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domingo, 16 de fevereiro de 2025

TANGARAENSE - Uso terapêutico de animais ganha espaço como estratégia de cuidado

 


A rotina hospitalar costuma ser marcada por incertezas, dores e longas esperas. No Hospital Universitário Onofre Lopes (Huol/UFRN/Ebserh), porém, um elemento inusitado tem mudado esse cenário: a presença de Shai, uma cadela de cinco anos da raça samoieda que atua voluntariamente na unidade. Parte de um programa de Terapia Assistida por Animais (TAA), ela tem proporcionado momentos de conforto e alegria a pacientes, acompanhantes e profissionais da saúde, transformando as interações dentro do hospital em experiências mais acolhedoras e leves.

A iniciativa, implementada pela Comissão de Cuidados Paliativos do Huol, surgiu a partir do reconhecimento dos benefícios da interação entre humanos e animais no ambiente hospitalar. Segundo Juliano Silveira, médico geriatra e presidente da comissão, a parceria com Shai e sua tutora, Giselly Romano, nasceu em um contato via redes sociais. “Giselly prontamente aceitou o convite e assumiu um trabalho 100% voluntário, iniciando a construção de um fluxo assistencial e protocolos específicos”, explica.

A TAA utiliza a interação entre pacientes e animais, como cães, gatos, cavalos e até coelhos, para estimular a comunicação, socialização, relaxamento e motivação. Durante as sessões, os animais atuam como facilitadores, adaptando as necessidades de cada paciente para proporcionar um ambiente seguro e acolhedor. Para a eficácia do tratamento, é essencial que os animais envolvidos recebam cuidados adequados, sejam devidamente treinados e mantenham boas condições de saúde.

Desde o início das atividades, em 2024, a presença de Shai tem sido celebrada por pacientes e profissionais. Por onde passa, desde a Unidade de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente até os espaços de internação, a voluntária chama a atenção. Com as mãos higienizadas de quem pretende interagir, ela recebe carinhos e vira alvo de muitas fotos durante todo o caminho percorrido, até mesmo daqueles que não costumam fazer parte da rotina do hospital.

Auriléia dos Santos, mãe de Ana Vitória, 6, relata o impacto positivo da terapia no tratamento da filha que vive diante da condição de mucopolissacaridose e que recorrentemente precisa fazer reposição de enzimas na unidade. “Elas ficam mais alegres. Aqui dentro, elas passam muito tempo só sentadas, sem muita diversão. Tem brinquedos, pintura, mas a visita da Shai é diferente, é especial”, comenta.

Os efeitos da TAA são evidenciados por diversos estudos acadêmicos. Segundo Manuella Carone, psicóloga clínica, a interação com cães reduz os níveis de cortisol e aumenta a liberação de ocitocina, promovendo relaxamento e bem-estar. “Essa terapia também pode diminuir a percepção da dor e sintomas de ansiedade e depressão, bastante comum em pessoas hospitalizadas, especialmente em cuidados paliativos, consequentemente, este contato pode gerar uma melhora da qualidade de vida e manejo da enfermidade”, afirma.

A visita de Shai às unidades do Huol segue um protocolo rigoroso de biossegurança, com a higienização do animal e controle de contato entre pacientes e a cadela, além de verificação de todas as vacinas e cuidados medicamentosos. A visitação é ofertada a todos que estão na programação da visita, exceto àqueles com imunossupressão ou outras restrições, garantindo um contato terapêutico seguro.

Entre as crianças atendidas pela terapia está Fernanda Jhulia, 11, que trata diabetes no Huol/UFRN/Ebserh. Todas as vezes que vê Shai, ela não esconde a animação e o sorriso no rosto por ser apaixonada por animais. “Eu acho muito legal porque tem crianças aqui que estão tristes e a Shai traz alegria. Ela é muito bonitinha, carinhosa demais”, conta enquanto faz carinho na cadela.

Essa espontaneidade das interações impressiona até a própria tutora da cadela, Giselly Romano. Por já ter dois treinamentos nessa área, Shai está acostumada com esse processo. “Ela sente quando pode se aproximar mais, quando a criança ou o adulto estão receptivos. Já vi crianças com medo de cães se aproximarem, tirarem foto, fazerem carinho. Isso é uma evolução”, afirma.

