Felipe Salustino
Repórter
Inaugurada em março deste ano sob a promessa de
garantir segurança hídrica para milhares de potiguares, a Barragem de Oiticica
acumula um volume de água de apenas 103,3 milhões de metros cúbicos, o
equivalente a 13,92% da capacidade total, que é de 742,6 milhões de metros
cúbicos. O baixo volume é registrado justamente no primeiro ano com perspectiva
de seca desde que a construção do reservatório foi concluída. O Instituto de
Gestão das Águas do Rio Grande do Norte (Igarn) atribui o baixo volume à
ocorrência de chuvas abaixo da média em 2025 e à inconclusão de um trecho da
barragem durante a quadra chuvosa de 2024, que registrou bons índices. Oiticica
começou a ser construída em 2013 e enfrentou inúmeros atrasos até ser
concluída.
O RN tem atualmente 74 municípios em estado de
emergência, sendo 56 por conta da seca e 17 por estiagem. A expectativa é que o
número de municípios aumente, especialmente no Seridó, onde se espera que o
reservatório sirva para mitigar os efeitos da seca. Esse papel, designado para
Oiticica, ainda não será cumprido em 2025. Por um lado, porque, inconclusa no
ano passado, quando houve um bom volume de chuvas, a barragem não conseguiu
armazenar um grande volume de água. Por outro lado, a infraestrutura necessária
para levar a água armazenada às regiões atendidas ainda não foi concluída.
A conclusão das obras no ano passado foi travada,
segundo o Igarn, por um acordo extrajudicial que previa a alocação de famílias
das proximidades da barragem para as agrovilas. Ainda segundo o órgão, para que
Oiticica consiga tender todo o Seridó, o volume ideal estimado é de 50%. O
reservatório, de acordo com o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
(Dnocs) tem capacidade para abastecer até 2 milhões de pessoas.
O processo de construção da Barragem de Oiticica
teve início em 26 de junho de 2013 e, ao longo dos anos, passaram por ajustes
para atender às demandas da população local, como o assentamento de moradores
em agrovilas. Entre elas, destacam-se o assentamento da comunidade Nova Barra
de Santana, e a criação das Agrovilas de Jucurutu, Jardim de Piranhas e de São
Fernando.
“O volume da barragem está baixo porque, durante a
quadra chuvosa de 2024 — apesar do bom volume de chuvas naquele período — um
trecho de 200 metros da parede ainda não havia sido concluído. Isso ocorreu
devido a um acordo extrajudicial entre o Movimento dos Atingidos pela Barragem
e o Governo, que previa a realocação de famílias do entorno para as Agrovilas.
Já neste ano, embora a obra esteja finalizada, as chuvas não foram suficientes
para garantir uma boa recarga do manancial. Então foi necessário concluir essas
desapropriações, além da retirada da rede elétrica para somente então fechar a
parede”, explicou o Igarn.
Apesar de baixo, segundo o Instituto de Gestão de
Águas, o volume de Oiticica é superior ao de muitos outros reservatórios do RN,
como o açude Itans, em Caicó, que está com 325.111 m³ de água, ou a barragem de
Pau dos Ferros, que está com 20.758.118 m³. Segundo o Igarn, uma parcela da
população do município de Jucurutu, região onde está localizada a barragem, é
atendida pelo volume atual.
“É feito o atendimento ao abastecimento da cidade de
Jucurutu [perímetro urbano], à piscicultura, ao abastecimento de Nova Barra de
Santana [distrito de Jucurutu], com cerca de 800 pessoas, e todo o entorno da
bacia hidráulica da barragem, para as produções e dessedentação (fornecimento
de água) animal. Mas é importante que na quadra chuvosa de 2026 nós possamos
ter um volume muito maior de água, e quem sabe a barragem com pelo menos 50% do
volume, para atender plenamente toda a região”, aponta o Igarn.
Ausência de projetos
De acordo com especialistas ouvidos pela TRIBUNA DO
NORTE, a Barragem de Oiticica tem função estratégica para o suporte hídrico na
região e também para a prevenção de inundações em casos de períodos com chuvas
acima da média. Esse controle é permitido porque Oiticica, que está no leito do
Rio Piranhas-Açu, recebe as águas deste manancial, ao mesmo tempo em que está
conectada à Barragem Armando Ribeiro Gonçalves. Mas a falta de projetos que
garantam o abastecimento de água para as populações da região ainda representa
um gargalo.
