A autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) para uso do Mounjaro (tirzepatida) no tratamento da apneia obstrutiva
do sono (AOS), em outubro, gerou dúvidas sobre os profissionais aptos a
prescrever o medicamento. Como a condição também é acompanhada na odontologia,
dentistas passaram a poder indicar o remédio.
O Conselho Federal de Odontologia (CFO), porém, faz
ressalvas. A entidade reforça que a prescrição deve seguir os limites éticos da
profissão e priorizar a segurança do paciente. Também destaca que os dentistas
só podem prescrever a tirzepatida para aqueles cuja apneia esteja diretamente
associada à obesidade — doença que requer acompanhamento médico.
“O dentista pode prescrever, mas somente para
pacientes com apneia associada à obesidade e sempre garantindo que haja
acompanhamento médico. A obesidade não é tratada pela odontologia”, diz a
conselheira e cirurgiã-dentista Bianca Zambiasi.
Segundo ela, houve inicialmente um ruído que sugeria
que qualquer caso de AOS poderia receber a indicação de Mounjaro, o que não
está autorizado. “O medicamento é indicado para obesidade e melhora a apneia
como consequência. Uma pessoa com apneia sem obesidade não tem benefício com a
tirzepatida”, afirma.
Zambiasi enfatiza que o tratamento deve ocorrer em
contexto multidisciplinar, com endocrinologista, nutrólogo,
otorrinolaringologista e outros profissionais. Se o paciente não estiver sendo
acompanhado para tratar a obesidade, o dentista não deve manter a prescrição,
para evitar extrapolação de competência.
O ideal, afirma a conselheira, é que o dentista
responsável pela prescrição tenha formação específica em sono. Caso haja
prescrição fora das regras, o profissional pode sofrer sanções éticas. As
denúncias podem ser feitas por qualquer pessoa nos canais dos Conselhos
Regionais de Odontologia.
O que dizem os endocrinologistas
Em resposta ao Estadão, a Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia (Sbem) afirmou seguir as normas do Conselho
Federal de Medicina (CFM) e considerar que decisões de outros conselhos que
possam representar invasão de área devem ser debatidas.
A entidade destaca que o dentista tem papel
reconhecido no tratamento de doenças dentro de sua área de atuação. A AOS é um
distúrbio respiratório marcado por episódios de obstrução parcial ou total das
vias aéreas durante o sono, tendo como principais fatores de risco a obesidade
e alterações anatômicas, como pescoço largo, amígdalas grandes, desvio de septo
ou hipoplasia mandibular.
Na odontologia, o tratamento costuma envolver
dispositivos intraorais ou procedimentos para avançar estruturas ósseas. “Porém
cirurgiões-dentistas não podem realizar cirurgias de amígdalas, adenoides ou
septoplastias. Do mesmo modo, não devem tratar o principal fator, que é a
obesidade”, afirma a Sbem.
A sociedade considera que dentistas não deveriam
prescrever medicamentos sistêmicos para apneia e vê com preocupação os riscos
associados ao uso dessas drogas, especialmente quando há efeitos colaterais que
não podem ser manejados pelo dentista.
Mounjaro e apneia
No Brasil, a tirzepatida, assim como outros
agonistas de GLP-1, é indicada para o tratamento de diabetes e obesidade e
passou a ser vendida apenas sob prescrição em junho deste ano.
Estudos recentes sugeriram que o medicamento também
pode ajudar em casos de apneia obstrutiva do sono, o que levou a Anvisa a
autorizar sua prescrição para o tratamento da condição moderada e grave para
pessoas com obesidade.
Os resultados do estudo clínico de fase 3
SURMOUNT-OSA mostraram que o Mounjaro reduziu de forma significativa as
interrupções respiratórias durante o sono. No início da pesquisa, os
participantes apresentavam cerca de 50 interrupções por hora. Após um ano de
tratamento, aqueles que utilizaram o Mounjaro e a terapia com pressão positiva
nas vias aéreas (CPAP) apresentavam cerca de 29,3 eventos a menos, contra 5,5
com placebo, e o grupo que usou apenas Mounjaro apresentava uma média de 25,3
interrupções a menos, contra 5,3 com placebo.
Estadão

Nenhum comentário:
Postar um comentário