Bruno Vital
Repórter
Com 40 mil animais nascidos a partir de protocolos
de inseminação artificial e fertilização in vitro, dois mil produtores
atendidos, presença em 72 municípios e um investimento de R$ 2 milhões apenas
em 2025, o programa Leite & Genética, coordenado pelo Sebrae-RN,
transformou-se em um vetor de inovação biotecnológica no campo potiguar. Criado
há 13 anos no Rio Grande do Norte, o projeto subsidia até 70% do custo total de
pacotes de serviços para pequenos e médios pecuaristas, o que proporciona
acesso a técnicas de reprodução animal que antes estavam restritas a grandes
criadores.
Hoje, no Estado, a maioria dos atendimentos – cerca
de 70% – são para rebanhos leiteiros. No caso das vacas leiteiras, a melhoria
genética proporciona um salto na produção diária de leite, que pode subir de médias
inferiores a 5 litros para patamares entre 20 e 30 litros por animal,
dependendo das condições de manejo adotadas na propriedade. As bezerras
nascidas de inseminação com sêmen de touros de alta performance passam a compor
um rebanho com linhagem superior, mais produtiva e resiliente, com maior
precocidade e capacidade de reprodução.
Já nos rebanhos de corte, os bezerros apresentam
ganho de peso acelerado, especialmente no período de desmame, além de melhor
conformação corporal, o que eleva o preço de venda e a rentabilidade do
criador. Esses animais geneticamente melhorados se tornam mais valorizados no
mercado, seja para abate, reposição ou formação de novos plantéis. O resultado
é um rebanho mais eficiente, adaptado às exigências do mercado e capaz de
sustentar economicamente a atividade rural de forma contínua e competitiva.
De acordo com Zeca Melo, superintendente do
Sebrae-RN, o Leite & Genética é uma inovação que vem transformando o Estado
em referência bioeconômica. “É um projeto que surgiu aqui no Rio Grande do
Norte, já tem vários estados que operam, inclusive algumas secretarias, mas nós
somos precursores. É uma coisa fantástica. É impressionante, parece coisa de
outro mundo pensar que aqui dentro do Estado temos mais de 40 mil animais que nasceram
com alta linhagem dentro desse programa”, conta.
O projeto utiliza como principal tecnologia a
inseminação artificial em tempo fixo (IATF), com protocolos hormonais que
sincronizam o cio das vacas. O processo é feito em ciclos que envolvem visitas
técnicas, exames ginecológicos, aplicação de hormônios e acompanhamento da
gestação, sempre com o apoio de veterinários especializados e da estrutura
móvel. Para o produtor, a contrapartida representa apenas 30% do valor do
pacote — os outros 70% são custeados pelo Sebrae, que também fornece
consultoria, coleta de solo, análise de leite e um plano de ação personalizado.
Para os produtores que contratam os pacotes, são
disponibilizados catálogos de touros selecionados para inseminação artificial,
em parceria com o Instituto BioSistêmico (IBS), como o Holandês e o Gir
Leiteiro para os rebanhos leiteiros, além de raças como Nelore, Nelore Mocho e
Guzerá para os produtores de rebanhos de corte. A primeira visita é feita com o
“Rufião Móvel”, unidade que faz a avaliação ginecológica do rebanho e inicia o
protocolo hormonal. Em seguida, é a vez do “Vaca Móvel”, que leva o material
genético selecionado para a inseminação artificial.
Tecnologia e inteligência no campo
O analista técnico do Sebrae-RN e coordenador do
projeto, Luís Felipe dos Santos, diz que o programa surgiu no com o objetivo de
promover o acesso à inovação entre os pequenos produtores. “Quando a gente
visita esses produtores, vê muitos animais com baixa produção de leite. Já
encontramos propriedades com média de cinco litros por vaca, quando o ideal
seria o dobro ou até mais. Com esse projeto, queremos mudar essa realidade.
Hoje, temos uma produção diária de 500 mil litros de leite no Estado, resultado
que se relaciona diretamente com o impacto do projeto, inclusive por meio da
integração com laticínios e queijeiras”, pontua.
A metodologia foi desenvolvida em parceria com o
Instituto BioSistêmico (IBS), organização paulista especializada em soluções
tecnológicas para o agronegócio. “O IBS é executor do projeto na prática. A
gente faz desde a divulgação e captação dos produtores até à execução do
atendimento em campo”, explica Luiz Sartori, coordenador técnico da
instituição. Segundo ele, a execução contempla três etapas principais: “Na
primeira visita, fazemos a avaliação ginecológica e iniciamos a sincronização
hormonal; na segunda, realizamos a inseminação e coletamos dados
complementares, como solo e leite; na terceira, avaliamos o resultado da
inseminação e ressincronizamos os animais não gestantes”, detalha.
Programa impulsiona ganhos na
produtividade
Na fazenda Haras Inspiração, no município de Monte
Alegre, o médico e produtor rural Alexandre Borges vive o dia a dia de uma
pecuária baseada em tecnologia e planejamento empreendedor. Com 140 cabeças,
Borges encontrou no Projeto Leite & Genética um caminho viável para
profissionalizar a produção, melhorar os resultados econômicos e promover
impactos sociais diretos na região. “A vacaria é diferente do gado de corte.
