domingo, 24 de agosto de 2025

Negociação de dívidas cresce 22% no RN, com Geração Z em destaque

 


Ícaro Carvalho
Repórter

Distante 3 mil km de sua namorada, o potiguar Fernando Cabral, 25 anos, tomou uma decisão que parecia inevitável naquele momento: pegar dinheiro emprestado por meio do cartão de crédito para conseguir visitá-la. A ideia era simples – ver a companheira e pagar o empréstimo com recursos do trabalho. Mas, com o tempo, a solução rápida acabou se transformando em um problema de difícil resolução. Desempregado, ele ficou sem dinheiro para quitar a dívida e precisou negociar o valor meses depois, quando o tamanho da conta já era outro maior que o anterior. Cinco meses depois, já novamente empregado, Fernando tem outra visão sobre o dinheiro e criou uma forma de equilibrar as contas: só gasta 30% do que ganha com o cartão de crédito, incluindo o pagamento da dívida.

O caso do potiguar não é isolado: o RN registrou a maior alta do Nordeste, entre janeiro e julho de 2025, na negociação de dívidas, com aumento de 22%. Outro dado chama a atenção: pessoas como Fernando, da chamada Geração Z, entre 18 e 25 anos, foram os principais responsáveis por impulsionar a alta do Estado: aumento de 64% em relação ao mesmo período de 2024. Os dados são da Serasa Experian, que publicou pesquisa nesta semana sobre a regularização financeira em todo o Brasil.

“Minha ideia era, assim que voltasse da viagem, achar um emprego e equilibrar as contas. Só que o mercado de trabalho está difícil e não foi isso que ocorreu. Por isso precisei renegociar, porque já tinha aumentado um pouco a dívida, já que eu fiquei um tempo sem pagar”, aponta. “Eu aprendi a lição para não contar com o ovo dentro da galinha, digamos assim, porque se eu estou fazendo esse tipo de coisa e fico desempregado e não tenho direito a seguro desemprego, eu não posso contar com isso. Pra mim, se eu for usar o cartão de crédito, é o equivalente a 30% da renda mensal. Isso, mesmo se eu ficar desempregado, dá para pagar”, comenta.

O cenário do RN no crescimento das negociações de dívidas entre os jovens foi um dos mais positivos do Brasil, que também registrou crescimento de 49% na quantidade de pessoas que negociaram pela plataforma Serasa Limpa Nome. No perfil das dívidas, os débitos com cartões de crédito e bancos são responsáveis por 32% de toda a inadimplência no RN, seguidos dos financiamentos, com 26%.

“Hoje temos uma facilidade e conhecimento de saúde financeira muito superior ao que tínhamos 10 anos atrás. Hoje entra-se no Tiktok, Kwai, Instagram e encontra-se diversos influenciadores que te inspiram a ter esse controle das contas, quanto se ganha, quanto se gasta. Essa democratização da informação da saúde financeira se demostrou bem clara nessa pesquisa em que fizemos com várias gerações, mas com a Geração Z destoando de todas. Esse conhecimento, há alguns anos, era difícil de ser atingido, precisava de cursos, livros, mas não era tão simples de se pegar em qualquer lugar”, afirma Lucas Tosati, especialista da Serasa em educação financeira.

A situação que Fernando Cabral passou no final de 2024 e no primeiro trimestre deste ano não foi nova para ele, mas deixou lições importantes. Anos antes, ele havia contraído uma dívida, também de cartão de crédito, que precisou ser negociada junto a plataformas do Serasa. Atualmente, Fernando trabalha como assistente virtual e conta que modificou completamente sua relação com o dinheiro. Ele espera pagar suas dívidas o quanto antes.

Assim como Fernando, o potiguar Mário Filipe, de 24 anos, também se viu numa situação financeiramente delicada em 2025. A questão dele, no entanto, guarda relação com o período em que esteve na faculdade, quando recorreu a empréstimos e cheques especiais fornecidos por bancos. Após isso, ficou com dificuldade de acesso a crédito, tendo se regularizado somente há dois anos.

“Sobre negociar dívidas, teve uma recentemente que eu fiz no cartão de crédito justamente porque seria melhor não pagar juros. Na minha cabeça, eu pegaria o cartão, passaria numa máquina e teria acesso ao dinheiro. Os juros que eu recebia, seriam pequenos. Às vezes faltava dinheiro para pagar duas contas e eu passava elas duas no cartão e dividia sem juros. Só que juntei tantas coisas que no primeiro mês veio uma parcela de R$ 200 e no segundo subiu para R$ 800. Não consegui pagar, parcelei a despesa, mas tive meu cartão cancelado”, relembra Mário Filipe, que é servidor público.

