A revelação de que o ministro Dias Toffoli, do
Supremo Tribunal Federal (STF), viajou em jatinho privado com Augusto de Arruda
Botelho – advogado de um dos implicados na suspeita de fraude envolvendo o
Banco Master – para assistir à final da Libertadores, em Lima, não é menos
escandalosa pelo fato de, no momento do embarque, o ministro, em tese, não
saber que seria sorteado relator do caso no STF. Mesmo antes do sorteio, a
prudência já impunha a Toffoli a compostura esperada de um ministro da mais
alta Corte do País, evitando situações que pudessem suscitar dúvidas sobre sua
independência.
É legítimo questionar, portanto, por que Toffoli não
custeou com recursos próprios uma viagem de caráter pessoal para assistir a um
jogo de futebol, optando por aceitar carona num avião de um empresário junto
com um advogado diretamente interessado no desfecho de um processo que poderia
ficar sob sua alçada – como ficou.
Ao se deixar envolver nessa mixórdia, Toffoli
sinaliza, em primeiro lugar, que não se importa com o escrutínio público.
Ademais, autoriza que a sociedade veja com suspeita quaisquer decisões que ele
tome envolvendo o Banco Master, seu controlador, Daniel Vorcaro, e Luiz Antonio
Bull, executivo do banco representado pelo sr. Botelho.
Exigir de Toffoli mais compostura não é um capricho
moralista deste jornal. Juízes formam uma classe especial de servidores
públicos, dos quais se exige um padrão de conduta muito mais rigoroso na
República. Aos magistrados não basta cumprir as leis e se comportar de acordo
com os mais elevados padrões éticos – é preciso parecer que assim procedem.
Disso advém a confiança dos cidadãos que, por meio
do pacto social civilizatório, outorgam ao Judiciário o enorme poder de decidir
suas lides. Logo, para um juiz, a aparência de imparcialidade é condição
indispensável à sua autoridade, inclusive moral.
Há poucos dias, Toffoli arrogou para seu gabinete a
competência para presidir as investigações do caso Master, alegando suposta
conexão com uma transação imobiliária entre o deputado federal João Carlos
Bacelar (PL-BA) e Vorcaro. Não há, contudo, nexo causal capaz de justificar o
deslocamento da investigação para o foro do Supremo, manobra da qual já
tratamos mais detalhadamente no editorial Caso Master toma rumo estranho,
publicado no dia 5 passado.
É nesse contexto que se torna ainda mais grave o
fato de o ministro ter viajado a lazer com um advogado diretamente interessado
no desfecho de um processo sob sua relatoria. No dia 28 de novembro, Toffoli e
Botelho deixaram São Paulo rumo a Lima por volta das 10h da manhã.
Poucas horas depois, a reclamação que pedia o
deslocamento de competência foi protocolada pela defesa do Banco Master no STF.
No final daquela mesma tarde, Toffoli foi sorteado relator. Não se trata aqui
de sugerir qualquer conluio entre juiz e parte – daquele tipo que o próprio
Toffoli tem denunciado para riscar a Lava Jato da História –, mas de questionar
se um ministro minimamente cioso da responsabilidade do cargo que ocupa poderia
se permitir tamanha imprudência, para dizer o mínimo.
Toffoli pode manter suas amizades, predileções
esportivas ou relações pessoais da maneira que melhor lhe aprouver. Ele tem o
direito de viajar, torcer e conviver com quem desejar. Mas, do alto do cargo de
ministro do STF, a Toffoli não é dado o direito de fazê-lo sem se importar com
as consequências jurídicas e institucionais de seus atos. E é o que parece
acontecer.
Essa não é a primeira vez que Toffoli dá sinais de
que não se sente obrigado a prestar contas de seu comportamento perante a
sociedade, como se não estivesse submetido a controle algum. Afinal, qual o
sentido de aceitar carona em um voo privado com um advogado que atua em causa
bilionária sob sua jurisdição?
Toffoli poderia ter evitado tudo isso com uma
conduta simples e republicana: viajar por conta própria, sem trazer para sua
esfera privada alguém que depende de suas decisões como juiz para obter êxito
profissional e financeiro. Por isso, diante da gravidade do quadro e do impacto
direto que tais circunstâncias têm sobre a percepção de imparcialidade não só dele,
como também do STF, impõe-se ao ministro o dever de se afastar da relatoria do
caso Master. Não como concessão a pressões externas, mas como respeito à
dignidade da magistratura, à Corte e ao País.
Opinião do Estadão

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