Fernando Azevêdo
Repórter
O Rio Grande do Norte amargou um prejuízo de R$ 1,43
bilhão em cortes de geração de energia renovável somente entre os meses de
janeiro e outubro de 2025, segundo dados da consultoria Volt Robotics, baseados
em índices do Operador Nacional do Sistema (ONS). Além disso, o estado foi o
mais prejudicado com os “curtailments” (cortes na geração de energia
determinados pelo ONS para evitar sobrecarga no sistema) que ocorreram no
Brasil em outubro deste ano. No período, o RN perdeu 45,99% da capacidade de
gerar energia eólica e solar. O cenário, provocado por descompassos entre a
demanda e a transmissão, preocupa especialistas, que defendem ressarcimentos
aos geradores e temem que o RN perca investimentos.
No Brasil, entre janeiro e outubro deste ano, os cortes geraram uma perda de
receita de R$ 5,4 bilhões nas usinas eólicas e solares centralizadas,
especialmente no Nordeste. O monitoramento da Volt Robotics indica que 20,4% de
toda a geração renovável que poderia ser produzida no país foi desperdiçada
nesse período.
Os “curtailments” são determinados pelo ONS e ocorrem especialmente em dois
cenários: quando a energia produzida é maior do que a consumida em determinado
horário e quando as linhas de transmissão não conseguem escoar a energia que
seria produzida.
Em nota, o ONS explica que os cortes são “uma medida necessária para garantir a
segurança e a confiabilidade do Sistema Interligado Nacional (SIN), que tem
como premissa fundamental o equilíbrio entre carga e geração”. Para gerir o
excedente energético, o Operador pede o desligamento ou a redução de potência
das usinas.
Para Sérgio Azevedo, presidente da Comissão Técnica de Energias Renováveis da
Fiern (Coere), os cortes ocorrem devido à falta de planejamento na organização
do sistema elétrico. “O Governo Federal cometeu um erro de planejamento e tem
descontrole do crescimento exponencial da Micro e Minigeração Distribuída
[MMGD]. Ele não conseguiu prever que ia ter tanta energia gerada no telhado e
não controla essa geração, que compromete o sistema”, explica. A MMGD não sofre
cortes, apenas usinas eólicas e/ou fotovoltaicas centralizadas.
O ONS reconhece o impacto da MMGD sobre o sistema elétrico, mas esclarece que
não coordena a instalação de Recursos Energéticos Distribuídos (REDs). “Com o crescimento
da participação da MMGD na matriz, os REDs passaram a ter relevância e impacto
direto na segurança e estabilidade da rede elétrica. Neste cenário, a inclusão
dos REDs nos cortes de excedente de geração é uma medida necessária para
garantir a operação segura e contínua do fornecimento de energia elétrica à
sociedade”, afirmou em nota. “A projeção é que em 2029 cerca de 24% da
capacidade instalada será oriunda deste tipo de fonte [MMGD] e não estará sob a
coordenação do ONS”, acrescenta.
Ressarcimento aos geradores
Diante
dos prejuízos bilionários, o setor reage com expectativa e preocupação enquanto
a Medida Provisória 1.304/2025 aguarda a sanção do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (PT). Isso porque um dos pontos dessa MP prevê o ressarcimento aos
geradores que tiveram prejuízos. A expectativa é que o Executivo decida sobre a
Medida Provisória nos próximos dias, mas o setor teme que o artigo dedicado ao
ressarcimento seja vetado pelo presidente.
Em coletiva realizada nesta sexta-feira (14), representantes da indústria
afirmaram que um eventual veto ao artigo 1A — dispositivo que estabelece as
diretrizes de ressarcimento pelos cortes de geração (curtailment) — colocaria o
setor em risco e aprofundaria os impactos já sentidos no RN e em outros
estados.
Também na sexta-feira, a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica
(ABEEólica), Elbia Gannoum, assinou um manifesto em que pede a sanção da MP na
íntegra. “Não sancionar o Art. 1º-A (…) representaria o maior risco já imposto
à indústria de energia limpa no Brasil em duas décadas”, escreveu. “A decisão
presidencial definirá se o país continuará a ser e seguirá avançando como
potência em energia renovável ou se comprometerá investimentos, empregos,
financiamentos, desenvolvimento regional e a confiança construída”.
Gannoum esclarece em seu texto que o ressarcimento dos cortes que ocorrem desde
setembro de 2023 não gerará aumento tarifário e não criará subsídios. Para ela,
a MP visa remover o risco de prejuízo para os geradores, pois, mesmo com
análises do ONS indicando que os cortes elétricos serão residuais após a
expansão das linhas de transmissão, “quando ocorrerem, em função da localidade
da ocorrência, poderão se concentrar de forma imprevisível em poucos agentes de
geração”.
Francisco Silva, diretor Técnico Regulatório da ABEEólica, explica que a
legislação prevê dois tipos de situação com os cortes ocorridos de setembro de
2023 a setembro de 2025: uma faixa dos que devem receber ressarcimento, por
problemas alheios aos geradores – como falhas ou atrasos em linhas de
transmissão –, e uma parcela dos que não devem ser ressarcidos, devido à sobre
oferta.
Cortes gerados em função de sobre oferta de energia no sistema significam algo
em torno de R$ 2,5 bilhões. “O Congresso Nacional entendeu que esses R$ 2,5
bilhões eram um risco do negócio do gerador”, diz Silva. Segundo ele, a faixa
ressarcida deve ser contemplada com R$ 2,8 bilhões.
