É de estarrecer até o mais ingênuo dos republicanos
a revelação de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm atuado
direta e explicitamente para interferir no desfecho da indicação do
advogado-geral da União, Jorge Messias, para a Corte – seja para apoiá-lo, seja
para rejeitá-lo. Esse comportamento, mais uma vez, expõe uma degeneração
institucional que, por mais que seja corriqueira, jamais pode ser normalizada.
O envolvimento dos ministros André Mendonça e Nunes
Marques – ambos indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro – na articulação
política com o Senado em favor de Messias é a antítese da institucionalidade
que deveria marcar a atuação de ministros da mais alta instância do Judiciário.
Os abraços, os telefonemas e as declarações não encerram “somente”, por assim
dizer, um deslize de forma. É um vício de natureza, que compromete o decoro do
cargo, rebaixa o Supremo como instituição e fere de morte o fundamento
republicano da separação de Poderes. Não é prática banal nem tampouco
tolerável.
A Constituição é cristalina: cabe ao presidente da
República indicar os ministros do STF; ao Senado, sabatinar e aprovar ou
rejeitar o nome; e ao Supremo, rigorosamente nada. A participação da Corte
nesse processo é nenhuma – e assim deve ser. A ideia de que ministros podem
atuar como cabos eleitorais de seus prováveis futuros pares afronta o espírito
republicano e degrada o tribunal que, por definição, deveria pairar
olimpicamente acima das disputas políticas e dos interesses circunstanciais.
No caso específico da indicação de Messias, o
constrangimento chega a ser palpável. Um dia após a indicação do advogado-geral
da União, Mendonça o recebeu em culto da Assembleia de Deus, em São Paulo,
abraçou-o e reforçou publicamente seu endosso à escolha do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, inclusive nas redes sociais. Ao mesmo tempo, Mendonça e
Nunes Marques iniciaram um corpo a corpo junto a senadores de oposição ao
governo para defender a aprovação de Messias. Nada disso é digno de um ministro
do Supremo. Muito ao contrário: cada gesto, cada telefonema, cada declaração pública
expõe a Corte a mais um desgaste.
Mas seria injusto deixar de registrar que Mendonça e
Nunes Marques não inauguraram essa prática nefasta. Quando já se cogitava da
aposentadoria precoce de Luís Roberto Barroso, o decano Gilmar Mendes afirmou
à Folha de S.Paulo que o Supremo é um “jogo para adultos” e
manifestou preferência explícita pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). “A
Corte precisa de pessoas corajosas e preparadas juridicamente”, disse o
ministro, “e o senador Pacheco é o nosso candidato”. Para piorar, o emprego do
pronome possessivo expôs uma distorção ainda mais grave: o Supremo seria uma
espécie de confraria na qual só entra quem for aprovado pelos seus sócios.
A falta de decoro não se encerrou aí. Uma vez
confirmada a indicação de Messias, Gilmar Mendes foi às redes para elogiar o
indicado, exaltando seu “diálogo institucional” com a Corte e sua “firme defesa
da democracia”. Trata-se, outra vez, de um gesto que ultrapassa a linha tênue
entre a manifestação protocolar e o engajamento político. Quando ministros do
STF comentam, celebram ou criticam publicamente indicados à Corte – ou fazem
campanha contra eles, como se atribui a Alexandre de Moraes –, deixam de ser
juízes para se tornar partes de um processo que não lhes diz respeito.
Tudo isso pode parecer trivial, mas não é. O dano
institucional é profundo. O Supremo não pode nem sequer parecer ser um Poder
que interfere na definição de seus próprios quadros. Isso compromete a
legitimidade das indicações do presidente da República, contamina o processo
constitucional da sabatina e reforça na sociedade a impressão de que a Corte
opera por afinidades pessoais ou alinhamentos ideológicos. Se Suas Excelências
têm suas predileções, mandam a institucionalidade e o decoro que as mantenham no
foro íntimo, pois a discrição não é mera formalidade, é a garantia pública de
que o próprio Supremo tem o cuidado de se autopreservar.
Opinião do Estadão

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