“A construção da barragem é um marco para o Rio
Grande do Norte, porque ela tem uma função muito importante na proteção de
inundações, segurando as águas que iriam para a Armando Ribeiro em caso de
cheias ou reforçando o volume dela [da Armando Ribeiro] em períodos de seca.
Por isso, Oiticica não pode ficar completamente cheia, já que também exerce um
papel de proteger a região de inundações. O ponto é que, enquanto não houver
projetos de utilização da água para as populações, ela não será considerada uma
reserva hídrica para o Seridó” , fala João Abner, especialista em Recursos
Hídricos.
A professora Adelana Gonçalves Maia, dos cursos de
Engenharia Civil e Engenharia Ambiental da UFRN, explica que a construção de
Oiticica tem a ver com a situação de colapso que costuma afetar os municípios
da região em períodos de seca prolongada, mesmo essas cidades já tendo um
sistema de abastecimento. “Então, é como se a barragem fosse um plano ‘B’. Para
medir o impacto de Oiticica na autonomia hídrica da região é preciso levar em
conta quais reservatórios ela está atendendo. Mas para projetos futuros, como o
Seridó, certamente, será necessário um volume maior do que o atual”, analisa.
O Projeto Seridó está dividido em dois eixos (Norte
e Sul), desenvolvido pelo MIDR, com previsão de beneficiar cerca de 300 mil
pessoas em 22 municípios da região. O Seridó Norte, de acordo com a Semarh, irá
levar infraestrutura hídrica a cidades como Florânia, São Vicente, Currais
Novos, Cruzeta e Acari. A previsão de entrega de grande parte do projeto é o
primeiro semestre de 2026. “Por intervenção do Governo do Estado, as obras
desse trecho foram aceleradas e estão em fase de conclusão”, disse a pasta.
O Seridó Norte está dividido em cinco trechos (1N,
2N, 3N, 4N e 5N). Segundo a Semarh, quatro deles já foram licitados e estão com
obras em execução. São esses trechos que têm previsão de conclusão para o
próximo ano. A Secretaria informou que ainda falta ao Governo Federal licitar o
terceiro trecho, que vai levar água para Serra de Santana. Além disso, o Seridó
Sul está com o projeto executivo concluído, mas sem previsão de licitação.
O Projeto Seridó consiste na implantação de sistemas
adutores para captação de água em reservatórios já existentes no sul da região,
atendendo a pequenas demandas, e também na retirada e transferências de água
armazenada nas barragens de Oiticica e Armando Ribeiro Gonçalves, no caso de
demandas mais significativas previstas até o ano de 2070.
Uma das agrovilas ainda não foi
concluída
A barragem de Oiticica faz parte do Complexo
Hidrossocial inaugurado no dia 19 de março deste ano sem que todas as
indenizações referentes a desapropriações fossem quitadas e sem a conclusão de
duas agrovilas. Segundo a Semarh, a Procuradoria Geral do Estado (PGE-RN) ainda
faz alinhamentos para proceder com o processo de seis indenizações pendentes.
Em relação às agrovilas, uma delas foi concluída (a de São Fernando), mas a
segunda (de Jardim de Piranhas), ainda está em fase de conclusão.
Federações ligadas a setores beneficiados pela
barragem disseram à reportagem que a situação atual de Oiticica deve ser
avaliada levando em consideração as diversas especificidades do processo de
construção. A expectativa de que a tão sonhada segurança hídrica chegue, de
fato, à região, está sempre em alta. “A barragem foi oficialmente inaugurada em
março passado e, seu enchimento completo é naturalmente gradual, especialmente
devido à dependência das chuvas típicas do semiárido potiguar (que normalmente
se concentram entre fevereiro e maio)”, disse José Vieira, presidente da
Federação da Agricultura e Pecuária do RN (Faern). “Apesar de causar preocupação,
a Oiticica ainda se encontra em ciclo inicial de operação, num processo de
estabilização e não figura entre os reservatórios em situação crítica, segundo
o Igarn”, acrescentou.
Erivam do Carmo, presidente da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetarn), afirma que o volume da
Oiticica irá conseguir suprir a demanda atendida pelo manancial atualmente
[Jucurutu e áreas vizinhas], mas ele avalia que, se tivesse ficado pronta
antes, o cenário poderia ser bem mais favorável.
“O volume que a barragem tem é suficiente para o uso
atual desde que feito com racionalidade. Mas se a conclusão tivesse ocorrido
antes, teríamos outro cenário, sem dúvida, porque no ano passado, por exemplo,
choveu bastante na região”, comenta Erivam.
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