Aqui a gente promove a vida. A vaca pare, a bezerra cresce, vira matriz. Você
gera renda, mas também emprega. Hoje, cinco famílias vivem diretamente do que
produzimos aqui”, relata.
Com 40 animais nascidos a partir do projeto – as
chamadas “filhas do Sebrae” – e novas prenhezes em andamento, Alexandre
pretende transformar a propriedade em referência de produtividade. Atualmente,
produz cerca de 4,2 mil litros de leite por semana e projeta, com a entrada das
novilhas geneticamente melhoradas na ordenha, atingir de 6 mil a 7 mil litros
por semana até o fim do ano. “Queremos alcançar a marca de 800 litros de leite
por dia no segundo semestre. Hoje estamos em 600/dia”. A perspectiva é
finalizar 2025 produzindo 25 mil litros/mês, acima dos atuais 16,8 mil mensais.
A operação na fazenda é feita com racionalidade e
controle. O leite é destinado, em grande parte, à produção de queijos
artesanais, com outra parte sendo vendida para um laticínio. O sucesso
reprodutivo também já rende frutos além do leite: bezerros nascidos na
propriedade foram vendidos para formação de touros em rebanhos de municípios
como Riachuelo, São Pedro e Mossoró. “É o projeto trazendo genética para a
minha casa, e eu espalhando essa genética pelo Estado”, resume.
Alexandre destaca ainda o custo-benefício do projeto
como um fator decisivo para a adesão e permanência. “Tudo está incluso: sêmen,
hormônios, veterinário, botijão de nitrogênio. Só aí já é uma economia enorme.
E o produtor só paga 30%, ainda pode parcelar no cartão. É isso que faz o
programa ser tão eficiente e acessível”, diz. A praticidade do modelo, segundo
ele, reduz barreiras para pequenos e médios produtores. “É gratificante ver um
animal nascer com potencial, saber que vai virar matriz ou touro, que vai gerar
renda e sustentar famílias. Isso não tem preço”, diz.
A tecnologia utilizada permite inseminar as vacas
com maior precisão e controle. A escolha do sêmen é feita com base em um
catálogo de touros de alto padrão. Cada rebanho recebe uma recomendação
específica, a depender do objetivo do produtor: peso ao desmame, habilidade
materna ou produção de leite, por exemplo. O resultado é um salto de
produtividade. “Temos produtores que conseguiram elevar a taxa de prenhez para
até 90%. Depende muito também das estruturas das propriedades”, explica Luís
Felipe, coordenador do Leite e Genética.
- Impacto
na cadeia econômica
Para o superintendente do Sebrae-RN, o
projeto vai além da inseminação e pode ser considerado uma política de
desenvolvimento. “Neste ano chegaremos a 330 com um investimento direto nosso
superior a R$ 2 milhões”, explica Zeca Melo. Segundo ele, o programa é também
uma porta de entrada para consultorias, capacitações e parcerias com
prefeituras, laticínios e cooperativas. “A inovação aqui não é só genética. É
social, é produtiva, é de gestão. Estamos falando de um ganha-ganha em cadeia”,
conclui.
De acordo com o Sindicato das Indústrias
de Laticínios e Produtos Derivados do Estado (SindLeite/RN), o RN produz uma
média diária de 500 mil litros de leite, número que guarda relação direta com
os resultados do programa do Sebrae-RN, diz Luís Felipe. “Os números do projeto
entram nessa conta, com certeza. Além disso, temos laticínios e queijeiras que
compram o leite desses pequenos produtores e, em alguns casos, chegam a investir
diretamente neles, pagando a contrapartida para que participem do projeto e
aumentem a produção. É uma relação onde todos ganham”, frisa.
A estrutura do programa contribui
diretamente para esse escoamento. Como muitos produtores têm rebanhos com
genética defasada, baixa produtividade e dificuldades para investir em
melhoramento, o acesso à inseminação artificial em tempo fixo se tornou uma
ponte entre o atraso tecnológico e a competitividade. A partir do momento em
que a vaca passa a produzir mais, o volume de leite por propriedade aumenta e a
entrega regular aos laticínios se torna viável e sustentável. Isso representa
estabilidade na produção, garantia de compra e receita contínua.
Ainda segundo Zeca Melo, esse efeito
multiplicador do projeto é estratégico. “Hoje temos cerca de 40 queijeiras que
participam do programa. Para manter a qualidade do queijo, é preciso um leite
de qualidade. E isso só se consegue com genética, sanidade, nutrição e manejo
adequado. Por isso, o Leite & Genética é mais do que um projeto
reprodutivo, ele é um pilar para o desenvolvimento rural integrado do estado”,
afirma. “A iniciativa contribui para a valorização dos produtos derivados, como
queijos, doces e bebidas lácteas, muitos deles com potencial de inserção em
diversos mercados”, complementa.


Nenhum comentário:
Postar um comentário