Um balanço do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Norte (TJRN) aponta que 59,2% das audiências de custódia realizadas
entre os dias 14 deste mês (quando iniciaram os ataques criminosos no Estado) e
a última terça-feira (28) resultaram em liberdade concedida aos acusados. O
levantamento aponta que, no período, foram realizadas 317 audiências, das
quais 182 tiveram como resultado a emissão de alvarás de soltura
para liberdade provisória e 135 mandados de prisão (conversão para preventiva).
Os dados
levam em conta audiências gerais (não apenas aquelas relacionadas aos ataques)
e não incluem os cálculos da Central de Flagrantes de Caicó.
Considerando
apenas Natal, 60,4% das audiências (162) do período tiveram como definição a
liberdade provisória dos acusados. Além da capital, os números totais do
levantamento se referem às Centrais de Flagrantes de Mossoró e Pau dos Ferros.
Em Mossoró, das 41 audiências, 16 resultaram em alvarás de soltura; em Pau dos
Ferros, quatro das oito audiências definiram que o acusado tinha direito à
liberdade provisória.
A
reportagem do jornal Tribuna do Norte tentou contato com o juiz Diego Dantas,
coordenador das audiências de custódia do RN, para comentar os números, mas ele
não respondeu aos contatos da reportagem. De acordo com o TJRN, as
audiências são realizadas diariamente, em quatro polos regionais (Natal,
Mossoró, Caicó e Pau dos Ferros), com uma escala de rodízio entre magistrados
vinculados a cada região abrangida pelo respectivo polo.
Associações policiais reclamam de
resultados
Para as
entidades que representam as forças policiais do Rio Grande do Norte, o número
de liberdades concedidas a acusados é preocupante. Segundo a presidente
do Sindicato dos Policiais Civis do RN (Sinpol-RN), Edilza Faustino, a sensação
é de “enxugar gelo”, mesmo sentimento
compartilhado pela presidente da Associação dos Subtenentes e Sargentos
Policiais Militares e Bombeiros Militares do RN (ASSPMBMRN), Márcia Carvalho.
“Esses dados de liberdade concedida são
preocupantes, principalmente neste clima de tensão em que está o Rio Grande do
Norte nas últimas semanas. É evidente que para o indivíduo permanecer preso é
preciso analisar todo o contexto que o levou até a prisão, visto que nem todos
os casos justificam uma privação de liberdade de imediato. Contudo, destacamos
que a situação no Estado exige cautela e consentir com a liberdade de alguns
indivíduos pode, sim, comprometer as operações realizadas”, disse a
presidente da ASSPMBMRN.
Para
Edilza Faustino, do Sinpol, as análises deveriam ser mais criteriosas. “Não há como questionar um norma criada, mas ela
deveria ser feita com mais critério, até para não desperdiçar todo um trabalho
feito à base de procedimentos em flagrante e tipificação de crimes. É claro que
cada caso é único, mas a gente considera muito alto o número de prisões que têm
sido relaxadas com as audiências de custódia”, avalia. Taís Aires,
presidente da Associação de Delegados de Polícia Civil (Adepol/RN) comenta que
o alto número de liberdade provisória gera sensação de impunidade e ressalta
que mudanças na legislação podem reduzir esse sentimento.
“Quando uma pessoa comete um crime e é solta logo
em seguida, passa uma sensação de impunidade, que é a grande mola propulsora da
criminalidade. Então, embora a gente saiba que é o cumprimento de uma
legislação e que existem casos de pessoas que realmente não não deveriam estar
presas, fica essa sensação e isso fomenta o crime”, sublinha. Edilza
Faustino, do Sinpol, corrobora do mesmo ponto de vista. “Esse
sentimento de impunidade é razoável por conta do alto índice de violência que
nós temos. Quando uma pessoa é vítima de um crime e vê aquele infrator ser
liberado no dia seguinte, para ela, realmente, é uma sensação muito ruim”,
diz.
2022
Em todo
ano de 2022, foram realizadas 3.717 audiências de custódia, tendo como
resultado a expedição de 2.454 mandados de prisão (66%) e de 1.263 alvarás de
soltura (34%). Já os dados referentes ao período de 14 a 28 de março deste ano,
com maior resultado para a concessão de liberdades, surpreenderam o juiz
titular da 5ª Vara da Justiça Federal no Rio Grande do Norte, Ivan Lira de
Carvalho.
“Os casos aconteceram na competência da
Justiça estadual, então, não sei especificamente o que ocorreu, no âmbito do
trâmite da atividade policial e da própria Justiça, que gerou esse dado tão
curioso. É um percentual elevado e não deixa de ser preocupante essa proporção.
Os casos que vêm a mim, quando tenho jurisdição em plantão na Justiça Federal,
não chegam a um percentual tão elevado”, disse.
O juiz
explicou, ressaltando que não acessou os casos, que o dado chama atenção por
que envolve o período em que casos relacionados aos ataques no Estado estão em
análise. “Me parece que o nível de
envolvimento dessas pessoas [nos ataques] era bem acentuado. Imaginei – e falo
assim por que não consultei nenhum repositório de dados – que as
audiências iriam resultar em um número maior de pessoas que deveriam ficar
presas”, pontuou Ivan Lira.
O
magistrado esclarece, no entanto, que a concessão de liberdade definida em
audiência de custódia é um direito garantido por lei. O presidente da
Comissão da Advocacia Criminal da OAB/RN, Anesiano Oliveira, explica que, de
acordo com a legislação penal, a liberdade é regra no País. Segundo ele, a prisão
preventiva é autorizada apenas para crimes classificados como de muita
gravidade.
“Se a pessoa acusada não oferece perigo à
sociedade, no sentido de que se possa aplicar a ela medidas diversas da prisão,
como o uso de tornozeleira, proibição de frequentar determinados lugares ou de
se ausentar da comarca e manter distância de vítimas, a regra é deixar o
cidadão responder em liberdade. Por outro lado, ameaças a testemunhas, à
destruição de provas e risco de fuga, são fatores que representam elementos para
prisão preventiva, que ocorre por tempo indeterminado”, explica.
Oliveira
detalha que a audiência de custódia, conforme previsto em lei, deve ocorrer 24
horas após o flagrante ao acusado e defende o dispositivo enquanto ferramenta
importante para imprimir eficiência ao que já era determinado pela legislação. “Não vejo as audiências como fato que atrapalha a
segurança. Elas, de modo geral, colaboraram em muito com o Judiciário do País,
porque antes esperava-se até uma semana para analisar a questão da
liberdade provisória”, afirmou.

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