Geração Z tem traçado objetivos

A pesquisa da Serasa ouviu 2.923 participantes de 18 a 29 anos em todo o país. De acordo com o estudo, 59,3% dos jovens nordestinos já são os principais responsáveis por seus gastos mensais, e 35,6% ajudam nas contas de casa. Entre os objetivos com o dinheiro, os principais são comprar um bem como casa ou carro (46,8%), investir (32,6%) e pagar as contas básicas (31,7%).

“Quando analisamos o comportamento dessa geração, conseguimos perceber que estamos formando uma geração muito responsável”, explica Lucas Tosati, especialista da Serasa em educação financeira. “O dado que mais me chamou atenção foi os objetivos que a Geração Z já vem construindo, demonstrando um crescimento em entender que a saúde financeira é um ponto importante. Percebemos que 46% deles querem comprar casa ou carro. Quando pensamos em saúde financeira, ter um planejamento, meta, estabelecer para onde vamos no futuro, é um dos primeiros passos a se tomar”, aponta.

Segundo o economista e integrante do Conselho Regional de Economia do Rio Grande do Norte (Corecon-RN), Helder Cavalcanti, o aumento de negociações no Nordeste se deve a dois fatores de destaque: a intensa divulgação das rodadas de negociação e mutirões de limpezas de nome aliada a um forte movimento de educação financeira.

“É uma atividade que a docência tem procurado encaixar nisso, há um incentivo claro do governo em dar esse suporte às pessoas e algumas entidades, como o Conselho de Economia, de dotar as pessoas do senso crítico para gerir seu dinheiro. A negociação das dívidas é uma das etapas de uma boa gestão financeira. É estimulante, é algo que nos deixa satisfeitos, mas é preciso observar que, após a negociação, o consumidor precisa aprender com aquela situação e mudar o comportamento na gestão do seu recurso financeiro. A expectativa é de que as pessoas façam isso e que cada vez mais seja menor o índice de negociação de dívidas, que não haja a dívida de maneira tão impactante como temos hoje em dia”, cita Helder.

Inadimplência no Rio Grande do Norte

Segundo o Mapa da Inadimplência da Serasa de julho, o Rio Grande do Norte possui 1.277.204 consumidores com o nome negativado, o que representa 48,3% da população adulta do estado. No Brasil, o número chega a 78,16 milhões de pessoas.

“São sete meses consecutivos de alta, desde a última queda registrada em dezembro de 2024”, afirma Patrícia Camillo, gerente da Serasa. “Para todas as idades, regularizar as contas é o primeiro passo para sair do vermelho e retomar o controle da vida financeira”.

  • Olimpíada de Educação Financeira conscientiza sobre uso do dinheiro

Se há quem aponte que as dificuldades de se livrar da inadimplência, para os adultos e mais velhos, se dá pela falta de ensinamentos no passado sobre os cuidados com o dinheiro, um projeto da UFRN tem tentado mudar essa realidade plantando sementes para o futuro. É a Olimpíada Brasileira de Educação Financeira (OBEF), que está na sua 7ª edição em 2025 e tem 30 escolas participantes do Estado. A competição começou em junho de 2025 (período de inscrições) e vai até fevereiro de 2026, quando haverá a cerimônia de premiação dos vencedores.

Segundo o professor Renato Gurgel Mota, do Departamento de Ciências Contábeis e coordenador da OBEF no RN, o projeto surgiu na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e foi trazido ao RN nos últimos anos, com participação de escolas públicas e privadas do Estado.

A ideia, segundo ele, é proporcionar conhecimento para jovens estudantes desde cedo. A olimpíada contempla alunos do ensino fundamental e médio, distribuídos em 5 níveis, conforme a complexidade do tema correlato à educação financeira. Os alunos vencedores das etapas ganham medalhas e certificados.

“A olimpíada tem o objetivo de fomentar essa discussão sobre educação financeira lá nos anos iniciais, a partir do 5º ano do Ensino Fundamental, então as escolas já podem inscrever os alunos a partir desta série”, comenta.

Os números de inscritos tem aumentado ano a ano no Brasil: em 2022 foram 52.660 participantes; em 2023 a marca atingiu 60.675, e em 2024 foram mais de 74 mil participantes. Destes, 910 foram premiados na fase regional. No RN, foram 43 premiados, sendo 9 medalhas de ouro, 17 de prata e 17 de bronze; na etapa nacional, foram 217 medalhas nacionais, das quais 2 de ouro, 4 de prata e 7 de bronze no Rio Grande do Norte.

“Ensinamos nas escolas como ganhar dinheiro, o empreendedorismo, a importância, mas esquecemos do principal, que é a gestão financeira. Quanto mais cedo começarmos a educar nossos filhos para uma boa gestão financeira, para que eles conheçam sobre finanças, melhor será a vida, até profissional, dessas pessoas, com mais estrutura. Afinal, as finanças não mexem só com a conta do banco, mas influenciam em fatores psicológicos e fisiológicos”, finaliza Renato Gurgel.

 

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