Uma enfermeira autista, que tem 35 anos de idade,
aprovada para um mestrado na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte
(Uern) foi impedida de fazer a matrícula em uma das vagas para pessoa com
deficiência, mesmo após apresentar o laudo comprovando sua condição.
Sâmara Alves é enfermeira e foi diagnosticada com autismo
aos 34 anos. A comprovação só veio quando ela levou a filha, então com 3 anos
de idade, para uma avaliação. Os médicos identificaram alguns traços de autismo
também na mãe e o diagnóstico era de que as duas eram autistas.
O laudo elaborado pelos especialistas foi
apresentado pela enfermeira durante a inscrição no mestrado e foi aceito. Das
30 vagas, duas eram para pessoas com deficiência.
Após ser aprovada nas primeiras etapas, como prova
de inglês, e receber 9,8 no projeto de pesquisa, na última segunda-feira (27)
ela levou os documentos e laudos para apresentar à banca multiprofissional da
instituição, que negou a matrícula à enfermeira.
Procurada, a Uern afirmou que não vai comentar o
caso por causa da Lei Geral de Proteção de Dados, mas confirmou que um recurso
foi apresentado pela candidata e está em tramitação.
“Eu me inscrevi no mestrado da Uern em Saúde e
Sociedade e foram ofertadas 30 vagas, dentre elas, 2 eram para pessoas com
deficiência. Sou autista e realizei meu projeto de pesquisa sobre uma
ferramenta nova de detecção precoce para o autismo e por esse motivo, fiz
questão de me inscrever como pessoa com deficiência, como forma de militância
pela causa”, afirmou.
“Levei todos os meus documentos, tenho laudos de 4
psiquiatras diferentes, laudo de uma psicóloga e de um fonoaudiólogo. Eles
aceitaram apenas o meu laudo com menos de 6 meses, desrespeitando a lei
estadual 10.917 que prevê prazo de validade indeterminado para laudos de
pessoas autistas. Aceitaram apenas o mesmo laudo que eles já haviam aceito para
homologar minha inscrição e meu resultado final na condição de PCD”, afirmou.
Sâmara ainda alega que não foi submetida à avaliação
biopsicossocial, como recomenda a lei brasileira de inclusão.
“Me fizeram perguntas soltas e rápidas, dentre elas,
se eu trabalhava, tinha filhos, como minha deficiência me afetava. E eu
discorri bastante sobre isso, porém fui ignorada. Ao final eles emitiram um
parecer negando a minha matrícula. Eu acredito que fui vítima de preconceito
pela junta, porque quando eu relatei que trabalhava, um dos participantes
disse: ‘Ah! Ela trabalha’, porque muitos ainda acreditam que o autista precisa
ter uma cara, como se o autista tivesse características físicas", afirmou.
Após ter a matrícula negada, a enfermeira entrou com
um recurso, que ainda não tem prazo para julgamento. O advogado dela também
acionou o Ministério Público.
A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com
Autismo da OAB Mossoró protocolou um ofício na universidade pedindo celeridade
na tramitação do julgamento do recurso administrativo apresentado pela
candidata, segundo informou Diana Paula, vice-presidente da instituição em
Mossoró.
"Não existe nenhum autista mais autista do que
o outro. Todos são autistas. Todos estão incluídos na política de proteção dos
direitos da pessoa autista e todos devem receber respeito. Muitos acreditam que
o autista não pode casar, não pode ter filhos, não pode trabalhar. E isso é uma
forma de preconceito. Tenho muito orgulho de ser autista e como também tenho
uma filha autista, quero que ela se espelhe em mim para superar todas as suas
barreiras", afirmou a enfermeira.
Segundo a professora Ana Lúcia Aguiar, diretora de
Ações Inclusivas da Uern, a instituição trabalha com base nas legislações
nacionais, além de convenções internacionais. Ainda de acordo com ela, a junta
multiprofissional envolve pessoas de vários especialidades, avaliando aspectos
biológicos, sociais e psicológicos dos candidatos. Ainda de acordo com ela, a
universidade tem, atualmente, 233 alunos com deficiência, dos quais cinco são
autistas.
"Sobre o caso específico, nós estamos
preservando o que diz a Lei Geral de Proteção de Dados, porque são dados
sensíveis. Estamos com o recurso em mãos e vamos tramitar dentro desses
procedimentos legais", afirmou.

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