A pouco mais de um ano das eleições de 2026, quando
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve buscar um quarto mandato, o Brasil aparece
enredado nos chamados “déficits gêmeos”, com contas fiscais e externas em
deterioração.
Com atenuantes, o momento guarda semelhança com a
situação pré crise no segundo mandato de Dilma Rousseff, e o Brasil caminha
para ter os dois maiores rombos do tipo na comparação com a maioria dos países.
Os “déficits gêmeos” ocorrem quando um país
apresenta, simultaneamente, um déficit nominal e outro na conta corrente, este
em relação a outras nações. Um dos principais motivos para a sua ocorrência
neste momento é o fato de a economia ter ficado desequilibrada e aquecida
demais após dois anos e meio de gastos públicos insustentáveis sob Lula.
Juros pagos para rolar a dívida pública fazem parte
do déficit nominal, e ele tem aumentado fortemente por conta da taxa básica
(Selic) estar hoje em 15% ao ano a fim de conter a inflação, provocada pelos
gastos excessivos.
Já o déficit em conta corrente se dá quando é
negativo o saldo entre a entrada e saída de dólares, considerando pagamentos
líquidos de transferências e importações (em alta com a economia aquecida) e
exportações de bens e serviços.
Especialistas afirmam que, embora a principal causa
do déficit nominal venha da conta de juros, há impacto direto no aumento da
dívida pública, que tem crescido enormemente sob Lula 3.
Dados recentes mostram a velocidade desses
desequilíbrios. No front fiscal, os gastos com juros do setor público se
tornaram um peso esmagador.
Nos 12 meses encerrados em julho, essa despesa se
aproximou de R$ 1 trilhão, levando o déficit nominal do governo central, sob
responsabilidade de Lula, a 7,12% do PIB. Somados União, estados e municípios,
o Brasil deve encerrar o ano com o indicador em 8,5% do PIB, sendo a maior
parte juros (8%).
Os juros aumentam a dívida pública bruta, que
atingiu 77,5% do PIB em julho, com uma expansão de seis pontos percentuais em
pouco mais de dois anos e meio sob Lula. Poucos países se endividaram tanto nos
últimos anos.
As contas externas também estão negativas. O déficit
em conta corrente saltou de 1,4% do PIB para 3,5% em 12 meses. A piora tem
motivos diversos, com a balança comercial apresentando saldo menor do que o
esperado e o aumento nas saídas líquidas de serviços e rendas, como as remessas
de lucros e dividendos.
No caso do déficit nominal, a situação é agravada
pela incapacidade do Brasil de gerar superávits primários recorrentes. Ou seja,
ter receitas maiores que despesas para abater parte da dívida pública. É o
contrário do que ocorreu nos dois primeiros mandatos de Lula.
Para Samuel Pessôa, do Ibre-FGV e colunista da
Folha, do ponto de vista macroeconômico, a situação atual “não é tão diferente”
do final do governo Dilma Rousseff. Ele ressalta, porém, que o déficit atual é
“mais real” porque a Selic não está artificialmente controlada, como ocorreu em
2014, quando começou a subir só após a reeleição de Dilma.
Lula também não tem controlado preços administrados
(energia e combustíveis). Mas Pessôa destaca que o desequilíbrio é grande e que
o Brasil, produzindo quatro milhões de barris de petróleo por dia, que geram
muita receita, “não deveria ter esse déficit”.
Apesar de prever certo alívio nos próximos
trimestres devido à desaceleração econômica e cortes de juros, ele enfatiza que
o “problema estrutural continuará conosco e precisará ser tratado em 2027”. O
risco é Lula voltar a pisar no acelerador dos gastos no período eleitoral.
O ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga
afirma que os “déficits gêmeos” interagem como “elementos de pressão nos juros
e de ‘crowding out'”, expressão que designa como empresas privadas reduzem
investimentos quando o setor público gasta demais.
Fraga destaca que o investimento público no Brasil
caiu de cerca de 5% do PIB para menos de 2% nas últimas décadas, apesar de o
gasto estatal ter subido, de cerca de 25% do PIB para 34%.
Para ele, a economia está “mais aquecida do que o
normal”, com a inflação demorando para ceder, sendo o juro o “sintoma mais
grave do paciente”.
Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição
Fiscal Independente, corrobora a preocupação com o investimento, classificando
a taxa no Brasil como “ridícula”. “São sofríveis 17% do PIB, comparados a 35%
em países asiáticos”, diz.
Pestana afirma que o “calcanhar de Aquiles” é a
questão fiscal, que está levando a um rápido aumento do endividamento público.
Ele não vê com muita preocupação o déficit em transações correntes, já que o
fluxo de investimento direto ainda cobre o rombo, apesar de crescente.
Livio Ribeiro, sócio da consultoria BRCG, concorda
que a maior preocupação é com o déficit fiscal. “É um desequilíbrio estrutural
e de longo prazo que não está sendo atacado de frente.”
Ribeiro considera o debate da questão fiscal
“interditado”, com o governo buscando alternativas heterodoxas em vez de
enfrentá-lo. O risco, diz, é que se volte a gastar mais em 2026 visando as
eleições.
Folha de S. Paulo
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