Ícaro Carvalho
Repórter
Distante 3 mil km de sua namorada, o potiguar
Fernando Cabral, 25 anos, tomou uma decisão que parecia inevitável naquele
momento: pegar dinheiro emprestado por meio do cartão de crédito para conseguir
visitá-la. A ideia era simples – ver a companheira e pagar o empréstimo com
recursos do trabalho. Mas, com o tempo, a solução rápida acabou se
transformando em um problema de difícil resolução. Desempregado, ele ficou sem
dinheiro para quitar a dívida e precisou negociar o valor meses depois, quando
o tamanho da conta já era outro maior que o anterior. Cinco meses depois, já
novamente empregado, Fernando tem outra visão sobre o dinheiro e criou uma
forma de equilibrar as contas: só gasta 30% do que ganha com o cartão de
crédito, incluindo o pagamento da dívida.
O caso do potiguar não é isolado: o RN registrou a
maior alta do Nordeste, entre janeiro e julho de 2025, na negociação de
dívidas, com aumento de 22%. Outro dado chama a atenção: pessoas como Fernando,
da chamada Geração Z, entre 18 e 25 anos, foram os principais responsáveis por
impulsionar a alta do Estado: aumento de 64% em relação ao mesmo período de
2024. Os dados são da Serasa Experian, que publicou pesquisa nesta semana sobre
a regularização financeira em todo o Brasil.
“Minha ideia era, assim que voltasse da viagem,
achar um emprego e equilibrar as contas. Só que o mercado de trabalho está
difícil e não foi isso que ocorreu. Por isso precisei renegociar, porque já
tinha aumentado um pouco a dívida, já que eu fiquei um tempo sem pagar”,
aponta. “Eu aprendi a lição para não contar com o ovo dentro da galinha,
digamos assim, porque se eu estou fazendo esse tipo de coisa e fico
desempregado e não tenho direito a seguro desemprego, eu não posso contar com
isso. Pra mim, se eu for usar o cartão de crédito, é o equivalente a 30% da
renda mensal. Isso, mesmo se eu ficar desempregado, dá para pagar”, comenta.
O cenário do RN no crescimento das negociações de
dívidas entre os jovens foi um dos mais positivos do Brasil, que também
registrou crescimento de 49% na quantidade de pessoas que negociaram pela
plataforma Serasa Limpa Nome. No perfil das dívidas, os débitos com cartões de
crédito e bancos são responsáveis por 32% de toda a inadimplência no RN,
seguidos dos financiamentos, com 26%.
“Hoje temos uma facilidade e conhecimento de saúde
financeira muito superior ao que tínhamos 10 anos atrás. Hoje entra-se no Tiktok,
Kwai, Instagram e encontra-se diversos influenciadores que te inspiram a ter
esse controle das contas, quanto se ganha, quanto se gasta. Essa democratização
da informação da saúde financeira se demostrou bem clara nessa pesquisa em que
fizemos com várias gerações, mas com a Geração Z destoando de todas. Esse
conhecimento, há alguns anos, era difícil de ser atingido, precisava de cursos,
livros, mas não era tão simples de se pegar em qualquer lugar”, afirma Lucas
Tosati, especialista da Serasa em educação financeira.
A situação que Fernando Cabral passou no final de
2024 e no primeiro trimestre deste ano não foi nova para ele, mas deixou lições
importantes. Anos antes, ele havia contraído uma dívida, também de cartão de
crédito, que precisou ser negociada junto a plataformas do Serasa. Atualmente,
Fernando trabalha como assistente virtual e conta que modificou completamente
sua relação com o dinheiro. Ele espera pagar suas dívidas o quanto antes.
Assim como Fernando, o potiguar Mário Filipe, de 24
anos, também se viu numa situação financeiramente delicada em 2025. A questão
dele, no entanto, guarda relação com o período em que esteve na faculdade,
quando recorreu a empréstimos e cheques especiais fornecidos por bancos. Após
isso, ficou com dificuldade de acesso a crédito, tendo se regularizado somente
há dois anos.
“Sobre negociar dívidas, teve uma recentemente que
eu fiz no cartão de crédito justamente porque seria melhor não pagar juros. Na
minha cabeça, eu pegaria o cartão, passaria numa máquina e teria acesso ao
dinheiro. Os juros que eu recebia, seriam pequenos. Às vezes faltava dinheiro
para pagar duas contas e eu passava elas duas no cartão e dividia sem juros. Só
que juntei tantas coisas que no primeiro mês veio uma parcela de R$ 200 e no
segundo subiu para R$ 800. Não consegui pagar, parcelei a despesa, mas tive meu
cartão cancelado”, relembra Mário Filipe, que é servidor público.
Geração Z tem traçado objetivos
A pesquisa da Serasa ouviu 2.923 participantes de 18
a 29 anos em todo o país. De acordo com o estudo, 59,3% dos jovens nordestinos
já são os principais responsáveis por seus gastos mensais, e 35,6% ajudam nas
contas de casa. Entre os objetivos com o dinheiro, os principais são comprar um
bem como casa ou carro (46,8%), investir (32,6%) e pagar as contas básicas
(31,7%).
