Inflação não é brincadeira
Mais um estouro da meta de inflação desqualifica a
pressão de Lula e do PT por queda de juros a qualquer custo. BC faz bem ao
reafirmar que seu papel é resguardar o poder de compra da moeda
O avanço de 0,24% da inflação em junho elevou para
5,35% o acumulado em 12 meses e inaugurou o estouro inflacionário sob o sistema
de meta contínua, em vigor desde janeiro. Por esse modelo, o comportamento da
inflação apurado em um ano é observado mês a mês, e a meta é considerada
descumprida quando o resultado ficar acima do intervalo de tolerância por seis
meses consecutivos. Durante todo o primeiro semestre, o acumulado do IPCA ficou
bem acima de 4,5%, o limite máximo permitido para a meta de 3% ao ano.
Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central (BC),
teve de escrever ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mais uma carta
detalhando que o banco não conseguiu conter a inflação em razão de fatores como
o sobreaquecimento da economia, que roda com demanda acima da capacidade de
produção. Até março do ano que vem, o banco espera trazer a inflação para
dentro do limite máximo e, ao final de 2026, chegar aos 3%.
A carta é uma formalidade, mas carrega a
importantíssima função de reafirmar o compromisso do BC com o controle da
inflação, razão para o ciclo de aperto monetário iniciado em setembro do ano
passado que incorporou, desde então, 4,5 pontos porcentuais à Selic. O pacto
ratificado pelo BC ganha mais relevância diante da leviandade explícita do
presidente Lula da Silva, que não perde a oportunidade de vaticinar uma
iminente queda dos juros, insistindo que os preços estão “razoavelmente
controlados”.
Não é o que mostra o aumento de preços em sete dos
nove grupos do IPCA em junho. Em audiência na Comissão de Finanças e Tributação
da Câmara dos Deputados, Galípolo destacou que mais de 70% dos itens que
compõem o índice estão acima da meta e que essa é a principal justificativa
para a taxa de juros de 15% ao ano. Não são altas pontuais, neste ou naquele
produto ou serviço, e sim um encarecimento espalhado dos preços.
De quebra, o presidente do BC expôs aos deputados
que, ao contrário de outros países, no Brasil os subsídios cruzados distorcem e
barateiam o custo do crédito para as empresas e esvaziam a Selic como trava
inflacionária. Seria essa a explicação para a demora nos efeitos dos juros
sobre os preços.
Inflação não é brincadeira, e embora Lula tenha dito
que os brasileiros levam a alta de preços “muito a sério”, o contínuo estouro
da meta preocupa – e muito. O sistema atual, com aferição mês a mês, confirma
que os juros não conseguem frear a inflação justamente porque outros fatores,
inclusive incentivos do próprio governo, continuam empurrando os preços para
cima.
Nas últimas semanas causou apreensão a retomada da
pressão de Lula da Silva e do PT pelo corte dos juros a qualquer custo, sob
pretexto de fomentar o desenvolvimento econômico mesmo com “um pouco de
inflação”. Em junho, duas semanas antes de o Copom elevar de 14,75% para 15% a
Selic, Lula chegou a dizer que “logo, logo” o Banco Central tomaria a “atitude
correta” de começar a baixar os juros.
A pressão petista andava arrefecida desde a passagem
de bastão na presidência do BC, em 1.º de janeiro. Indicado no governo
Bolsonaro, Roberto Campos Neto continuou no cargo nos dois primeiros anos do
governo atual, para só então ser substituído por Galípolo, indicado de Lula. A
não coincidência dos mandatos, imposta pela lei da autonomia do banco, tem se
revelado crucial para a política monetária.
Em sua ida à Câmara, em meio à pressão revigorada de
parte do governo pela queda de juros, Galípolo reafirmou que o papel do Banco
Central é o de defensor do poder de compra da moeda. Com todas as letras, o
indicado de Lula declarou que o banco não vai se desviar desse objetivo nem
mediar a busca por outra meta.
“Ninguém quer baixar os juros para ter uma inflação
lá em cima. Você quer conviver com uma taxa de juros que produza o mesmo
efeito, do ponto de vista de conter a inflação”, explicou aos deputados. Ou
seja, se o governo quer que os juros caiam, precisa trabalhar para acabar com
os fatores que fazem a inflação subir, sobretudo os gastos públicos em excesso.
Opinião do Estadão
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