Esses efeitos da terapia também são observados na equipe hospitalar, que aproveita os intervalos e interagem com Shai na passagem dos corredores. Segundo Manuella Carone, a prática pode trazer resultados diretos no desempenho do trabalho. “Interações com animais podem reduzir a fadiga, melhorar a compaixão e aumentar a resiliência dos profissionais”, explica.

Impactos na evolução do tratamento

Apesar de liberar a produção de hormônios da felicidade ao desfrutar da Terapia Assistida por Animais, o aprimoramento da saúde mental não é o único benefício existente. Para os pacientes com doenças crônicas, também é possível observar resultados diretos na evolução do tratamento, diante dos impactos da redução do estresse e maior adesão aos cuidados.

Segundo Juliano Silveira, a literatura científica mostra que a TAA gera resultados em redução da dor, estabilização da pressão arterial e melhora na resposta ao tratamento. Diante da percepção desde a chegada de Shai ao ambiente hospitalar do Huol/UFRN/Ebserh, o caso já foi levado pelo médico a um Congresso Nacional de Cuidados Paliativos, reforçando a relevância da prática no cenário de assistência.

“Além do impacto emocional, há evidências clínicas e relatos médicos que indicam melhorias na recuperação e no engajamento dos pacientes. Dentro do HUOL, observamos que, após as visitas de Shai, muitos pacientes demonstram maior participação nos cuidados, fortalecendo o vínculo com a equipe de saúde”, explica o presidente da Comissão de Cuidados Paliativos do hospital.

Ane Caroline, mãe de Apolo, de um ano e dez meses, que trata uma doença renal crônica, conta que o filho se transforma ao ver Shai. “Ele esquece um pouco do trauma que tem do hospital. A felicidade dele é enorme. É possível perceber que ele fica mais tranquilo durante o dia quando recebe essa visita”, relata enquanto o filho aproveita cada minuto ao lado da cadela.

Em contato com tantos pacientes de diversas enfermidades, Giselly garante que Shai também passa por descansos para se recuperar. “Ela tem reagido muito bem. Não late, não estranha. Ficamos em torno de três horas por dia e no máximo duas visitas por semana, porque o cão absorve as energias negativas, é um ambiente pesado, então ela precisa de tempo”, relata a tutora.

Outros hospitais usam a terapia com animais

Em Natal, além do Hospital Universitário Onofre Lopes, outras duas unidades também recebem a Terapia Assistida por Animais: o Hospital Infantil Varela Santiago, que atua principalmente contra o câncer, e também um hospital particular da cidade. A Liga Contra o Câncer também já esteve ativa nesse programa, mas paralisou as atividades e estuda a retomada em breve.

De acordo com Giselly Romano, tutora da Shai, a vocação terapêutica da cadela se manifestou cedo. “Desde filhote, percebi que ela tinha um temperamento tranquilo. Investi em treinamentos e procurei hospitais para começarmos esse trabalho, mas houve muita resistência porque tem todo um protocolo”, conta. A iniciativa no Huol, segundo ela, só foi possível após a defesa de Juliano.

Para o médico, a TAA deve ser expandida para outras áreas da saúde e instituições hospitalares por considerar uma abordagem complementar e com benefícios comprovados. “Além de promover bem-estar emocional, auxilia na adesão ao tratamento e na humanização do cuidado. No entanto, ainda há desafios, como a quebra de paradigmas e o reconhecimento institucional dessa prática”, relata o geriatra.

A mesma percepção é reiterada por Manuella, que destaca que a prática também pode ser aplicada em casa. “Proporcionar uma rotina estruturada com brincadeiras e passeios, é um envolvimento crucial para a criação de um vínculo afetivo”, explica. A psicóloga clinica também sugere incorporar momentos de interação com o pet.

Para além dos espaços hospitalares e residências, a Terapia Assistida por Animais também pode ser aplicada em instituições de longa permanência para atendimento aos idosos, uma experiência já vivenciada por Shai. A presença de animais pode ser uma fonte de conforto e apoio, com redução da solidão. “Nossa maior recompensa é saber que estamos levando um pouco de alegria para quem mais precisa”, conclui Giselly.

Tribuna do Norte

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