O crime organizado no Brasil lucra mais com a venda
de combustíveis e outros produtos, como ouro, cigarro e bebidas, do que com o
tráfico de cocaína. É o que aponta um relatório do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP) divulgado nesta terça-feira. Segundo o estudo, a
receita anual do comércio paralelo destes mercados para as facções é de
aproximadamente R$ 147 bilhões, enquanto a venda da droga gera cerca de R$ 15
bilhões aos criminosos.
Entre os quatro mercados, o setor de combustíveis e
lubrificantes aparece à frente, com um total estimado de R$ 61,5 bilhões —
41,8% da receita deste grupo. O de bebidas aparece em seguida com R$56,9
bilhões. Na sequência aparecem os mercados de extração e produção de ouro, com
R$ 18,2 bilhões, e de tabaco e cigarros, com R$ 10,3 bilhões.
— A alta circulação e demanda destes setores,
atrelado ao baixo controle estatal e de circulação, explica o interesse das
facções em atuar neles. Mas, os mercados de drogas e armas continuam sendo
atividades centrais para o crime organizado — avalia Nívio Nascimento, assessor
de relações internacionais do FBSP.
Segundo o pesquisador, o interesse dos criminosos
nos quatros mercados se explica por penas mais brandas do que para tráfico de
drogas. Este cenário propicia a atuação das facções nestes setores de “alta
rentabilidade”.
“Apesar de avanços, o setor de combustíveis carece
de um sistema nacional integrado de rastreamento, dificultando o combate à
ilegalidade. Práticas como adulteração, contrabando, sonegação fiscal e lavagem
de dinheiro são amplamente utilizadas por organizações criminosas, exigindo uma
resposta integrada do Estado e do setor produtivo para enfrentar os amplos
impactos econômicos, sociais e ambientais dessas atividades ilícitas”, aponta o
relatório.
Dados disponíveis no relatório demonstram o
crescimento destes quatro mercados paralelos nos últimos anos:
Cerca de 38% da produção nacional de ouro entre 2015
e 2020 tem indícios de ilegalidade, movimentando R$ 40 bilhões com forte
impacto na Amazônia;
A comercialização ilegal de combustíveis alcança 13
bilhões de litros anuais, com perdas fiscais de R$ 23 bilhões;
O mercado ilegal de tabaco representa 40% do consumo
nacional, acumulando prejuízos fiscais de R$ 94,4 bilhões nos últimos 11 anos;
A falsificação e o contrabando de bebidas geraram
perdas tributárias de R$ 72 bilhões somente em 2022.
Já o setor de crimes virtuais e os furtos de
celulares geraram uma receita ainda maior para o crime organizado: foram R$ 186
bilhões de julho de 2023 até o mesmo mês de 2024. De acordo com os
pesquisadores, o avanço das facções nos outros setores é um “exemplo da
capacidade de adaptação do crime às evoluções tecnológicas”.
“A alta taxa de furtos de celulares facilita essas
mudanças, uma vez que os equipamentos eletrônicos, e os celulares em especial,
se tornaram portões de entrada para crimes digitais”, diz o documento.
O relatório destaca como as “atividades ilícitas se
entrelaçam e formam um ecossistema que ultrapassa o narcotráfico e contrabando
tradicionais”. Neste cenário, os grupos criminosos exploram brechas
institucionais e regulatórias para lavar dinheiro e ocultar ganhos ilícitos,
como tráfico de drogas e extorsões.
Os pesquisadores apontam que o cenário é agravado
por uma “falta de integração de dados e informações sobre produção,
rastreamento, tributação e segurança entre órgãos como Receita Federal, Polícia
Federal e agências reguladoras prejudica o enfrentamento ao crime organizado”.
Para combater o crescimento destes mercados
clandestinos, o Fórum aponta a “necessidade de incorporação de dados sobre
controle de produção e rastreamento às iniciativas de inteligência financeira,
como as conduzidas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)”.
O objetivo da proposta é fortalecer a capacidade do
Estado e dos órgãos de segurança de mapear fluxos financeiros ilícitos e redes
de comércio ilegal de produtos.
— É necessário complementar a dinâmica de atuação
das forças de segurança para frear estas potencialidades de novas fronteiras do
crime organizado. Para além de monitorar o dinheiro, é preciso complementar a
estratégia aumentando o nível de controle e rastreamento de produtos — aponta
Eduardo Pazinato, coordenador do estudo.
O Globo
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