O Rio Grande do Norte é um dos polos de maior
importância dentro do Nordeste quando o assunto é fruticultura. A prova disso é
que o estado é palco de uma das feiras mais consolidadas do setor, a Expofruit,
finalizada na sexta-feira (22), em Mossoró. O evento contou com a palestra do
gerente de Projetos e gerente-técnico da Associação Brasileira dos Produtores e
Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Jorge Luiz de Souza. Ele
apresentou ao público a temática “Panorama da fruticultura de exportação e
importância da ESG” (sigla inglês que designa as ações voltadas às boas
práticas ambientais, sociais e de governança).
Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Souza falou sobre
os efeitos do tarifaço americano para a produção de frutas do RN e sobre a
necessidade de expansão de novos mercados consumidores para as vendas dos
produtos potiguares, ao passo em que destacou a importância da fruticultura
local para o Nordeste e o País. Confira:
O mercado mundial está se deparando com
grandes desafios nas exportações diante das tarifas impostas pelos EUA a vários
países do mundo, inclusive ao Brasil. Como o chamado “tarifaço” pode impactar a
fruticultura de exportação brasileira e, em especial, a do Rio Grande do Norte?
O
tarifaço gerou um cenário imprevisível do que pode acontecer. Na verdade, os
países nunca experimentaram uma situação como essa, onde todos foram taxados,
alguns mais, alguns menos. O que eu posso dizer é que até o momento o impacto
foi menor do que o esperado, porque os importadores dos Estados Unidos
sinalizaram positivamente, mesmo com o aumento do custo da mercadoria
brasileira. Quem paga a tarifa não é o Brasil, são os EUA. O grande problema é
que o nosso preço ficaria muito mais alto em relação aos nossos concorrentes.
No momento, por talvez esses concorrentes não terem os produtos, as frutas que
nós exportamos estão fluindo. Mas ainda estamos apreensivos para o que possa
acontecer nos próximos meses.
O RN é líder nacional na exportação de
melão e tem participação crescente na manga e no mamão. Qual a importância do
estado hoje no mapa da fruticultura brasileira e como ele pode ampliar esse
protagonismo?
Eu
diria que o Rio Grande do Norte é um estado-chave. Nossas regiões frutícolas
são críticas para o sucesso da fruticultura de exportação no Brasil, justamente
por gerar produtos de qualidade em volume elevado, que tem um impacto muito
grande no montante das exportações. O Nordeste como um todo é muito importante,
e dentro da região, nós temos uma importância significativa. A maior prova disso
é que nós estamos presentes em todas as ações que são feitas aqui no Estado,
tentando ajudar os produtores a exportar da melhor maneira possível.
A Expofruit chega a mais uma edição como
uma das maiores feiras do setor no país. Qual o peso desse evento para os
produtores locais e como ele ajuda a projetar o RN e o Brasil no mercado
internacional?
O
mercado de frutas global é extremamente competitivo, assim como o nacional. A
Expofruit permite que o Rio Grande do Norte possa externar toda a sua competitividade
nessa cadeia produtiva. Nós temos aqui, não somente os agricultores, mas uma
cadeia de suprimentos – como a gente costuma falar, antes e depois da porteira
– com empresas de insumos agrícolas, e de logística, que são fundamentais,
porque a fruta é muito perecível. Fiquei extremamente surpreso com o movimento
deste ano. A feira está linda e é importante que esse evento continue
acontecendo para o RN continuar marcando a presença no cenário frutícola
brasileiro.
Um dos gargalos para os produtores
sempre foi a logística de transporte, principalmente a aérea e a portuária.
Quais avanços ainda são necessários para o RN e o Brasil se tornarem mais
competitivos nesse aspecto?
A
infraestrutura logística do Brasil, de uma maneira geral, tem muito o que
melhorar. E o Rio Grande do Norte não fica fora desse contexto. O porto de
Natal precisa ser revitalizado para se tornar mais moderno. Hoje os navios,
cada vez maiores, precisam de calados profundos. Então, valeria a pena o estado
reequipar o porto para que pudéssemos ser também um ponto de egresso das nossas
frutas. O mesmo vale para os aeroportos. Mas é importante lembrar que o
transporte marítimo representa 93% do volume das frutas exportadas, e o aéreo,
7%. Então, o marítimo tem um peso muito maior.
Hoje fala-se muito sobre ESG. De que
forma a adoção de práticas sustentáveis e de governança pode fortalecer a
imagem da fruticultura brasileira junto aos consumidores internacionais cada
vez mais exigentes?
