domingo, 5 de outubro de 2025

RN responde por um quarto dos cortes de geração de energia do País

 


Felipe Salustino
Repórter

O Rio Grande do Norte é o segundo estado, entre os que têm maior geração de eletricidade no Brasil, mais afetado por cortes de geração de energia em 2025. No acumulado até agosto, as interrupções na produção das usinas eólicas e fotovoltaicas do RN somaram 4,99 milhões de megawhatts-hora (MWh), o que representa 25,43% das perdas totais do país. Juntos, os 11 estados com maior geração acumularam, até o oitavo mês do ano, 19,60 milhões de MWh em cortes. A Bahia é a unidade federativa mais afetada, respondendo por 35,14% das perdas. Os dados são do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (CERNE), com base nas informações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

De acordo com o CERNE, sete dos 11 estados mais atingidos são do Nordeste. Além da Bahia e do RN, Piauí (com 9,42% dos cortes), Ceará (7,58%), Pernambuco (3,03%), Paraíba (1,79%) e Maranhão (0,62%) também são afetados pelos cortes. Segundo Darlan Santos, CEO do CERNE, o cenário se dá porque a maior parte da geração energética do País está concentrada no Nordeste. Fora da região, o estado de Minas Gerais também registrou cortes expressivos, que representam 15,63% do total em todo o Brasil.

Santos explica que o sistema elétrico brasileiro precisa de equilíbrio para funcionar, ou seja, é necessário gerar apenas o que é consumido para que não sobre nem falte energia. Com os excessos, decorrentes especialmente da chamada geração distribuída (GD) de energia solar, o Governo pede paralisações aos parques, acarretando os cortes. A GD é representada pelas pequenas usinas instaladas nos telhados de residências. Dados da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do RN (Sedec) mostram que, em julho, esse tipo de geração alcançou 64.849 quilowatts no RN, o maior volume da série histórica, iniciada em 2015.

“Como não é possível pedir a cada residência que interrompa a GD, o governo determina às grandes usinas eólicas e fotovoltaicas, com quem possui autoridade legal e contratual, que suspendam a geração”, detalha Darlan Santos. A determinação parte do ONS, que não respondeu aos contatos feitos pela reportagem.

A Elera, uma das principais empresas de investimento em geração de energia renovável no Brasil e que possui atuação no RN há cerca de 10 anos, tem sido fortemente afetada pelos cortes de geração, denominados tecnicamente de curtailment.

A plataforma mantém 400 megawatts de capacidade instalada no estado, distribuídos em dois parques, o Complexo Renascença, no município de Parazinho, e o Seridó, em Parelhas. Karin Luchesi, CEO da Elera Renováveis, afirma que os cortes têm sido registrados desde o apagão nacional, em agosto de 2023. “Naquele momento, o ONS percebeu que precisava colocar mais restrições na operação para garantir a segurança do sistema”, pontua Luchesi.

“De lá para cá, a gente continuou tendo um crescimento muito grande da geração distribuída. E esse crescimento desloca de alguma forma a geração centralizada, porque o operador precisa contar com outras características na rede ou até mesmo no sistema como um todo. As fontes renováveis, por sua vez, são intermitentes e não trazem a resiliência que o ONS precisa”, explica a CEO.

Cortes somam R$ 5 bilhões em prejuízos

Segundo Karin Luchesi, a perda de receitas para as empresas gira em torno de 30% com os cortes, gerando o risco de tornar os negócios inviáveis. “Se a energia não é gerada, o cliente não paga por ela. Ou então, a plataforma precisa comprar essa energia para repassar, mas o custo é muito alto. Então, além da possibilidade de inviabilizar negócios, não dá nem para pensar em novos investimentos”, afirma.

De acordo com Darlan Santos, do CERNE, ao longo dos últimos anos, as perdas já somam mais de R$ 5 bilhões para as empresas em todo o País. Os efeitos ocorrem em cascata, segundo ele. “Por causa do curtailment, não se compram novos aerogeradores – afetando quem fabrica esses equipamentos –, nem se faz financiamento para comprar painéis fotovoltaicos. No ano passado, uma das maiores fabricadoras de aerogeradores, localizada no Ceará, demitiu mais da metade do quadro de funcionários. Sem novos parques eólicos, as plataformas também estão demitindo”, aponta Santos.

