ESTADÃO CONTEÚDO
O traficante de drogas André Oliveira Macedo,
o André do Rap,
não é o único criminoso beneficiado por decisões tomadas pelo ministro Marco Aurélio
Mello, do Supremo
Tribunal Federal (STF). As polícias federal e dos Estados procuram ao
menos outras 20 pessoas que conseguiram liminares baseadas no recente critério
que torna ilegais prisões preventivas não reavaliadas a cada 90 dias.
O Estadão analisou cada uma das 225
decisões liminares (provisórias) concedidas em habeas corpus distribuídos para
o ministro em 2020, disponíveis no portal do STF. Em seguida, cruzou o nome dos
réus com o Banco Nacional de Mandados de Prisão, do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ).
Ao menos 92 pessoas conseguiram liminares de Marco
Aurélio que levaram em conta o vencimento do prazo de revisão das prisões – o
levantamento inclui as “extensões” de habeas corpus, que são pedidos de
ampliação dos efeitos para réus em condições semelhantes. Desses 92 casos,
porém, 21 aparecem também na base do CNJ com mandados de prisão em aberto,
incluindo o líder da facção criminosa PCC André do Rap.
A situação de 15 desses 21 casos é bastante semelhante
à de André do Rap, porque tiveram mandados de prisão expedidos após a liminar
de Marco Aurélio ser derrubada. E todos estão nos radares das
polícias. Nesta semana, os ministros do Supremo firmaram
entendimento de que o fim do prazo da prisão preventiva não
resulta em soltura automática do detento. Procurado pela reportagem e
questionado sobre as decisões, o ministro Marco Aurélio não se manifestou até a
publicação deste texto.
Na lista de procurados, há criminosos de envergaduras
variadas. Há bandidos condenados já em segundo grau e aqueles que ainda são
investigados, mas tinham ordens para permanecerem presos de maneira preventiva.
Eles são suspeitos ou condenados por crimes como tráfico internacional de
drogas, estelionato, homicídio qualificado, extorsão e até por formação de
milícia.
Marco Aurélio vem aplicando a interpretação da
ilegalidade do vencimento do prazo em habeas corpus, mas quando o mérito dos
pedidos é analisado pelos demais, a decisão do relator acaba sendo revertida. O
intervalo entre o aval para a soltura, com a liminar, e a decisão colegiada, na
análise do mérito, vira uma oportunidade para que criminosos desinteressados em
prestar contas com a Justiça escapem.
Segundo o Ministério
Público Federal, o traficante Clovis Ruiz Ribeiro, por
exemplo, condenado por tráfico de drogas em primeiro grau, tem elo com
quadrilha que trafica drogas entre a Bolívia e São Paulo. Condenado a 16 anos
de prisão e recorrendo nas instâncias superiores, conseguiu uma liminar de
Marco Aurélio em 23 de junho. Após a decisão, fugiu e é procurado pela polícia.
“O paciente está preso, sem culpa formada, desde 1º de
novembro de 2018, ou seja, há 1 ano, 7 meses e 18 dias, sendo mantida a
custódia em 12 de fevereiro de 2020. Uma vez inexistente ato posterior sobre a
necessidade da medida, formalizado nos últimos 90 dias, tem-se desrespeitada a
previsão legal e revelado o excesso de prazo”, frisou o magistrado.
Dois meses depois, a 1 ª Turma do STF cassou a liminar
e determinou o restabelecimento da prisão. Ribeiro não voltou para o presídio.
Desde 4 de setembro tem mandado de prisão em aberto. A defesa dele alega que,
apesar da derrota no colegiado, o pedido de habeas corpus ainda não transitou
em julgado e, quando ocorrer, a apresentação do traficante “em tese, é uma
opção”.
Outro caso é o de José Ivan do Carmo de Brito,
o Zé da Mala, condenado a 24 anos e 10 meses de prisão por tráfico
internacional de drogas. Trata-se de um criminoso condenado que já precisou ser
transferido de unidades penitenciários por conta dos riscos que representa ao
sistema e das ameaças de morte que sofre.
Em abril, Marco Aurélio determinou que ele fosse
liberado, pois sua prisão provisória já alcançava dois anos e sete meses sem
revisão. Em agosto, a decisão foi derrubada pela Primeira Turma. Desde 22 de
setembro, ele tem mandado de prisão em aberto. A defesa do traficante alega que
um recurso será julgado no Tribunal Regional Federal da 5ª Região na próxima
semana e só depois poderá discutir eventual reapresentação. Ele argumenta haver
pareceres que dão o processo como nulo.
“Não sou eu nem o ministro que estamos dizendo que ele
tinha que sair. É o que está na lei, na norma. Tem de ser respeitado. Quando se
cumpre a lei ele está errado? Sinceramente, achei um absurdo a interpretação
que está sendo dada a decisão dele de cumprir a lei”, afirmou o advogado Oséas
Rodrigues Filho.
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