A cegueira de Lula com o dólar
Saída de dólares bate recorde, real é a moeda que
mais perde valor, repasse do câmbio aos preços acelera, e Lula não enxerga que
desequilíbrio se deve em grande parte a seu governo
Enquanto o dólar consolidava posição acima dos R$
6,00, o Banco Central (BC) registrava, nos primeiros 19 dias de dezembro, a
saída do País de US$ 14,699 bilhões, um recorde histórico da série iniciada em
2008. Dois movimentos conectados que se juntam a outro ainda mais danoso,
conhecido na literatura econômica por pass-through, que caracteriza o repasse
da mudança do câmbio para os preços aos consumidores e o impacto nos
investimentos e que afeta também os volumes do comércio exterior e os preços de
importações e exportações.
O repasse cambial aos preços domésticos de bens de consumo
está ocorrendo em velocidade maior do que normalmente é observado porque a
economia está muito aquecida, com crescimento da demanda em ritmo mais intenso
do que a capacidade de oferta, resultado de políticas de incentivo ao crédito
e, em grande parte, ao aumento de programas de transferências de renda.
Economistas ouvidos pelo Estadão situaram o repasse do câmbio aos preços entre
8% e 10%, com impacto certeiro sobre a inflação não apenas no curtíssimo prazo,
mas também no futuro. Uma consultoria chega a calcular aumento de 1 ponto
porcentual no IPCA em 12 meses.
À exceção dos integrantes do BC, os representantes
do governo Lula da Silva costumam atribuir a escalada do dólar a especulações
do mercado financeiro. Em meio à alta cambial e à saída de dólares, o líder do
governo no Senado, Jaques Wagner, usou a tribuna para, mais uma vez, falar em
especulação “de altíssimo grau”. Em julho, o próprio Lula havia dito o mesmo.
“É uma especulação. Há um jogo de interesse especulativo contra o real neste
país. Não é normal o que está acontecendo”, disse em uma de suas entrevistas a
programas de rádio.
O dólar estava cotado, então, em R$ 5,653 e o
estopim para a alta, na ocasião, foram as duras críticas do presidente à
política monetária do Banco Central, que interrompeu em junho o ciclo de queda
na Selic, depois de cortes na taxa de juros por sete reuniões consecutivas do
Comitê de Política Monetária (Copom). O banco decidira, por unanimidade, voltar
à política contracionista para tentar manter o processo desinflacionário, que
perdia terreno diante do sobreaquecimento da economia. Irritado, Lula disse que
“não se pode inventar crises” e “jogar a culpa” nas declarações do presidente
da República.
Estivesse ele com os pés no chão e não pairando em
devaneios nacional-desenvolvimentistas, Lula da Silva se daria conta de que a
insegurança do mercado ocorre em consequência dos atos de seu governo, que
rotineiramente contradizem discursos oficiais de austeridade fiscal. O grau de
especulação que pode estar embutido na alta do dólar se deve ao pânico em
relação aos planos fiscais, como descrito em artigo recente da revista
britânica The Economist.
O texto, reproduzido pelo Estadão, destaca que o
real é a moeda com pior desempenho em 2024 – até a semana do Natal, a desvalorização
acumulada ultrapassava 27%, mesmo após as intervenções do Banco Central para
tentar conter a alta da moeda americana. O pacote fiscal medíocre apresentado
pelo governo, que havia prometido um amplo corte de gastos, está no centro da
atual queda vertiginosa do real. “Os mercados financeiros estão clamando por
uma reviravolta fiscal, que o governo reluta em oferecer”, diz o artigo, que
recorre a uma declaração do chefe de pesquisa econômica para a América Latina
do banco Goldman Sachs, Alberto Ramos, para apresentar um diagnóstico para o
Brasil: “Quanto mais você esperar, maior será o risco de que as coisas sejam
feitas da maneira mais difícil, e o mercado forçará a correção. Os sintomas de
uma crise estão aí”.
Recente relatório sobre as perspectivas para as
companhias na América Latina em 2025, divulgado pela agência de classificação
de risco Fitch
Ratings, avalia que a piora das condições econômicas
no Brasil ameaça os negócios das empresas. Ressalte-se que a saída de dólares
verificada pelo BC vem aumentando não apenas nas empresas, mas também por
pessoas físicas. Ou o governo se convence que é preciso mudar de rota ou
caminhará direto para a crise.
Opinião do Estadão
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