“Quando analisamos o comportamento dessa geração,
conseguimos perceber que estamos formando uma geração muito responsável”,
explica Lucas Tosati, especialista da Serasa em educação financeira. “O dado
que mais me chamou atenção foi os objetivos que a Geração Z já vem construindo,
demonstrando um crescimento em entender que a saúde financeira é um ponto
importante. Percebemos que 46% deles querem comprar casa ou carro. Quando
pensamos em saúde financeira, ter um planejamento, meta, estabelecer para onde
vamos no futuro, é um dos primeiros passos a se tomar”, aponta.
Segundo o economista e integrante do Conselho
Regional de Economia do Rio Grande do Norte (Corecon-RN), Helder Cavalcanti, o
aumento de negociações no Nordeste se deve a dois fatores de destaque: a
intensa divulgação das rodadas de negociação e mutirões de limpezas de nome
aliada a um forte movimento de educação financeira.
“É uma atividade que a docência tem procurado
encaixar nisso, há um incentivo claro do governo em dar esse suporte às pessoas
e algumas entidades, como o Conselho de Economia, de dotar as pessoas do senso
crítico para gerir seu dinheiro. A negociação das dívidas é uma das etapas de
uma boa gestão financeira. É estimulante, é algo que nos deixa satisfeitos, mas
é preciso observar que, após a negociação, o consumidor precisa aprender com
aquela situação e mudar o comportamento na gestão do seu recurso financeiro. A
expectativa é de que as pessoas façam isso e que cada vez mais seja menor o
índice de negociação de dívidas, que não haja a dívida de maneira tão
impactante como temos hoje em dia”, cita Helder.
Inadimplência no Rio Grande do Norte
Segundo o Mapa da Inadimplência da Serasa de julho,
o Rio Grande do Norte possui 1.277.204 consumidores com o nome negativado, o
que representa 48,3% da população adulta do estado. No Brasil, o número chega a
78,16 milhões de pessoas.
“São sete meses consecutivos de alta, desde a última
queda registrada em dezembro de 2024”, afirma Patrícia Camillo, gerente da
Serasa. “Para todas as idades, regularizar as contas é o primeiro passo para
sair do vermelho e retomar o controle da vida financeira”.
- Olimpíada
de Educação Financeira conscientiza sobre uso do dinheiro
Se há quem aponte que as dificuldades de
se livrar da inadimplência, para os adultos e mais velhos, se dá pela falta de
ensinamentos no passado sobre os cuidados com o dinheiro, um projeto da UFRN
tem tentado mudar essa realidade plantando sementes para o futuro. É a
Olimpíada Brasileira de Educação Financeira (OBEF), que está na sua 7ª edição
em 2025 e tem 30 escolas participantes do Estado. A competição começou em junho
de 2025 (período de inscrições) e vai até fevereiro de 2026, quando haverá a
cerimônia de premiação dos vencedores.
Segundo o professor Renato Gurgel Mota,
do Departamento de Ciências Contábeis e coordenador da OBEF no RN, o projeto
surgiu na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e foi trazido ao RN nos
últimos anos, com participação de escolas públicas e privadas do Estado.
A ideia, segundo ele, é proporcionar
conhecimento para jovens estudantes desde cedo. A olimpíada contempla alunos do
ensino fundamental e médio, distribuídos em 5 níveis, conforme a complexidade
do tema correlato à educação financeira. Os alunos vencedores das etapas ganham
medalhas e certificados.
“A olimpíada tem o objetivo de fomentar
essa discussão sobre educação financeira lá nos anos iniciais, a partir do 5º
ano do Ensino Fundamental, então as escolas já podem inscrever os alunos a
partir desta série”, comenta.
Os números de inscritos tem aumentado
ano a ano no Brasil: em 2022 foram 52.660 participantes; em 2023 a marca
atingiu 60.675, e em 2024 foram mais de 74 mil participantes. Destes, 910 foram
premiados na fase regional. No RN, foram 43 premiados, sendo 9 medalhas de
ouro, 17 de prata e 17 de bronze; na etapa nacional, foram 217 medalhas
nacionais, das quais 2 de ouro, 4 de prata e 7 de bronze no Rio Grande do
Norte.
“Ensinamos nas escolas como ganhar
dinheiro, o empreendedorismo, a importância, mas esquecemos do principal, que é
a gestão financeira. Quanto mais cedo começarmos a educar nossos filhos para
uma boa gestão financeira, para que eles conheçam sobre finanças, melhor será a
vida, até profissional, dessas pessoas, com mais estrutura. Afinal, as finanças
não mexem só com a conta do banco, mas influenciam em fatores psicológicos e
fisiológicos”, finaliza Renato Gurgel.
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