Uma fábrica de fraudes em duas operações policiais
distintas. Uma é estadual, a Amicis, focada na sonegação fiscal e lavagem de
dinheiro da marca de vestuário “Schalk”, e a outra, federal, a Operação CA/CL,
que desmantelou uma fraude milionária contra a Caixa Económica Federal (CEF).
Ambas acabaram por expor uma única e vasta infraestrutura de crime financeiro
no Rio Grande do Norte. A informação é do Blog do Dina.
A análise cruzada dos documentos da DEICOT (Polícia
Civil) e da Polícia Federal revela que, embora os líderes fossem diferentes, ambos
os grupos utilizavam as mesmas empresas de fachada, os mesmos “laranjas”
(testas de ferro) e os mesmos operadores financeiros para drenar milhões de
reais da economia formal.
Fábrica de Fraudes: José Alexandre e a
“Terceirização” da Lavagem
No centro desta teia está a figura de José Alexandre
Dantas Neto. Na investigação estadual, o seu nome surge perifericamente,
associado à movimentação de contas de empresas de fachada como a NP Locações a
partir do seu telemóvel pessoal.
Contudo, na decisão federal, José Alexandre é
identificado como um dos líderes externos do esquema que lesou a Caixa
Económica. Ele, juntamente com o seu sócio informal Pedro Henrique Stuart de
Oliveira, era responsável por criar empresas de “fachada” e cooptar o gerente
da Caixa, Filipe Borges, para a liberação de empréstimos fraudulentos,,.
A investigação revela que José Alexandre e Pedro
Stuart utilizavam a mesma “máquina” de empresas fantasmas tanto para obter
empréstimos bancários fraudulentos (Esquema Federal) quanto para movimentar o
dinheiro não declarado do grupo Schalk (Esquema Estadual).
As Empresas “Multiuso”: De Roupas a
Fraudes Bancárias
A intersecção da fábrica de fraudes mais flagrante
entre os dois esquemas reside nas Pessoas Jurídicas utilizadas. Empresas que,
no papel, deveriam vender roupas ou combustíveis, serviam apenas como canal
para o fluxo de dinheiro ilícito de ambas as quadrilhas.
1. F S ESTAMPAS LTDA:
◦ No esquema Schalk:
Utilizada para ocultar a gestão real das lojas e movimentar valores sonegados.
Foi transferida para a “laranja” Francisca Sulmara em 2022, com um aumento
artificial de capital social para R$ 600.000,00, movimentando milhões pouco depois,,.
◦ No esquema da Caixa: Esta
mesma empresa, com os mesmos dados falsos, foi utilizada pelo gerente do banco
para aprovar empréstimos fraudulentos, sendo operada diretamente pelos
dispositivos telefónicos do gerente corrupto e de José Alexandre,.
2. SANTA RITA COMBUSTÍVEIS (Antiga São
Luís IV):
◦ O Vínculo: A empresa
realizou um intenso “giro” de recursos com a FS Estampas, transferindo valores
entre si para simular faturamento. No esquema federal, foi usada para obter
crédito; no estadual, servia para pulverizar o dinheiro da sonegação fiscal,,.
3. A N O ESTAMPAS LTDA:
◦ O Vínculo: Registada em
nome do mecânico Alessandro Nicolau, esta empresa foi usada para operar a loja
Schalk do Shopping Cidade Jardim,. Simultaneamente, a decisão federal aponta
que a A N O Estampas recebeu
R152.000,00deumacontaligadaaˋma~edePedroStuartemovimentoumaisdeR 1 milhão,
conectando-se diretamente ao núcleo da fraude bancária.
4. NP LOCAÇÕES E SERVIÇOS LTDA:
◦ O Vínculo: Enquanto na
investigação estadual a empresa aparece a transacionar com Lucas Ananias
(laranja da Schalk), no inquérito federal ela obteve créditos superiores a R$
1,2 milhões na Caixa, sendo as suas contas operadas pelo próprio José Alexandre
Dantas Neto.
Os “Laranjas” Compartilhados: Vidas
Humildes, Contas Milionárias
A investigaçãocontra a fábrica de fraudes expõe a
crueldade do esquema ao utilizar pessoas humildes como escudo para grandes
criminosos.
• Francisca Sulmara Cordeiro da Paz: Beneficiária de
programas sociais como o Bolsa Família e residente numa casa simples no
interior, Sulmara aparece como “dona” de um império empresarial em ambos os
inquéritos. Ela é titular da FS Estampas, Império das Carnes e Santa Rita
Combustíveis,. Em depoimento à polícia civil, ela negou conhecer as empresas,
sugerindo que os seus dados foram usados indevidamente.
• Alessandro Nicolau de Oliveira: Um mecânico de Bom
Jesus/RN, que confirmou em depoimento trabalhar numa oficina informal, figura
como dono da A N O Estampas e proprietário de veículos de luxo como uma BMW
320i apreendida na casa de Marcelo Spyrides (líder da Schalk),,.
O Papel da Família Stuart-Bezerril
Outro ponto de contacto crucial na fábrica de
fraudes é Fernanda dos Santos Bezerril, esposa de Pedro Henrique Stuart (o
operador do esquema da Caixa).
Os documentos mostram que Fernanda recebeu vultosas
transferências bancárias das empresas de fachada do esquema Schalk (Santa Rita
e FS Estampas), ao mesmo tempo que a investigação federal a aponta como
beneficiária de R$ 171.490,00 desviados da Caixa Económica, utilizando esses
recursos para adquirir imóveis de alto padrão em condomínios fechados,.
Uma Lavandaria a Serviço do Crime
O que os documentos revelam não são apenas dois
crimes isolados, mas a existência de um “mercado de serviços” de lavagem de
dinheiro no Rio Grande do Norte.
Contadores como José Ildo e Dornélio Cristóvão,
operavam a burocracia, criando e alterando empresas com dados falsos e
assinaturas forjadas (inclusive de pessoas falecidas), enquanto operadores como
José Alexandre e Pedro Stuart utilizavam essas empresas para fraudar bancos
públicos e lavar dinheiro de empresários locais.
As autoridades agora trabalham para desmantelar não
apenas os líderes de cada ponta (Marcelo Spyrides na sonegação e Filipe Borges
na fraude bancária), mas toda a infraestrutura profissional que permitiu que
estes crimes operassem em paralelo durante anos.