A arrecadação do governo federal em outubro foi a
mais alta para o mês em 30 anos e garantiu o recolhimento também recorde de R$
2,3 trilhões em dez meses. Em condições normais, um desempenho assombroso
desses deveria ser suficiente para assegurar o fechamento das contas públicas
neste ano, trazendo mais tranquilidade para as expectativas de 2026. Mas
vivemos sob um governo petista – que, associado a um Congresso fiscalmente
irresponsável, transforma o Estado num Pantagruel de apetite insaciável, que
arrecada muito e gasta muito mais. “Gasto é vida”, diria a inesquecível Dilma
Rousseff.
Tome-se o exemplo das estatais. O déficit dessas
empresas previsto para este ano aumentou de R$ 5,504 bilhões para R$ 9,208
bilhões. O rombo monstruoso dos Correios decerto ajuda a explicar esse
resultado, mas o problema é mais, digamos, filosófico: sob o PT, estatais
parecem ser administradas para dar prejuízo, de modo a provar que essas
empresas só existem para atender à população em atividades pelas quais a iniciativa
privada, que só visa ao lucro, não se interessa. Na prática, as estatais
administradas pelo governo petista servem para acomodar apadrinhados políticos
e para bancar projetos de interesse do Palácio do Planalto sem passar pelo
crivo orçamentário.
Por tudo isso, não é possível imaginar que o atual
governo (ou o próximo, caso haja um desastre e Luiz Inácio Lula da Silva seja
reeleito) venha a tomar a única providência capaz de fechar o sorvedouro de
dinheiro público em que se converteram as estatais, isto é, privatizá-las
todas, em respeito ao artigo 173 da Constituição – aquele segundo o qual “a
exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando
necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”.
Sendo assim, resta ao governo petista aumentar a
arrecadação. A receita contou com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF),
alvo de queda de braço entre os Poderes. Como se sabe, o aumento das alíquotas
fixado pelo Planalto em maio foi derrubado pelo Congresso em junho e
restabelecido pelo STF em julho. A medida provisória perdeu a validade em
outubro porque não houve votação pelos parlamentares. Mesmo assim, garantiu um
reforço de caixa.
Somente em IOF, o governo arrecadou em outubro R$ 8,1
bilhões, quase 40% a mais do que no mesmo mês do ano passado, e demonstrou que
manterá a disposição de usar o imposto – criado com a finalidade específica de
regular o mercado de crédito – para fins arrecadatórios.
No esforço para aumentar as fontes de receita para o
ano que vem, o governo conseguiu aprovar no Congresso a regra sobre a
compensação tributária, que caiu com a MP do IOF e entrou como “jabuti” no
projeto do Regime Especial de Atualização e Regularização Patrimonial. Com a
medida, a previsão é elevar a arrecadação de 2026 em R$ 10 bilhões.
No lado das despesas, o governo, em vez de
cortá-las, simplesmente deixa parte delas fora do arcabouço fiscal. O mais
recente exemplo é a exclusão dos gastos de R$ 500 milhões com Defesa neste ano.
E o governo já fala em tirar das amarras fiscais as despesas que tiver com
segurança pública.
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone
Tebet, reconheceu recentemente que, em matéria de reformas fiscais, o governo
“anda muito lentamente”, mas transferiu a responsabilidade maior para os
“outros Poderes”. “O Poder Executivo tentou”, disse, afirmando que lobbies
impediram os avanços fiscais.
Ora, partiram do próprio presidente Lula os
primeiros obstáculos às propostas de redução de despesas e controle de gastos
elaboradas por técnicos do ministério de Tebet. O pacote, que criou a
expectativa inicial de mudanças em programas ineficientes, novas regras para
concessão de benefícios e revisão da própria indexação do salário mínimo, saiu
absolutamente tímido do Executivo antes de ser ainda mais desidratado no
Congresso. Ficou o dito pelo não dito.
O impulso fiscal diminuiu nos últimos meses,
resultado, talvez, da própria desaceleração da economia, mas o expansionismo
dos gastos continua como grande marca deste governo – o que certamente vai
piorar em 2026, diante dos imperativos eleitorais.
Opinião do Estadão