Revelações sobre as conexões entre o Banco Master e
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) colocaram a Corte na berlinda,
depois que Dias Toffoli avocou para si o processo relativo às investigações
sobre a instituição de Daniel Vorcaro. Uma delas foi a de que Toffoli foi para
Lima, no Peru, para assistir à final da Libertadores, no jato de um empresário,
junto com o advogado de um dos investigados na Operação Compliance Zero, horas
antes de decretar o “sigilo master” sobre o processo, conforme revelou o
colunista do GLOBO Lauro Jardim
Além de fazer a investigação parar, Toffoli ainda
atendeu a um pedido do companheiro de viagem, o criminalista Augusto Arruda
Botelho, para que o cliente, Luis Antonio Bull, tenha acesso a todas as provas
do processo que sejam de seu interesse. Sigilo mesmo, só para o público.
Em outra frente, veio à tona o contrato que o
escritório da mulher do ministro Alexandre de Moraes, Viviane Barci de Moraes,
mantém com o Master desde janeiro de 2024 — período em que o banco já
enfrentava uma crise de confiança no mercado, estava sob o escrutínio do Banco
Central e buscava uma saída para resolver seus problemas de liquidez.
O documento estava em formato digital no celular de
Daniel Vorcaro, controlador do Master, preso junto com seis outros alvos
durante a operação que apura a fraude de R$ 12,2 bilhões na venda de créditos
para o estatal BRB.
Segundo o contrato, o escritório da mulher de
Alexandre de Moraes receberia R$ 3,6 milhões por mês ao longo de três anos — o
que resultaria numa remuneração total de R$ 129,6 milhões até o início de 2027,
ano em que Moraes deve assumir a presidência do Supremo no esquema de rodízio
entre os ministros.
Com a liquidação do Master, os pagamentos foram
interrompidos. Tudo indica, porém, que até então estavam sendo regiamente
cumpridos, porque nas mensagens com sua equipe Vorcaro deixava claro que os
desembolsos para Viviane eram prioridade para o Master e não podiam deixar de
ser feitos em hipótese alguma. Se a ordem de Vorcaro tiver sido cumprida,
portanto, o Barci de Moraes recebeu R$ 79 milhões. No escritório também
trabalham dois filhos do ministro, Alexandre e Giuliana.
Núcleos de atuação
O escopo dos serviços é amplo. Prevê a “organização
e a coordenação de cinco núcleos de atuação conjunta e complementar —
estratégica, consultiva e contenciosa — perante o Judiciário, o Ministério
Público, a Polícia Judiciária, órgãos do Executivo (Banco Central, Receita
Federal, PGFN (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, Cade e Legislativo
(acompanhamento de projetos de interesse do contratante)”.
BC, Receita Federal, PGFN e o Cade foram
questionados sobre eventuais pedidos, consultas ou petições do escritório em
nome do Master. Nenhum deles respondeu.
Segundo apuramos, Viviane não participou de nenhuma
reunião sobre a compra do Master pelo BRB no Cade, que chegou a aprovar o
negócio antes da liquidação. O Barci de Moraes também não consta no processo
relativo à negociação no órgão, onde quem defende o Master é o Pinheiro Neto.
O único documento conhecido em que o escritório atua
por Vorcaro e pelo Master é uma queixa-crime apresentada em abril de 2024
contra o investidor Vladimir Timmerman, da Esh Capital, que possui um litígio
antigo com o empresário Nelson Tanure, controlador da Gafisa.
No processo, Timmerman é acusado de caluniar o
banqueiro, qualificado como “renomado empresário mineiro de 40 anos de idade”,
que de acordo com Timmerman teria “participado e/ou realizado operações
fraudulentas entre Gafisa e o Fundo Brazil Realty” – do qual, segundo o
investidor, o Master era cotista.
O argumento dos advogados é que Timerman pretendia
“atingir de forma criminosa a honra” de Vorcaro e do Master. Eles dizem ainda,
que ele “desacreditou publicamente” o banco “comprometeu os atributos que os
tornam merecedores de respeito perante a sociedade civil”.
Vorcaro foi derrotado na primeira e na segunda
instâncias, mas ainda cabem recursos.
Crise de confiança
A contratação do escritório da família Moraes para
representar o Master ocorreu num momento em que o banco já enfrentava a
desconfiança do mercado e vinha sendo pressionado pelo BC a aumentar seu
lastro. Nesse período, o balanço do Master já indicava que ele teria problemas
de liquidez.
Nascido da aquisição de um banco quebrado, o Master
experimentava um crescimento vertiginoso, impulsionado pela venda de títulos de
renda fixa que pagavam muito mais do que a média do mercado — e rendiam aos
bancos e corretoras que os ofereciam aos clientes comissões também acima do
comum. Como argumento para tranquilizar os desconfiados de um negócio que
parecia bom demais para ser verdade, esses vendedores diziam que não havia com
que se preocupar, porque, “se quebrar, o FGC garante”. O FGC é o fundo
garantidor de créditos, criado depois da crise bancária de 1995 e sustentado
pelos bancos privados que garante as aplicações até R$ 250 mil.
Quando já era evidente que o Master não conseguiria
honrar seus compromissos, em março deste ano, o BRB propôs a compra do Master.
Era uma compra um tanto esdrúxula, porque o banco estatal de Brasília pagaria
cerca de R$ 2 bilhões por 58% do capital do banco, mas ainda assim manteria
Vorcaro no controle.
A questão é que esse não era o único aspecto
complicado da operação. Ao auditar os dados do negócio, o BC descobriu que o
Master negociou com o BRB a venda de R$ 12,2 bilhões em carteiras de crédito
(direitos sobre empréstimos) inexistentes para captar recursos e ainda fraudou
os contratos que supostamente comprovariam a operação.
Origem de apurações
Foi essa movimentação que levou à Operação
Compliance Zero, deflagrada pela Polícia Federal no mês passado e que teve
Vorcaro entre os alvos. Simultaneamente, o BC decretou a liquidação do Master.
Com a medida, as operações do Master foram encerradas e sua diretoria foi afastada.
A investigação sobre a fraude foi parar, em seguida,
no STF por decisão de Toffoli. A expectativa do ministro, de Moraes e companhia
é que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, mantenha o processo com o
Supremo, endosse o sigilo e ajude a dificultar o andamento do caso. Não é uma
previsão descabida, dado que Moraes foi um dos principais padrinhos da
indicação de Gonet ao cargo. Com Gilmar Mendes, ambos formam uma trinca
azeitada.
Independentemente do que venha a acontecer, porém, o
que a postura dos ministros demonstra é que eles não se importam com o impacto
do caso na imagem da Corte. Toffoli não pareceu se importar com a imprudência
de viajar num jato particular com o defensor de um dos investigados. Moraes,
por sua vez, acha que não deve satisfações sobre o contrato milionário de sua
mulher com o banco. Se não houvesse muitas outras razões para fazer avançar o
código de ética que o presidente do STF, Edson Fachin, quer colocar em prática
na Corte, o comportamento de Toffoli e Moraes já seria motivo de sobra.
Malu Gaspar - O Globo