Ele destaca que a cadeia de transportes de aerogeradores é, do mesmo modo, prejudicada e os impactos podem ser sentidos ainda nos centros de pesquisa. “Se o setor esfria, as faculdades não têm demanda para capacitar pessoas”, avalia Darlan Santos.

Sérgio Azevedo, presidente da Comissão Temática de Energias Renováveis (COERE) da Federação das Indústrias do RN (Fiern), analisa que o estado atravessa um dois piores momentos para a geração de energia renovável. Os cortes, afirma, impedem a contrapartida de investimentos para projetos já implantados, o que poderá levar a prejuízos incalculáveis.

“Sem contrapartida, as empresas não poderão pagar financiamentos nem funcionários, os projetos serão inviabilizados e os negócios vão quebrar. Isso representa o caos para este que é um dos poucos vetores do desenvolvimento econômico do nosso estado”, frisa Azevedo.

Williman Oliveira, presidente da Associação Potiguar de Energias Renováveis (Aper), afirma que os cortes impactam os consumidores, que acabam pagando mais caro pela energia nas termelétricas. “Mas não é apenas isso. O setor fica estagnado, há menos arrecadação de tributos, parques eólicos e solares são desligados. Em um país altamente consumidor de energia, a conta não fecha”, diz.

Alternativas

Fontes ouvidas pela reportagem indicam que há alternativas, mas para Williman Oliveira, da Aper, a lentidão para a adoção de medidas preocupa o setor. “O sistema de baterias é uma solução capaz de frear o desperdício, porém falta o governo regulamentar e apoiar o setor, uma vez que os impostos e tarifas são muito altos”, assinala.

Para Sérgio Azevedo, presidente do COERE, é preciso atuar em algumas frentes, como a ampliação da capacidade de transmissão de energia do RN, o reforço das linhas já existentes e o fomento à instalação de data centers, no curto e médio prazos.

“O RN continua sendo um exportador de energia, por isso, é importante melhorar nossa capacidade com linhas de transmissão e reforço das já existentes. A indústria de data centers é extremamente necessária para nossa conectividade. Para o longo prazo, tem a questão do hidrogênio verde e o armazenamento de baterias para estocar e soltar a energia na hora que for preciso”, pontua Azevedo.

Segundo Karin Luchesi, da Elera, o setor tem debatido com o Congresso, o Governo e o órgão regulador alternativas para reverter o cenário, dentre elas o ressarcimento dos cortes, uma vez que estes não foram provocados pelos investidores. “Temos discutido a melhor forma de endereçar esse ressarcimento. Também precisamos olhar para as questões técnicas, mirando no que acontece lá fora, porque o curtailment não é um problema apenas do Brasil”, fala.

Um dos exemplos a ser seguido, segundo ela, é o de tentar mover o consumo de energia para períodos em que ele naturalmente é mais reduzido, como aos domingos e à noite. Isso ajudaria o sistema sem que fosse necessário interromper a geração. Para isso, Luchesi defende a necessidade de políticas públicas, com sinais de preços diferentes que estimulem o consumo nessas ocasiões.

  • Leilões

O secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico do RN, Hugo Fonseca, esclarece que são necessárias melhorias na infraestrutura do estado para reduzir os cortes. Ele afirma que a Sedec trabalha junto ao Ministério de Minas e Energia e a Empresa de Pesquisa Energética para a concretização de leilões de transmissão que vão permitir a ampliação da estrutura. O edital de um deles, programado para o próximo dia 31, prevê a construção de subestações e a instalação de compensadores síncronos em Assú e João Câmara. Esses equipamentos controlam a tensão e dão segurança ao sistema, evitando desligamentos de parques solares e eólicos em momentos de alta geração.

“E em março do próximo ano, haverá outro leilão, em que estão previstos mais dois compensadores para o RN, totalizando cinco no total, para garantir a segurança do sistema elétrico”, afirma Hugo Fonseca.

Sobre o uso de baterias, o secretário explicou que a Sedec atua em duas frentes. A primeira é a regulamentação do armazenamento de energia em escala local. “Isso é fundamental para que as empresas armazenem e despachem [energia] quando tiver um aumento de demanda de carga. O processo de regulamentação está concluído e foi submetido ao Conselho Estadual do Meio Ambiente, onde aguarda votação. O segundo ponto é a escala nacional. Nesse caso, o governo federal está desenvolvendo o modelo de armazenamento necessário. O leilão irá acontecer, mas são necessários ajustes”, explicou o adjunto.

 

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