domingo, 10 de agosto de 2025

RN tem minerais cobiçados pelos EUA, mas potencial ainda é desconhecido

 


Felipe Salustino
Repórter

O debate sobre a taxação do governo americano às exportações brasileiras trouxe à tona o interesse dos Estados Unidos pelos chamados minerais críticos e estratégicos, dentre eles, as terras raras, disponíveis no Brasil. O Rio Grande do Norte dispõe desses minerais, especialmente na região Seridó, de acordo com fontes ouvidas pela reportagem, mas ainda faltam estudos que ofereçam um retrato mais amplo do potencial potiguar nessa área. No ano passado, o Centro de Tecnologia Mineral do IFRN e o Serviço Geológico Brasileiro (SGB) desenvolveram um projeto para pesquisas na região da Borborema. A iniciativa, no entanto, aguarda a liberação de recursos.

O professor e geólogo Alexandre Rocha explica que minerais estratégicos são aqueles que possuem ampla usabilidade, como os utilizados na indústria da defesa e tecnologia. Já os críticos, mesmo com ampla utilização, estão pouco disponíveis na natureza. Eles contêm os minerais terras raras, formados por 17 elementos, dos quais 15 pertencem à família dos lantanídeos (à exceção são o escândio e o ítrio). Esses elementos são qualificados como raros por conta do processo de extração nos locais onde se acumulam. “É um processamento difícil, que depende de muita tecnologia”, explica Rocha.

Os 17 elementos são os seguintes: lantânio, cério, praseodímio, neodímio, promécio, samário, európio, gadolínio, térbio, disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio, lutécio, escândio e ítrio.

No início desta semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que os minerais críticos e as terras raras podem entrar nas negociações tarifárias com os Estados Unidos. Segundo ele, um acordo sobre os dois temas pode ser assinado com o governo estadunidense.

“Temos minerais críticos e terras raras. Os Estados Unidos não são ricos nesses minerais. Podemos fazer acordos de cooperação para produzir baterias mais eficientes”, disse Haddad.

No Rio Grande do Norte, segundo Alexandre Rocha, que é professor do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), está sendo desenvolvido, junto a três empresas brasileiras, a retirada de terras raras associadas à argila. “É um trabalho que ocorre em Currais Novos”, conta. Alexandre Rocha explica que, após a separação, os elementos são utilizados em uma infinidade de aplicações, a exemplo de itens de nanotecnologia, como os microchips, além de super ímãs, usados na indústria de carros elétricos, energia eólica e fones de ouvido.

“Nossos fones têm neodímio, praseodímio, disprósio e térbio. Aviões como o F-35 [norte-americano] chegam a ter 420 quilos de algum tipo de terra rara. Um aspecto que chama atenção nesses elementos é o alto valor agregado. Para efeito de comparação, uma tonelada de cobre custa em torno de US$ 9 mil. Já uma tonelada de dérbio, por exemplo, tem custo estimado em US$ 980 mil”, explica Alexandre Rocha.

Lítio, nióbio, tungstênio e tântalo são minerais críticos. O professor do IFRN aponta que o Rio Grande do Norte desponta como um estado com forte potencial para esses recursos, com abundância no Seridó, mas também em municípios como São Paulo do Potengi e Tangará. O tântalo é utilizado em capacitores e metais especiais, enquanto o nióbio tem seu uso aplicado em turbinas de avião, gasodutos, tomógrafos de ressonância magnética, indústrias bélica e nuclear, dentre outras. Já o lítio é bastante aplicado em baterias.

Falta de pesquisas

O potencial do RN para minerais críticos e estratégicos é de conhecimento de quem atua no setor, mas um panorama assertivo sobre a real capacidade do estado ainda carece de investimentos em pesquisa e tecnologia. Em fevereiro do ano passado, o Centro de Tecnologia Mineral do IFRN (CT Mineral/IFRN), em Currais Novos, se reuniu com o Consórcio Nordeste e representações de outros estados para analisar um projeto que envolve estudos na província pegmatítica da Borborema, para levantamento do potencial da região em relação aos minerais críticos, em especial, o lítio.

À época, a proposta foi apresentada pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB). A atuação se daria na região da Borborema, que abrange os estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e, em menor escala, Ceará. Rafael Passos, diretor-geral do CT Mineral, explicou que tanto o RN quanto a Paraíba entregaram os projetos a serem desenvolvidos, os quais possuem uma demanda por recursos da ordem de R$ 40 milhões (R$ 20 milhões para cada estado). Ao Consórcio Nordeste coube a busca pelos investimentos.


