito maior.
A Usaid realiza ações internacionais em uma grande
quantidade de áreas. Elas vão desde a distribuição de comida e insumos médicos
em áreas de desastres e em nações pobres até o financiamento de programas,
estudos acadêmicos e ONG voltados para ações de diversidade, equidade, inclusão
e políticas LGBTQ+.
No Brasil, a Usaid e o Tribunal Superior Eleitoral
realizaram ao menos duas ações conjuntas no ano de 2021 alegadamente para
combater o que consideravam ser “desinformação” e “notícias falsas” no período
eleitoral. O tribunal disse na época que as ações não visavam o controle de
conteúdos nas redes sociais.
No ano passado, o Brasil passou a se destacar na
mídia internacional pelo papel do Judiciário na censura nas redes sociais de
conteúdos que considera “antidemocráticos”, especialmente após o ministro
Alexandre de Moraes suspender a rede social X temporariamente em todo o país. O
dono do X, Elon Musk, hoje faz parte do governo Trump e descreveu a Usaid como
“um ninho de víboras”.
As ações da parceria entre a Usaid e o TSE são duas
entre dezenas de projetos e iniciativas financiadas pela agência que juntos
naquele ano receberam mais de US$ 31 milhões do governo americano.
Polêmica envolvendo a Usaid mexeu com a
cena política brasileira
A Usaid entrou na mira de Donald Trump desde que o
republicano assumiu a presidência no mês passado. Trump suspendeu as atividades
da Usaid para uma revisão dos projetos financiados por ela, sob a justificativa
que a agência estaria fazendo “coisas erradas” e desperdiçando bilhões de
dólares dos Estados Unidos. “A Usaid é administrada por um bando de lunáticos
radicais. E estamos tirando todos de lá… e então tomaremos uma decisão [sobre
seu futuro]”, disse Trump no domingo (2).
Desde então a situação envolvendo a Usaid escalou e
chegou ao debate político brasileiro. Na segunda-feira (3), Michael Benz,
ex-chefe de informática do Departamento de Estado dos EUA no primeiro governo
de Donald Trump, disse em entrevista ao programa The War Room, de
Steve Bannon, que a Usaid foi um mecanismo para prejudicar a eleição
presidencial em 2022 no Brasil, contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Segundo Benz, a Usaid enxergava Bolsonaro como um
“Trump tropical” e que sem a Usaid, Bolsonaro “ainda seria presidente”,
alegando que a agência desempenhou um papel fundamental nas eleições de 2022 ao
financiar iniciativas para monitorar informações e restringir conteúdos
favoráveis ao ex-presidente, inclusive em ações envolvendo o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). Ele não apresentou evidências concretas para fundamentar as
afirmações.
“As recentes denúncias do pesquisador e
ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA, Michael Benz, sobre a atuação
da Usaid como ferramenta de influência política e interferência eleitoral em
países soberanos, incluindo o Brasil, são alarmantes e requerem atenção
imediata. Diante dessas revelações, é fundamental que o Congresso Nacional e
demais instituições competentes investiguem o financiamento e a atuação dessas
organizações em território brasileiro. Transparência e soberania não podem ser
negociadas”, escreveu em nota o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Eduardo Bolsonaro e o deputado Gustavo Gayer (PL-GO)
passaram então a coordenar uma ação para coleta de assinaturas. Eles pedem a
instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as
supostas interferências da Usaid nas eleições brasileiras de 2022.
Benz comparou a atuação da Usaid no Brasil com um
“polvo da censura”, alegando que a organização teria financiado legislações
contra a desinformação dentro do TSE para restringir conteúdos pró-Bolsonaro. O
TSE foi procurado pela reportagem sobre as alegações de Benz, mas não se
manifestou sobre o assunto.
As declarações de Benz ocorreram no contexto de um
debate sobre a atuação da Usaid em diferentes países e associou a situação a um
programa da CIA nas décadas de 1950 e 1960, conhecido como operação
Mockingbird. A operação pretendia influenciar a mídia internacional sobre um
programa secreto da CIA, iniciado na Guerra Fria, para influenciar veículos de
comunicação e jornalistas a divulgar informações favoráveis aos interesses dos
Estados Unidos. A agência financiava e recrutava repórteres, editores e meios
de comunicação para moldar a opinião pública e combater a propaganda soviética.
O esquema foi revelado nos anos 1970 durante investigações do Congresso,
gerando debates sobre manipulação da imprensa e ética jornalística.
Gazeta do Povo
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