O
Brasil é extremamente competitivo no agronegócio. Evidentemente que os países
ficam preocupados com uma potência como a nossa, porque eles sentem que suas
agriculturas locais podem ficar prejudicadas. E uma maneira que esses países
encontraram de criar algumas dificuldades no avanço das nossas exportações é
dizer que o Brasil não respeita os direitos dos trabalhadores, que nós
desmatamos descontroladamente, o que não é verdade. É claro que não temos um
processo perfeito, mas estamos em contínua evolução. O fato de termos uma
certificação ESG, que é internacional, validando boas práticas, mostra que o
Brasil precisa ser respeitado, porque perfeição não existe nem lá fora. A
própria Europa tem desafios. Precisamos mostrar isso de uma maneira muito clara
para não influenciar a opinião no sentido de deixar de comprar os produtos
brasileiros porque a gente está devastando tudo. Nós ainda temos um percentual
altíssimo de área preservada. Dentro da Abrafrutas, 100% dos exportadores são
certificados e participam do programa de ESG, ou seja, não existe teatro por
aqui. A prova disso é que a fruticultura brasileira é campeã mundial de adoção
de bioinsumos. E nós entramos muito forte na área de energia alternativa, como
a eólica e a fotovoltaica.
Além da Europa, que tradicionalmente
compra a produção do RN, quais novos mercados a Abrafrutas tem mapeado como
estratégicos para a fruticultura brasileira?
As
exportações têm crescido significativamente nos nossos vizinhos da América do
Sul, onde, em um primeiro momento, achávamos erroneamente que não eram mercados
interessantes. Hoje, vemos que é o contrário: em mercados como Chile, Peru,
Colômbia, Bolívia, Equador, Argentina, Uruguai. E temos, ainda, uma grande
oportunidade no Oriente Médio, uma região em que não se produz praticamente
alimento nenhum por causa das condições desérticas. Acho que o Brasil pode ter
uma participação mais efetiva no Norte da África e, evidentemente, nos países
asiáticos, embora haja o desafio da logística. Hoje, leva-se muito tempo para
enviar um navio de frutas para a Ásia e a gente precisa melhorar isso.
Muitos pequenos e médios produtores
ainda têm dificuldade de acessar o mercado internacional. O que a Abrafrutas
têm feito para democratizar essa participação? O RN também tem potencial nesse
aspecto?
Nós
consideramos a inclusão dos pequenos e médios produtores no ciclo virtuoso das
plantações como uma das nossas prioridades. A fruticultura, na verdade, é uma
atividade muito mais do pequeno e médio, do que do grande produtor. Por isso
mesmo, a inclusão é fundamental. Só que é algo que depende muito mais deles do
que da Abrafrutas, porque algumas regras no mercado não olham o tamanho da
propriedade. Um exemplo é escala de produção. O importador quer ter um fluxo constante
de produto. Um pequeno produtor com cinco ou 10 hectares, não consegue prover
isso sozinho. Ele tem que se organizar, se unindo em cooperativas ou
associações, porque é essa união que vai viabilizar sua entrada no mercado de
exportações de forma mais significativa.
O RN já é líder na exportação de melão
para a Europa, mas existe a expectativa de acessar o mercado chinês. O desafio
passa pela questão logística. O senhor acredita que esse desafio logístico pode
ser superado em breve? E qual seria o impacto dessa abertura para os produtores
potiguares?
O
impacto seria imenso, porque a China, pelo contingente populacional que tem e
pela quantidade de melão que eles consomem nas épocas em que não produzem,
geraria uma demanda que permitiria aos produtores locais um crescimento diário,
garantindo maior robustez financeira. A questão logística tem sido trabalhada,
mas não é algo muito simples. Portanto, a gente tem que começar de algum modo,
seja com pequenos experimentos, como a questão aérea, mesmo que os ganhos aí
não sejam ideiais. É preciso gerar essa demanda, afinal, a chance de a gente
ter uma operação bastante significativa no futuro é muito grande.
O setor vem sofrendo com as mudanças
climáticas. Como os produtores podem se preparar para mitigar riscos e manter a
regularidade da produção? Há exemplos do RN que podem ser referência nacional?
As
mudanças climáticas são um problema para o mundo inteiro. A gente pode
contribuir respeitando nossa legislação ambiental, que é uma das mais rígidas
do mundo. Além disso, iniciativas como as que nós vimos na Expofruit, como o
uso de energia fotovoltaica em packing houses, utilização de bioinsumos na
agricultura e outros, são exemplos positivos do que a fruticultura pode fazer
para ajudar nesse processo.
- QUEM
Jorge Luiz de Souza é engenheiro
agrônomo com especialização em Estratégia do Agronegócio. Atuou em vários
segmentos do agro brasileiro, foi diretor de uma multinacional na área de
genética vegetal e agora é gerente de Projetos e gerente-técnico da Abrafrutas.
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