“Essa busca se deu junto a entidades como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Ministério de Minas e Energia (MME), mas o financiamento, até o momento, não chegou. Os recursos são referentes à compra de equipamentos para aperfeiçoar os laboratórios de pesquisa, contratação de equipes de campo para atuar na coleta e envio das amostras, entre outras despesas. O produto desse trabalho seria o mapeamento minucioso da província da Borborema, com foco nos minerais críticos, mas com possibilidade de encontrar outras oportunidades de exploração”, pontuou Passos.

Valdir Silveira, diretor de Geologia e Recursos Minerais do SGB, avalia que a pesquisa representará um marco para o Nordeste e um primeiro passo para as pesquisas em minerais críticos na região. “A gente aguarda esses estudos com muita ansiedade. O projeto é muito interessante, mas precisa de investimentos também do Governo do Estado e da iniciativa privada. Deve haver uma soma de esforços para encontrar esses bens minerais que estão no subsolo do nosso estado e de estados vizinhos, especialmente, Ceará, Bahia, Piauí, Maranhão, Paraíba, e Pernambuco”, disse Silveira.

A TRIBUNA DO NORTE fez contato com a Finep, o CNPq e o MME para obter um posicionamento sobre a liberação de recursos para o projeto, mas não houve retorno até o fechamento desta edição. Já o Consórcio explicou, em nota, que elaborou o Programa de Minerais Críticos e Estratégicos do Nordeste em parceria com os estados da região. O programa visa a estruturação da Rede de PD&I em Minerais Críticos e Estratégicos e o aumento da disponibilidade de recursos para pesquisa, desenvolvimento e inovação no Nordeste.

“É o primeiro programa pensado para o desenvolvimento das rotas tecnológicas para transformação desses minerais na região, que conta com apoio do Governo Federal, por meio da Finep, do MCTI e do BNB, pensado e estruturado no ano passado. A etapa atual é a fase final de aprovação dos recursos, que devem superar, inicialmente, os R$ 100 milhões. A previsão é que a publicação de editais ou chamadas para aprovação dos projetos ocorra ainda neste ano”, esclareceu o Consórcio, ao explicar que os estudos na Borborema poderão ser contemplados com esses investimentos.

A Secretaria de Desenvolvimento Econômico do RN (Sedec) disse que tem buscado fortalecer parcerias com instituições de pesquisa, universidades e o setor produtivo, para a atração de investimentos para o setor de minerais críticos. Segundo a pasta, o projeto do CT Mineral está na Finep, cumprindo trâmites processuais. “Seguimos acompanhando esse processo de perto, em diálogo com os órgãos federais envolvidos, como o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e a própria Finep, com o objetivo de garantir que o RN avance nas etapas necessárias para consolidar sua posição como um polo estratégico para a produção de minerais críticos no Brasil”, falou Alan Silveira, secretário da pasta.

CT Mineral

Além das expectativas em torno do projeto para estudar minerais críticos na Borborema potiguar, o Centro de Tecnologia Mineral do IFRN desenvolve soluções tecnológicas para os desafios da indústria da mineração em conjunto com o setor produtivo. “Nascemos em 2019 e desde 2023 somos também uma das 93 Unidades Embrapii [Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial] espalhadas pelo Brasil e uma das poucas que trabalham com tecnologias da mineração”, descreve Rafael Passos, diretor-geral do CT.

Ele explica que o Centro de Tecnologia já possui projetos de PD&I com empresas que buscam soluções para extração e beneficiamentos de minérios associados a terras raras, mas as tecnologias para o beneficiamento de minerais ricos nesses elementos são limitadas e, portanto, carecem de mais estudos e de desenvolvimento.

“Nos últimos dois anos, o CT Mineral já desenvolveu ou desenvolve quatro projetos com empresas para aperfeiçoamento dessa técnica. Portanto, estamos nos especializando em metodologias para atender a essa necessidade latente da indústria de forma geral. Tanto o RN quanto o Brasil têm um potencial muito promissor para os minerais críticos”, fala Rafael Passos.

Valdir Silveira, do SGB, afirma que, diante dessa capacidade, o campo de pesquisa em todo o País é enorme. “Diante do potencial do RN, que é fantástico, se tivéssemos um olhar diferente para o estado poderíamos estar em outro patamar”, disse, ao comentar sobre os interesses do governo norte-americano nos minerais críticos brasileiros. “É importante salientar que nós somos um país soberano, estamos no centro das atenções mundiais nesse tema, mas a decisão de aceitar ou não qualquer tipo de imposição será sempre do governo brasileiro”, assinala.

 

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