“No Brasil não existe censura”, disse o ministro
Barroso, esta semana, na abertura de uma sessão do STF. A declaração me
surpreendeu. Tenho apreço pelo ministro, de modo que dou uma resposta
popperiana: listo dez casos de censura, no Brasil dos últimos anos. Se eles não
existirem, está tudo bem. Mas se eles forem reais, quem sabe vale refletir
sobre o que vem se passando, afinal, em nossa democracia.
O primeiro é o ato inaugural. Muita gente acha que
os inquéritos surgiram para salvar a democracia, mas não. Foi para censurar uma
revista, em 2019. Depois vem o caso do PCO. Um tuíte que quase ninguém leu, um
“ataque” ao STF, quem sabe em nome da justiça soviética, e o minúsculo partido
comunista foi apagado. O terceiro é o professor Marcos Cintra. Tuíte elegante
sobre o resultado de algumas urnas. Nenhum “ódio”. Apenas o direito de
questionar alguma coisa, na internet. O próximo é o deputado Homero Marchese.
Divulgou um protesto, em Nova York. Estava no Paraná. Mas foi a pique.
Censurado durante meses, recorreu. Sua indenização foi anulada e, o juiz que a
concedeu, investigado. Curioso caso em uma democracia onde “não existe
censura”.
Depois vem a turma do WhatsApp. Grupo privado, papo-furado.
Um sujeito diz que prefere uma ditadura à eleição de um candidato. Bobagem, não
crime. Os demais, nada. Um deles, Luciano Hang. Dois anos de censura por dizer
coisa nenhuma, no WhatsApp. A lista segue com o Monark. Primeiro, censurado por
achar que mesmo um partido nazista deveria ter direito à expressão. Princípio
elementar da Primeira Emenda Americana. Crime? Foi censurado ainda uma segunda
vez por críticas ao STF. Ameaça nenhuma, apenas uma opinião ácida. Dessas a que
estão sujeitos os que ocupam funções públicas.
Censurar um documentário sobre o atentado a
Bolsonaro, sem conhecer o conteúdo? Caso clássico, e algo ridículo, de censura
prévia; Indiciar um deputado, Marcel Van Hatten, por uma denúncia de abuso de
poder, na tribuna da Câmara? Um deputado não pode fazer uma denúncia, no
Parlamento, se julgar relevante? E as plataformas digitais obrigadas a apagar
sua visão sobre o “PL das Fake News”? E uma autoridade, numa manhã de Brasília,
dando ordens para “desmonetizar” revistas? E depois de ouvir que “não tem
nada”, que há apenas “matérias jornalísticas”, mandar que se “use a
criatividade” para incriminar veículos de comunicação?
Desde que o mundo é mundo, liberdade de expressão é
para ideias desagradáveis e controversas. Ideias que “odiamos”, como lembrou
Oliver Holmes. Liberdade só para ideias aceitáveis ao poder é democracia café
com leite. Ou para as tantas formas do iliberalismo atual. Quero crer que o
ministro concorde com isso. Muitos cidadãos foram agredidos, em seus direitos,
e isto jamais deveria acontecer em nossa democracia. Oxalá o tempo e a
sabedoria nos ajudem a corrigir essas coisas.
Fernando Schüler - Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário