As telas dos aparelhos eletrônicos sempre foram
companhia para as crianças. Com o tempo, a televisão foi dividindo seu encanto
com os celulares, computadores e tablets, todos conectados pela internet.
Mas a geração que cresce de olho nas telinhas se vê diante agora de novas
questões. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a exposição a telas
eletrônicas, por qualquer período, não é recomendada para crianças menores de
dois anos. A exposição prolongada pode acarretar problemas que dizem respeito
aos olhos, comportamento, aprendizado e sociabilidade.
À medida em que os aparelhos eletrônicos ampliaram
sua funcionalidade como instrumentos de trabalho, comunicação, aprendizado e
lazer, as crianças também foram incorporadas ao seu uso cotidiano. Um processo
natural, mas que precisa de atenção aos exageros e consequências. “O problema é
que o uso indiscriminado e inadequado desses equipamentos pode ter um custo
para a saúde física e mental, principalmente quando são utilizados por crianças
e adolescentes de forma excessiva”, afirma a neurologista infantil Celina Reis,
do ISD (Instituto Santos Dumont).
Celina explica que a criança é um ser
maleável, ou seja, está aberta ao ambiente que lhe é oferecido. “Se o adulto
oferece o eletrônico, ela vai dominá-lo com muita facilidade (mais até que
adultos e idosos) e vai querer utilizá-lo cada vez mais, perdendo o interesse e
necessidade por atividades menos virtuais”, diz. Privar a criança desse tipo de
estímulo é quase impossível hoje em dia, mas segundo a neurologista, o ideal é
atuar de forma que os pequenos não percam o interesse por estímulos do ambiente
e contato social.
A Academia Americana de Pediatria recomenda o não
oferecimento de aparelhos eletrônicos para crianças até os dois anos de idade,
quando ela está em pleno desenvolvimento sensório-motor, e recomenda o uso
controlado após essa idade. “A postura permissiva dos adultos a utilização
indiscriminada, ou o próprio exemplo de uso inadequado desses equipamentos,
influenciam diretamente na evolução da saúde física, mental, acadêmica e social
dos filhos”, ressalta a neurologista.
Exposição
A criança entregue por tempo demais aos equipamentos
eletrônicos, acaba por desconectar seu cérebro dos estímulos exteriores. “As
crianças muito pequenas podem apresentar problemas em seu desenvolvimento, com
prejuízo na linguagem (atraso de fala e dificuldade na comunicação social),
imaturidade sensório-motora, prejuízo no desenvolvimento de funções
cognitivas”, diz.
São aquelas que apresentam comportamentos
imediatistas, dificuldade em esperar sua vez, impulsividade, e hiperatividade
nos momentos em que não estão com os eletrônicos. Até o desenvolvimento da
criatividade e imaginação pode ficar comprometido quando a criança passa a
brincar menos ao ar livre, não praticar esportes, conversar, e conviver menos
com seus familiares.
A luz azul dos aparelhos também é capaz de provocar
efeitos na visão dos pequenos (e não só na deles). Essa luz tem uma intensidade
irregular e de natureza piscante, e exigem diferentes acomodações dos músculos
do olho. “Alguns estudos sugerem haver relação entre olhos ressecados,
surgimento de miopia e envelhecimento das estruturas oculares mais precocemente
diante da exposição às luzes dos eletrônicos”, afirma Celina. Determinados
comportamentos podem estar associados a esses prejuízos, como aproximar muito a
tela dos olhos, e exposição excessiva aos estímulos. “Ainda há necessidade de
mais estudos em relação às complicações”, ressalta.
A pandemia também teve seu papel no aumento da
exposição infantil às telinhas, segundo a neurologista. “As atividades laborais
e escolares passaram a acontecer de forma remota e o uso dos dispositivos
eletrônicos foi o meio necessário para o modo de vida remota. As crianças e
adolescentes passaram a usar rotineira e excessivamente os eletrônicos, tanto
para o estudo, como para a comunicação social e o lazer. Perderam os limites do
uso e mesmo após a retomada das atividades presenciais, a rotina e necessidade
dos eletrônicos ficou instalada nas pessoas”, analisa.
A neurologista afirma que o exemplo do uso sensato
das tecnologias deve partir dos pais. “Eles devem deixar bem claro para a
criança que o uso é necessário, porém limitado. Assim como eles fazem, com
local, horário e tempo adequados”, afirma. Ela recomenda que após a idade
dos dois anos, a utilização dos eletrônicos deve ser em telas grandes,
ambientes arejados e iluminados, sem o controle da própria criança, que ainda
não tem maturidade para direcionar corretamente os estímulos nem para
limitá-los.
Miopia
O oftalmologista Márcio Florêncio registra que
durante o auge da pandemia os consultórios receberam uma maior incidência de
aparecimento de miopia mais precoce nas crianças – e que isso tem uma possível
relação com o contato maior dos pequenos com a luz azul dos eletrônicos. “A
miopia geralmente aparece mais na fase da adolescência, mas a gente está
notando que as crianças estão desenvolvendo de forma mais precoce e pode ser
devido a essa exposição”, afirma.
A televisão, que costumava ser a “vilã” das décadas
passadas em relação à vista das crianças, já mudou de perspectiva entre os
oftalmos. “Hoje a gente está até preferindo e orientando os pais a direcionar a
criança mais para a televisão do que ficar assistindo desenho no celular. A
questão das aulas online na pandemia também influenciou nisso. Não era todo
mundo que tinha computador para ver as aulas com melhor qualidade”, diz.
No celular
A professora de espanhol Cristiane Monteiro tem dois
filhos e precisou estabelecer regras para as telinhas em casa. O mais velho,
Erick, de 10 anos, só usa o celular aos sábados e domingos. “Eu percebi que ele
ficava 'aéreo' quando usava muito tempo. E com a volta das aulas
presenciais, precisei fazer esse corte”, diz. Erick usa celular desde os seis
anos, curte jogos, vídeos engraçados, e seus youtubers favoritos.
A mãe teme que o filho acesse coisas impróprias, de
fora da sua idade. Para ter o controle ele usa o aplicativo Family Link, que
mostra a ela o que Erick está acessando. “Não queremos que ele fique alienado,
fora do mundo real. Infelizmente, ele está entrando naquela idade que prefere
jogar com os amigos a sair com os pais”, lamenta.
Isabela tem um ano e oito meses, e já faz seus
primeiros contatos com a telinha. Cristiane afirma que evitou o quanto pôde,
mas ao ver o pai e o irmão usando os aparelhos, a menina também quis. Segundo a
professora, ela tenta ao menos usar os eletrônicos de forma educativa. “Mostro
a ela vídeos para conhecer o alfabeto, os sons dos bichos. E ela já sabe
pronunciar algumas letras”, conta.
No entanto, os efeitos não muito bons da tela já se
manifestaram. “Percebi que houve uma mudança no sono dela. Ela está dormindo
mais tarde, e acho que essa insônia tem a ver com isso”, diz. No entanto, pela
idade da menina, ela acredita que ainda é possível fazer um controle. “Ela é da
Geração Y, já nasceu conectada. Estamos aprendendo com ela a lidar com isso”,
conclui Cristiane.
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