Ícaro Carvalho
Repórter
Margareth Grilo
Editora
de Economia
Uma das mudanças mais significativas no sistema
tributário brasileiro, a reforma tributária ainda deixa dúvidas e
questionamentos sobre regulamentação e formas de aplicação na prática nas novas
formas de se cobrar imposto no Brasil. Mas, na prática, o que muda para os 27
estados e 5.568 municípios brasileiros com a reforma tributária? Especialistas,
tributaristas e pesquisadores em economia e políticas públicas apontam fatores
como transparência, repasses proporcionais aos municípios e suas populações,
aumento na arrecadação e consequentemente, melhorias em serviços e
infraestrutura pública para os cidadãos.
Entre as principais mudanças estabelecidas pela PEC
45/2019, está o fato de que a tributação será feita no local do consumo e não
necessariamente no local de produção. Atualmente, parte do Imposto Sobre
Serviços (ISS) é tributado na origem, gerando renda apenas naquele local. No
novo modelo, que é o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), os impostos não são
cumulativos ao longo da cadeia de produção de um item.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM), em
nota, disse que a adoção do princípio do destino no Imposto sobre Bens e
Serviços (IBS), de forma que o imposto passa a ser devido onde está a população
e não onde está a empresa. “Isso retira a possibilidade de um único Município
oferecer uma alíquota insignificante a um setor que opera nacionalmente e passe
a concentrar a arrecadação do Brasil, fato comum no sistema atual”, apontou.
Em Jandaíra, cidade localizada no Mato Grande do Rio
Grande do Norte, com cerca de 6,5 mil habitantes, o secretário de Tributação
Antonioni Almeida estima que o grande ganho da reforma será o fato de
municípios com populações semelhantes tendo arrecadações proporcionais.
“A reforma vai ser positiva porque vai conseguir
acabar com essa desigualdade do pacto federativo. Hoje temos municípios que têm
nove mil habitantes e um que tem mil e o mesmo repasse federal. É uma
desigualdade enorme cuidar dessa quantidade de pessoas com a mesma quantidade
de dinheiro. A reforma ajusta isso porque teremos o número de habitantes na
cidade, com o índice”, analisa.
Para o diretor institucional do Comitê Nacional de
Secretarios Estaduais de Fazenda (Comsefaz), André Horta, esse é “ganho
estrutural fabuloso” da reforma tributária, uma vez que haverá redistribuição
de recursos.
“Hoje a distribuição da cota parte do ICMS é algo em
torno de 3/4 que vai para o município que tem o maior valor agregado, ou seja,
aquele que teve mais negócios. Isso é injusto. Por exemplo, o governador vai
escolher onde vai ficar indústria X. Vai ficar em município Y ou Z. Se ele
escolhe Y, a indústria vai aumentar o valor agregado daquele município, que
ganha empregos e renda, a indústria e ainda o FPM, porque hoje é proporcional
ao valor agregado. Com a reforma, o índice principal é população. Haverá uma
equalização fiscal, ficando mais proporcional, sendo um redutor de
desigualdades”, acrescenta.
A reforma, no entanto, é vista com preocupação para
outros municípios potiguares. É o caso de Guamaré, apontado por um estudo do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) como o município mais rico do
Estado no quesito per capita. Localizada na Costa Branca do Estado e tendo um
dos principais PIBs per capita do RN em função de ser uma das principais
cidades fontes de energias renováveis do Estado e pela indústria de petróleo e
gás, Guamaré seria uma das cidades que não teriam ganhos acima da inflação caso
fosse feita uma transição de 20 anos, segundo outro levantamento da CNM.
“Pelo impacto que temos aqui em estudos nossos,
teremos um percentual de 95% do que recebemos de ICMS. Pelo impacto que vemos
hoje, temos preocupação de como o município vai continuar com os serviços que
temos hoje, de educação, saúde. Temos hospital, UPA. Em Guamaré a população não
precisa de plano, porque tudo é bancado pelo município”, aponta o secretário de
Tributação e Finanças de Guamaré, Mayron Silveira.
Femurn: haverá mais transparência no
recebimento e na aplicação dos tributos
O presidente da Federação dos Municípios do Rio
Grande do Norte (Femurn), Luciano Santos, avalia que os municípios conseguirão
ter mais transparência no recebimento e na aplicação dos tributos.
