A
nova investida petista no BNDES
Decisão do banco estatal de voltar a comprar
participações acionárias em empresas, sob pretexto de incentivar a inovação,
lembra política estatólatra malsucedida dos ‘campeões nacionais’
O anúncio de que o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) voltará ao mercado acionário, investindo diretamente
no capital de empresas de variados portes e setores, é capaz de provocar
desconfiança até no observador mais ingênuo. Mesmo com o cuidado de destacar
que a retomada será dirigida a projetos de inovação e economia verde, o
comunicado do banco remete inevitavelmente à época da política das “campeãs
nacionais”, de gestões petistas passadas, quando dezenas de bilhões de reais
foram aportados em companhias “eleitas” pelo BNDES.
A apreensão aumenta diante da declaração do
presidente do banco, Aloizio Mercadante, de que, depois de dez anos sem
investimentos em renda variável, “o governo do presidente Lula retoma a missão
da BNDESPar de desenvolver o País com o fortalecimento do mercado de capitais”.
Fala como se os empréstimos de mais de R$ 440 bilhões do Tesouro Nacional ao
banco entre 2008 e 2014 – em parte usados em operações de compra de
participações – tivessem produzido um mercado de capitais pujante, o que
obviamente não é o caso.
Em 2015, a BNDESPar – subsidiária do banco que
administra as participações acionárias da instituição – tinha posição em 125
empresas dos mais diversos setores, como telecomunicações, alimentos, varejo, energia,
mineração, siderurgia, logística, tecnologia da informação, enfim, uma
infinidade de áreas. A partir de 2016, no governo Michel Temer, o banco passou
a adotar outra política, buscando sair de empresas consideradas maduras, que já
não precisavam do apoio da instituição.
Hoje, a carteira da BNDESPar reúne participações em
13 companhias listadas em bolsa de valores a um valor total de R$ 78,7 bilhões
(março/2025). Detém, ainda, R$ 5,6 bilhões em outras 67 companhias fechadas ou
com baixa liquidez. De algumas é sócia há 50 anos, como a Metanor, petroquímica
da qual a Petrobras se retirou no ano passado; outras já tiveram falência
decretada, como a Mesbla, que passou a atuar como marketplace. Há, ainda,
participações consideradas “estratégicas”, como Eletrobras e Petrobras, mesmo
que não haja uma noção clara de tal estratégia.
Durante o período em que o BNDES atuou
agressivamente no mercado acionário ficaram notórios casos como o da indústria
de alimentos JBS, que recebeu do banco R$ 8,1 bilhões em compra de ações. A
participação da BNDESPar na empresa chegou a 22,17%, reduzida depois para
20,81% e mais recentemente – cerca de um mês antes do anúncio do
restabelecimento da política acionária – para 18,18%. Apesar dos
questionamentos que cercaram as operações, o Tribunal de Contas da União (TCU)
concluiu que não houve irregularidades. O BNDES, por sua vez, alegou ter obtido
retorno significativo com a participação.
E é aí que reside a questão de fundo sobre o papel
que cabe ao banco de fomento federal: como instrumento de desenvolvimento, é
papel do BNDES incentivar projetos de infraestrutura que contribuam para
reduzir custos de produção, logística e transporte no País, o conhecido custo
Brasil, que dificulta a competitividade das empresas nacionais. Também é
razoável que se dedique a corrigir falhas de mercado que emperrem
financiamentos a determinadas iniciativas. No entanto, é difícil encontrar
justificativa para fazer do Estado acionista de empresas privadas, a não ser
pela visão estatólatra do lulopetismo.
Até o fim do ano, a BNDESPar pretende investir R$ 10
bilhões em ações de empresas, diretamente ou por meio de fundos de
participações. É muito dinheiro em curto prazo. E mesmo o banco ressaltando que
utilizará recursos de vendas de outras participações e dividendos, não há como
desvincular a ação do erário público. Afinal, o único acionista do banco é o
Tesouro, o caixa que concentra os recursos pagos pelos contribuintes
brasileiros.
Fomentar inovação é função do banco, e para isso
existem fundos específicos, como o Criatec. A chamada economia verde está
também no foco econômico mundial, e o apoio do BNDES a iniciativas do tipo é
justificável. Mas o ingresso na composição acionária de empresas é um caminho
no mínimo questionável.
Opinião do Estadão
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