sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Opinião do Estadão: O Supremo não é um clube

 


É de estarrecer até o mais ingênuo dos republicanos a revelação de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm atuado direta e explicitamente para interferir no desfecho da indicação do advogado-geral da União, Jorge Messias, para a Corte – seja para apoiá-lo, seja para rejeitá-lo. Esse comportamento, mais uma vez, expõe uma degeneração institucional que, por mais que seja corriqueira, jamais pode ser normalizada.

O envolvimento dos ministros André Mendonça e Nunes Marques – ambos indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro – na articulação política com o Senado em favor de Messias é a antítese da institucionalidade que deveria marcar a atuação de ministros da mais alta instância do Judiciário. Os abraços, os telefonemas e as declarações não encerram “somente”, por assim dizer, um deslize de forma. É um vício de natureza, que compromete o decoro do cargo, rebaixa o Supremo como instituição e fere de morte o fundamento republicano da separação de Poderes. Não é prática banal nem tampouco tolerável.

A Constituição é cristalina: cabe ao presidente da República indicar os ministros do STF; ao Senado, sabatinar e aprovar ou rejeitar o nome; e ao Supremo, rigorosamente nada. A participação da Corte nesse processo é nenhuma – e assim deve ser. A ideia de que ministros podem atuar como cabos eleitorais de seus prováveis futuros pares afronta o espírito republicano e degrada o tribunal que, por definição, deveria pairar olimpicamente acima das disputas políticas e dos interesses circunstanciais.

No caso específico da indicação de Messias, o constrangimento chega a ser palpável. Um dia após a indicação do advogado-geral da União, Mendonça o recebeu em culto da Assembleia de Deus, em São Paulo, abraçou-o e reforçou publicamente seu endosso à escolha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inclusive nas redes sociais. Ao mesmo tempo, Mendonça e Nunes Marques iniciaram um corpo a corpo junto a senadores de oposição ao governo para defender a aprovação de Messias. Nada disso é digno de um ministro do Supremo. Muito ao contrário: cada gesto, cada telefonema, cada declaração pública expõe a Corte a mais um desgaste.

Mas seria injusto deixar de registrar que Mendonça e Nunes Marques não inauguraram essa prática nefasta. Quando já se cogitava da aposentadoria precoce de Luís Roberto Barroso, o decano Gilmar Mendes afirmou à Folha de S.Paulo que o Supremo é um “jogo para adultos” e manifestou preferência explícita pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). “A Corte precisa de pessoas corajosas e preparadas juridicamente”, disse o ministro, “e o senador Pacheco é o nosso candidato”. Para piorar, o emprego do pronome possessivo expôs uma distorção ainda mais grave: o Supremo seria uma espécie de confraria na qual só entra quem for aprovado pelos seus sócios.

A falta de decoro não se encerrou aí. Uma vez confirmada a indicação de Messias, Gilmar Mendes foi às redes para elogiar o indicado, exaltando seu “diálogo institucional” com a Corte e sua “firme defesa da democracia”. Trata-se, outra vez, de um gesto que ultrapassa a linha tênue entre a manifestação protocolar e o engajamento político. Quando ministros do STF comentam, celebram ou criticam publicamente indicados à Corte – ou fazem campanha contra eles, como se atribui a Alexandre de Moraes –, deixam de ser juízes para se tornar partes de um processo que não lhes diz respeito.

Tudo isso pode parecer trivial, mas não é. O dano institucional é profundo. O Supremo não pode nem sequer parecer ser um Poder que interfere na definição de seus próprios quadros. Isso compromete a legitimidade das indicações do presidente da República, contamina o processo constitucional da sabatina e reforça na sociedade a impressão de que a Corte opera por afinidades pessoais ou alinhamentos ideológicos. Se Suas Excelências têm suas predileções, mandam a institucionalidade e o decoro que as mantenham no foro íntimo, pois a discrição não é mera formalidade, é a garantia pública de que o próprio Supremo tem o cuidado de se autopreservar.

Opinião do Estadão

 

 

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