“A reforma terá uma transição de 50 anos, de forma
segura, e com a nova aplicação dos impostos centraliza para a União essa
arrecadação e a distribuição fica mais transparente. É o nosso entendimento”,
aponta.
“Na prática, os municípios vão fazer parte, assim como
hoje temos o FPM, alguns impostos vão fazer parte do bolo de distribuição
constitucional dos municípios. Sabemos que essa transição vai ter um tempo para
que esteja de forma segura e concreta nos cofres municipais. É esse o temor que
temos em relação aos municípios menores, porque os maiores poderão usar sua
força política para mudar o atual entendimento”, acrescenta.
O advogado Igor Medeiros, presidente da Comissão de
Direito Tributário da Ordem dos Advogados, seção Rio Grande do Norte, afirma
que o novo regime é positivo em razão da simplificação da tributação e da maior
segurança jurídica. “Essa simplificação e essa maior segurança jurídica vão ser
sentidas realmente a partir de 2032, porque tem um período de adaptação. No
momento, as prefeituras ainda têm muitas incertezas de como vão ser
impactadas”, afirma Igor Medeiros.
A reforma tributária, diz o advogado, traz um susto
muito grande porque é desconhecida. Segundo analisa, as prefeituras de cidades
menores têm uma administração tributária muito incipiente. “A maioria delas não
cobram ISS, não cobram IPTU, porque é uma medida anti-eleitoreira. Ela não
cobra quase nada. Ela vive do FPM, que é o Fundo de Participação de Municípios,
e dos repasses. Ela quase não tem arrecadação própria”, analisa o advogado.
Já as prefeituras maiores, explica, como Natal,
Fortaleza e João Pessoa, já têm uma administração tributária mais robusta.
“Elas já têm uma arrecadação com o ISS maior, que será o que em tese ela
perderia. Mas se ela destinar, a sua máquina de administração tributária para
fiscalizar determinados tributos, ela vai ter serviço para seus auditores
fiscais em larga escala. Mas, o que a gente tem são administrações tributárias
ainda muito precárias”, analisa.
Ele ressalta que a questão dos municípios,
particularmente, vai passar por muitas discussões, nos próximos anos, quanto à
sustentabilidade financeira. “Vamos ter uma discussão sobre se poderíamos ter
tantos municípios emancipados no Brasil, se eles são autossustentáveis? Será
que é possível a gente custear tantas câmaras municipais, tantas prefeituras,
tantas secretarias? Essa discussão que teve há uns quatro, cinco anos, vai
precisar voltar a acontecer”, comenta o presidente da Comissão de Direito
Tributário da OAB/RN.
Custo de produtos e serviços pode
encarecer pós-reforma
Na análise do advogado Igor Medeiros, presidente da
Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados, seção Rio Grande do
Norte, o cidadão vai sentir impacto em alguns produtos e serviços que
provavelmente terão aumento de preço. “Ou haverá aumento de preço ou o
fornecedor do produto ou serviço vai achatar a sua margem de lucro, podendo até
quebrar”, afirma o advogado. A indústria de cadeia longa será beneficiada, mas
o setor de Serviços pode ter custos encarecidos.
“Hoje, uma empresa de prestação de serviço, se
estiver no lucro presumido, paga de contribuições, 3,65% de PIS-Cofins e mais
5% de ISS, no total, paga 8,65% e, com a areforma, ele vai passar a pagar
aproximadamente 20%”, analisa.
Segundo ele, regras que podem impactar de forma
positiva para o cidadão – a alíquota zero para a cesta básica e o cashback –
ainda dependem de regulamentação. “Não se sabe como é que vão ser selecionadas
essas famílias, quais famílias serão inseridas, se são apenas as que já estão
inscritas em programas sociais ou se são famílias que estão isentas do Imposto
de Renda, que em 2024 são aquelas que ganham menos de dois salários mínimos. E
essa regulamentação pode mudar várias questões que estão em aberto. Podem ter
direcionamentos que a gente não espera”, comenta.
Nessa quarta-feira (24), o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, reiterou a importância de a regulamentação da reforma
tributária sobre o consumo ocorra em 2024, o que vai possibilitar que o
calendário de transição previsto seja cumprido. O chefe da equipe econômica
pediu que os grupos de trabalho que atuarão na regulamentação procurem elaborar
textos próximos do ideal para facilitar o trabalho dos relatores no Congresso
Nacional.

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