“Se o governo vetar esse ponto, a gente não está falando só de uma dificuldade
da indústria, dos geradores. A gente está dizendo, com todas as letras, que já
tem gerador dizendo que vai quebrar. Muitas dessas empresas eólicas que existem
hoje, não havendo a sanção desse item 1-A, vão quebrar”, alerta Francisco,
seguindo o mesmo apontamento do manifesto assinado por Elbia Gannoum.
Perda de investimentos em toda a cadeia
produtiva
Darlan Santos, presidente do Cerne (Centro de Estratégias em Recursos Naturais
e Energia), alerta que os cortes representam não apenas prejuízos financeiros
aos geradores de energia, mas também trazem riscos para a cadeia produtiva
desse setor. No RN, a cadeia compreende transporte, logística e construção de
usinas.
“Se hoje as empresas estão tendo perda de receita para a construção de novos
projetos, não há, por parte [do setor de renováveis], o interesse em
desenvolver novos projetos. Isso é uma questão muito séria, porque uma das
principais vocações do RN para a geração de receita, de emprego e de impostos é
o setor de energia renovável”, diz.
O secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico do RN, Hugo Fonseca, observa
que a perda financeira das empresas causa desconfiança em possíveis
investidores de renováveis no estado. “Na medida em que não tem uma definição
clara da recomposição de parte dessas perdas e da capacidade de investimento em
sua empresa, cria-se um ambiente de insegurança”, diz. Ele afirma que os cortes
não são causados por competência das usinas ou problemas operacionais, mas por
problemas estruturais do sistema elétrico brasileiro.
Os dados monitorados e analisados pela Volt Robotics indicam que, em outubro
passado, no Brasil, as usinas solares sofreram cortes em 37% de seu potencial
de geração, com mais de 1,3 mil GWh não escoados e perdas equivalentes a R$ 192
milhões. Entre as eólicas, os cortes chegaram a 37,1%, com quase 4,6 mil GWh
cortados e R$ 741 milhões em prejuízo. No total, 5,9 mil GWh deixaram de ser
gerados no mês e o prejuízo dos geradores de renováveis somou R$ 1,1 bilhão.
Esse nível de cortes de energia renovável, diz a consultoria, já é 283%
superior ao ocorrido em todo o ano de 2024.
Possíveis soluções para os cortes de
geração
Frente aos problemas na capacidade de transmissão, uma das possíveis soluções
para estancar essa perda de energia é a ampliação de linhas de transmissão. O
Leilão LT nº 04/2025, em outubro deste ano, licitou três compensadores
síncronos no RN (dois na Subestação Açu III e um na Subestação João Câmara III).
Já o Leilão nº 01/2026, previsto para março do próximo ano, deve incluir a
licitação de mais cinco compensadores síncronos distribuídos entre RN —
Ceará-Mirim II e Açu III — e Ceará. As subestações deverão ser entregues entre
2029 e 2030.
Na visão de Sérgio Azevedo (Coere/Fiern), os leilões devem minimizar os
impactos dos “curtailments” ao otimizar esse escoamento. Ele indica, porém, que
também é preciso investir em sistemas de armazenamento, como os BESS (sistemas
de armazenamento de energia em bateria), cuja regulamentação no RN deve ser
apreciada ainda em 2025. Se o estado não licenciar os BESS a tempo, segundo
Azevedo, poderá ficar de fora do leilão de baterias previsto para 2026. Em 7 de
novembro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou uma
consulta pública do 1º leilão de baterias do país.
Ainda de acordo com Sérgio Azevedo, os data centers também são vistos como uma
possível solução, uma vez que, como grandes consumidores de energia, poderiam
usar a produção excedente.
Outra solução seria atrair grandes indústrias consumidoras para o estado. “Isso
acontece quando você traz grandes consumidores, que são a indústria intensiva e
os data centers, e também busca outras ferramentas para mitigar. Uma delas é o
armazenamento de energia, tanto para a geração centralizada, mas futuramente
também para a própria geração distribuída”, diz Hugo Fonseca.
Darlan Santos pontua que os setores de hidrogênio e siderúrgico também consomem
muita energia. A curto prazo, diz ele, o setor de renováveis acredita na adoção
de data centers. Projetos na área de hidrogênio são pensados a médio e longo
prazos.
Com o leilão de transmissão já realizado em 2025 e o previsto para o ano que
vem, a expectativa é de uma melhora no cenário. “Isso vai mitigar esses problemas
do corte de geração. Vamos ter segurança no sistema elétrico e evitar
justamente problemas provocados pelo descompasso entre consumo e geração do
sistema elétrico”, diz Hugo Fonseca.
Em nota, o ONS afirma que seu trabalho “foca no fortalecimento contínuo da
infraestrutura de transmissão, para evitar estas excepcionalidades
[curtailments]”. “O ONS produziu e enviou para a ANEEL um Plano Emergencial de
Gestão de Excedentes de Energia na Rede de Distribuição. O objetivo é definir
antecipadamente os procedimentos que devem ser seguidos pelo Operador e pelos
agentes do setor elétrico em situações emergenciais, quando houver indicação de
que haverá excedente de geração de energia e não for mais possível reduzir a
geração centralizada que está sob a responsabilidade do ONS”, finaliza a nota.

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