O calendário da nossa Independência não cabe na cena
do Grito. Os historiadores já definiram que o nascimento desta nova
nação foi um processo de anos, com mudanças que sacudiram
Portugal, conquistas no campo de batalha e revoltas que aconteceram pelo país.
Há 200 anos, o centro do Rio de Janeiro era a sede
do governo de Dom Pedro desde o retorno do pai dele, o rei João VI, para
Portugal.
Em ambientes reservados, como o claustro do Convento
de Santo Antônio, um grupo conhecido como clube da resistência planejava como
reunir apoio para a então chamada causa brasileira.
Os passos da Independência também foram
decididos nos templos da maçonaria, frequentados pelo
príncipe e pelo ministro mais poderoso, José Bonifácio.
“Na época não existiam partidos políticos. Então,
era nas lojas maçônicas onde a elite brasileira se reunia. Tinha um projeto. O
lema Independência ou Morte foi cunhado dentro de uma loja maçônica”, explica o
historiador e escritor Laurentino Gomes.
Em agosto de 1822, Dom Pedro viaja para São Paulo e
deixa a esposa, Leopoldina, na regência do país. Ela comanda a reunião do
Conselho de Estado no dia 2 de setembro, que decide pelo rompimento definitivo
com Portugal.
A notícia chega a Dom Pedro em cartas que o alcançam
no dia 7 de setembro, perto do Rio Ipiranga, e provocam a famosa declaração
para a tropa: “Independência ou Morte”.
Enquanto isso, no Campo de Santana, a praça mais
movimentada da Corte do Rio, uma grande festa estava sendo planejada há
semanas.
Uma multidão se reuniu na praça para o evento
oficial e público que marcou a nova etapa da nossa história: a aclamação do
primeiro imperador do Brasil. A data escolhida foi o aniversário de 24
anos de Dom Pedro: 12 de outubro de 1822. Uma gravura se espalhou pelo
país como imagem oficial da Independência.
“Se você olhar toda a documentação, você vai ver que
até o 12 de outubro, ele continuava assinando como príncipe regente do Reino do
Brasil. Do 12 de outubro em diante ele passa a ser imperador, os ministros
passam a ser ministros do Império do Brasil e por aí vai”, diz o historiador e
escritor Paulo Rezzutti.
“Durante algum tempo, o 7 de setembro ficou na
sombra. Depois se inverteu, saiu o 12 de outubro e entrou o 7 de setembro”,
afirma Laurentino.
Entre 1822 e 1831, a popularidade de Dom
Pedro desabou. Ele perdeu o apoio dos políticos e voltou para Portugal,
onde garantiu o trono para a filha, Maria da Glória. A data mais importante do
país não podia mais cair no aniversário dele.
A imagem da Independência passou a ser a
tela gigante de Pedro Américo, criada em 1888, 66 anos após o grito de
Independência ou Morte. A cena épica tem várias
interpretações do artista.
“O terreno não era assim elevado, mas Pedro Américo
gostaria de elevar a cena. Nada melhor do que colocar o príncipe no alto de uma
colina. O príncipe também não estava montado em um cavalo. Pedro Américo sabia
disso, porque viagens de longa distância eram todas vencidas em lombo de burro.
À esquerda, está o povo. O povo é negro, o povo está descalço. O povo anda na
contramão. A gente pode ver que a Independência está vindo por aqui e ele está
indo para lá. A história que nós guardamos é essa história de uma proeminência
masculina, branca, europeia da nossa Independência. Como se o povo estivesse
assistindo a tudo apaziguado, calado, quando as pesquisas recentes vêm
mostrando que não, que esse protagonismo, no mínimo, tem que ser dividido”, diz
a historiadora e escritora Lilia Schwarcz.
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