Investigação da Divisão Especializada em Combate ao
Crime aponta que as operações contra organizações criminosas no RN estavam sob
risco em razão da participação de um agente duplo. Um ex-policial penal e
membro do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do
Ministério Público, estaria, de acordo com denúncia à Justiça, tentando vender
informações de operações policiais e investigações e até suspeita de venda de
itens do inventário da Segurança Pública potiguar para terceiros. Trata-se de
Dhayme Araújo da Silva, 43 anos, que era considerado um dos policiais penais
mais experientes do quadro do Rio Grande do Norte, com reconhecimento dos
colegas e cursos no Ministério da Justiça, e Segurança Pública, Departamento
Penitenciário Nacional (Depen).
Ele foi denunciado pelos crimes de corrupção
passiva, violação de sigilo funcional e receptação e atualmente se encontra
preso. Todas essas informações constam em autos policiais e denúncias do
Ministério Público do RN à Justiça, obtidas pela TRIBUNA DO NORTE. A defesa do
policial penal foi procurada pela reportagem, mas preferiu não se manifestar.
Segundo depoimento à Polícia Civil, Dhayme Araújo da Silva se declarou inocente
em relação às acusações e afirmou que gostaria de colaborar com as
investigações.
As primeiras suspeitas em relação ao agente seriam
de que ele teria criado perfis falsos em uma rede social para entrar em contato
com advogados ligados a uma facção criminosa. Entre os contatos feitos, o
policial penal teria se oferecido para ser um “agente secreto” de uma advogada,
além de solicitar dinheiro em troca de informações sigilosas para uma outra
advogada, esta investigada numa operação do MP, apontada como uma espécie de
coordenadora da “Sintonia dos Gravatas” – uma espécie de departamento das
facções criminosas, formado por advogados que colaboram com o crime – sendo
posteriormente condenada por integrar organização criminosa.
Com a quebra dos sigilo telefônico, a polícia
concluiu, ainda de acordo com a documentação anexada ao processo judicial, que
as mensagens disparadas pelo perfil fake tiveram origem da residência do
investigado e do prédio do Gaeco, onde ele trabalhava. Além disso, em contato
com a operadora de internet, segundo o relatório da polícia, concluiu-se que o
sinal de internet era vinculado à conta do policial penal.
Entre as mensagens investigadas pela polícia, surgem falas e conversas
relativas a informações “úteis de clientes e de investigações” e a
possibilidade de se conseguir nomes, endereços, lotação e telefones de agentes
públicos potiguares. Segundo as investigações, o policial penal fala reforça
que a situação pode ir adiante caso seja negociado um valor para avançar nas
tratativas. O agente também teria se mostrado disposto a transmitir informações
sigilosas de clientes dessas advogadas que estão presos em unidades estaduais e
federais.
Outra das mensagens que chamaram a atenção da
Polícia Civil e do Gaeco foi com relação a uma investigação de um empresário
potiguar do ramo de supermercados suspeito de sonegar R$ 180 milhões. A PCRN
investigou que o agente público teria tido acesso a informações sigilosas sobre
a Operação Logro e feito contato com uma mulher ligada ao empresário dois dias
antes da deflagração da operação, “possibilitando assim a fuga do investigado,
o que efetivamente ocorreu, ficando alguns dias foragido até obter decisão
judicial em seu favor”, diz denúncia.
Defesa
Em um depoimento dado à Polícia Civil, o agente disse que era inocente das
acusações em seu desfavor e que desejava colaborar com as investigações. O
investigado confessou ter mantido tratativas com algumas pessoas, com intuito
de obter informações sigilosas, mas não disse quem seriam essas pessoas. Ele
disse ainda que fez cursos em vários órgãos vinculados às forças de segurança
do Brasil e que não agiu pensando em fornecer informações de endereços de
agentes públicos tampouco vazar andamento de investigações ou operações
sigilosas.
A Polícia Civil do RN, por meio da Divisão
Especializada em Combate ao Crime, tem investigado o policial penal desde o
primeiro semestre deste ano. O agente estava cedido ao Grupo de Atuação
Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) há dois anos e não atuava junto
à Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (Seap) há cinco anos,
segundo informações apuradas junto à pasta. O agente foi preso numa operação da
PCRN no último dia 18 de outubro e teve prisão pela Justiça.
Currículo
O currículo do agente conta com cursos de paraquedismo, intervenções em
penitenciárias, colaborações com a Força de Segurança Nacional e assessoria
para a Secretaria de Administração Penitenciária Ressocialização do Ceará, após
convite do ex-secretário da pasta no RN, Luiz Mauro Albuquerque. Em seu
depoimento à polícia, Dhayme disse que na época em que foi coordenador de
administração penitenciária do RN (Coape) chegou a apurar quase 30 demissões de
policiais acusados de infrações graves no sistema penal.
Servidor processou Estado após ser
baleado
O policial preso na operação da Deicor chegou a ser
nomeado Coordenador da Administração Penitenciária do Estado (Coape) em 2017.
Numa noite em março de 2019, o agente chegou a ser baleado com três tiros de
fuzil enquanto fazia uma ronda externa no Complexo Penitenciário de Alcaçuz, em
Nísia Floresta, na região metropolitana de Natal. Outro agente penitenciário
também ficou ferido, de raspão.
À época, a administração penitenciária do Rio Grande
do Norte informou que o coordenador foi ferido por “disparo acidental de arma
de fogo”. Ele foi foi atingido por tiros de raspão e pelo menos um que
transfixou o colete à prova de balas e o atingiu no abdome.
Segundo relato que consta no processo judicial, o
agente atuava como coordenador da Coape e fazia uma fiscalização externa no
Complexo de Alcaçuz “em virtude de várias denúncias apontarem tentativas de
resgate de presos em Alcaçuz, possibilidade de rebeliões e ações das facções
criminosas”.
“O Requerente foi atingido, em atividade, por vários
disparos de fuzil 556 efetuados de forma imprudente por outro agente
penitenciário de sua equipe que fazia a ronda no interior da viatura, o que
culminou com sua internação com risco de morte, tendo inclusive se submetido a
vários procedimentos cirúrgicos em decorrência das graves lesões sofridas”,
relata. O Estado chegou a recorrer da sentença, mas perdeu a causa no Pleno do
TJ. O ganho da ação foi de quase R$ 53 mil por danos morais e materiais,
acrescidos de juros e multa, segundo acórdão assinado em 24 de maio de 2023.
Defesa pede Habeas Corpus e
transferência
A defesa de Dhayme Araújo da Silva entrou com um
pedido de Habeas Corpus na Justiça do RN solicitando a transferência do agente
da Cadeia Pública de Ceará-Mirim para o Quartel do Comando Geral da Polícia
Militar do Rio Grande do Norte.
“Determino à Secretaria que, em cumprimento à parte
final da decisão liminar proferida pelo TJRN em habeas corpus impetrado pela
defesa, sejam tomadas as providências para que o réu seja transferido da Cadeia
Pública de Ceará Mirim/RN para o Quartel do Comando Geral da Polícia Militar do
Rio Grande do Norte”, diz decisão do dia 29 de novembro.
A reportagem da TRIBUNA DO NORTE tentou contato com
a defesa do policial penal, que informou não gravar entrevistas sobre o
processo. O espaço está aberto para futuros esclarecimentos.


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