O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para
manter o entendimento que autoriza a nomeação de parentes para cargos políticos
na administração pública. A decisão, embora tecnicamente apresentada pelo
relator, Luiz Fux, como uma reafirmação da jurisprudência da Corte, na prática
afronta princípios republicanos elementares. O Supremo pode dar quantas
piruetas hermenêuticas quiser, mas a nomeação de familiares diretos para cargos
temporários ou em comissão configura, sim, o velho e ilegal nepotismo.
Fux foi acompanhado por Cristiano Zanin, André
Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Para eles, não há
nepotismo quando o parente indicado possui “qualificação técnica” para exercer
o cargo. Beira o escárnio. Ora, o mal do nepotismo não está no currículo do
parente nomeado, mas na natureza da relação que levou à sua nomeação. Quando o
poder é exercido como extensão de relações familiares, toda a sociedade perde.
Ao admitir exceção com base na “competência” do parente – que sabe-se lá como e
se seria fiscalizada –, o Supremo abastarda a impessoalidade e a moralidade que
devem nortear a administração pública.
O caso particular, de repercussão geral, trata de
uma lei aprovada em Tupã (SP), em 2013, que proibia a contratação de parentes
até o terceiro grau do prefeito, do vice e dos vereadores, exceto nomeações
para o secretariado municipal. O Tribunal de Justiça de São Paulo declarou
inconstitucional essa brecha, mas a prefeitura de Tupã recorreu ao Supremo.
Agora, a Corte alterou a Súmula Vinculante n.º 13, de 2008, para excluir a
nomeação de parentes para cargos políticos das hipóteses de nepotismo –
decisão, por ora majoritária, tomada em nome de uma suposta “autonomia do
governante” para escolher seus auxiliares diretos.
A versão original da Súmula Vinculante n.º 13 foi um
marco civilizatório. Sua razão de ser era elementar: impedir que o Estado
voltasse a ser tratado como propriedade privada de governantes e seus clãs. Ao
relativizar a própria súmula, alguns anos depois, o STF enfraqueceu um dos
instrumentos mais eficazes para combater o patrimonialismo, um traço atávico
que até hoje degrada a vida pública do País.
Durante o julgamento, na quinta-feira passada, Fux
afirmou que “a mensagem do Supremo é que a regra é a possibilidade (de nomeação
de parentes), e a exceção é a impossibilidade”, buscando afastar a ideia de uma
“carta de alforria” para o nepotismo. Mas é exatamente isso o que a decisão da
Corte será, caso não seja modificada. É de uma ingenuidade desarmante supor que
governadores e prefeitos das 27 unidades da Federação e dos mais de 5.570
municípios brasileiros submeterão os currículos de seus parentes a algum
escrutínio técnico rigoroso. Ou que, diante de candidatos igualmente
qualificados, não optarão pelo laço familiar. A experiência política brasileira
demonstra que, sempre que há brechas, o interesse particular infiltra-se no
poder institucional.
Até agora, o voto divergente do ministro Flávio Dino
foi o único a respeitar a lei e, principalmente, o espírito republicano. Dino
lembrou que a Lei n.º 14.230/21 vedou expressamente o nepotismo sem abrir
exceção para cargos políticos. Ao tipificar o nepotismo como improbidade, o
Congresso, esclareceu Dino, “não excepcionalizou cargos políticos”. O ministro
defende a revisão da jurisprudência, porque a lei posterior prevalece sobre a
interpretação anterior da Corte. É o Supremo que deve ajustar-se à lei, não o
inverso.
Ao insistir na permissividade como regra, o STF
ainda agrava um mal crônico do próprio Judiciário: a complacência com o
conflito de interesses, seja nas relações familiares, seja nas afinidades
políticas e empresariais. Nada parece constranger Suas Excelências. Ao menos
são coerentes. O mesmo STF que agora flexibiliza a prática do nepotismo no
Executivo afrouxou, em 2023, as regras de impedimento de juízes em processos
que envolvem clientes de escritórios de parentes.
Impessoalidade não é capricho, mas sim a garantia de
que o Estado não será tomado por famílias ou grupos de interesse. A decisão do
Supremo – que, esperamos, seja revertida – naturaliza uma prática que o Brasil,
a duras penas, tem tentado eliminar desde a redemocratização.
Opinião do Estadão

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