Elizabeth Teixeira, histórica líder camponesa
paraibana, celebra 100 anos de vida nesta quinta-feira (13). Um símbolo da
busca por direitos dos trabalhadores do campo, ela passou por décadas de
perseguição e lutas, tanto políticas quanto pessoais. Hoje, no bairro de Cruz
das Armas, em João
Pessoa, Elizabeth guarda a memória da luta pela reforma agrária, que
começou com seu marido, João Pedro Teixeira, assassinado em 1962, e continua a
inspirar gerações.
Elizabeth vive com a filha Anatilde Teixeira e,
apesar das dores físicas, ainda carrega consigo o legado de uma vida de
resistência. Nascida em um Brasil essencialmente agrário e com uma educação
formal limitada, ela enfrentou as dificuldades de sua época, alcançando apenas
o segundo ano primário.
"Fui feliz", diz Elizabeth, com um sorriso
no rosto. Quando questionada sobre a época mais feliz de sua vida, a resposta é
imediata: "Com meu marido, no campo."
Com um passado de vida mais privilegiada devido à
sua origem familiar, Elizabeth, filha de proprietários de terra, rompeu com o
destino traçado para ela ao se casar com João Pedro Teixeira, trabalhador rural
negro e sem posses. Juntos, se tornaram protagonistas das Ligas Camponesas na
Paraíba, movimento que reivindicava a reforma agrária.
Após o assassinato de seu marido, em 1962, Elizabeth
assumiu a liderança da Liga Camponesa de Sapé, trazendo mais
mulheres para a luta. "A minha luta? Sim, era na terra. É na terra,
trabalhando na terra, tomando o conteúdo da lavoura. E passou esses anos todos,
esses anos todos e ainda a gente não teve a reforma agrária", reforça,
mostrando o peso de sua trajetória e de suas decisões.
A partir de 1964, a repressão do governo militar e a
violência contra os trabalhadores rurais tornaram sua caminhada ainda mais
difícil. Ao longo dos anos, enfrentou perseguições políticas intensas,
incluindo prisões e a necessidade de viver na clandestinidade por 17 anos sob
outra identidade.
Somente após o retorno das gravações de "Cabra
Marcado para Morrer" (1984), filme sobre a história de João Pedro e a sua,
Elizabeth pôde deixar de ser Marta Maria da Costa e retomar seu nome e sua voz.
Após o fim da ditadura militar, Elizabeth tornou-se
uma importante referência para o movimento camponês e a reforma agrária,
participando de palestras, aulas e de colaborações com o Governo do Estado da
Paraíba sobre assuntos da luta camponesa e da reforma agrária. Atuou
intensamente no Centro de Defesa dos Direitos Humanos e publicou sobre direitos
das mulheres.
Durante esses anos, ela se tornou conhecida por sua
independência e resistência, sendo uma presença constante em sua comunidade e
um símbolo para aqueles que lutam pela terra.
"Nunca vi ela ter apego com nada. Pessoas,
coisas... sempre foi assim, tão independente", conta sua filha Anatilde,
que cuida de Elizabeth atualmente.
O seu centenário encontra uma Elizabeth tem uma
saúde debilitada, mas ela não se deixa abater. O cotidiano, embora exigindo
cuidados, ainda é marcado pelo seu espírito de luta. Quando completou 90 anos,
foi como se um alerta soasse para todos ao redor. A família começou a perceber
suas limitações e a necessidade de mais cautela. Mas era dificil para Elizabeth
aceitar essas restrições.
Em um episódio marcante, após fraturar o pé, ela foi
ao médico e recebeu um gesso, mas, em plena madrugada, levantou-se, pegou uma
faca e o retirou sozinha. Voltou ao hospital mais duas vezes até, por fim,
aceitar que precisaria desacelerar. “Na cabeça dela, ela ainda fazia tudo.
Ainda tinha aquela luta interna para não se render ao tempo”, conta a filha.
A rotina passou a exigir mais atenção, só que o
espírito inquieto permanece. “Às vezes, quando vou trocá-la, ela diz: Não, não,
que eu ainda vou botar, ainda vou tirar. Como se estivesse na rotina de antes”.
O tempo avançou, mas Elizabeth, em sua teimosia, continua desafiando os limites
impostos.
“Eu tô vivendo, minha filha. Gostei da luta pelo
campo”, diz com a mesma energia de antes.
Apesar dos avanços no país, a concentração de terras
no Brasil e os conflitos agrários continuam a afetar trabalhadores rurais, e a
luta pela reforma agrária ainda não foi concluída, como Elizabeth reforça: “a
terra é boa. São os reformados e os libertos que vão trabalhar. Lutar pela
terra", sentencia, reafirmando seu compromisso com a distribuição
igualitária do campo.
Mas permanecer na luta também significa resistir ao
tempo e às mudanças ao redor. Com o passar dos anos, muitos dos vizinhos de
Elizabeth partiram, mas ela permanece testemunha de um Brasil que se
transformou, mas ainda guarda algumas das desigualdades que ela tanto combateu.
Abdicando da necessidade de reconhecimento, sempre
se manteve firme em sua caminhada, sem pedir permissão para existir. "Sem
precisar de nome, sem bater em portas, sem se curvar", afirma sua filha,
sobre a forma como a mãe sempre conduziu sua luta.
O desafio constantemente dos limites impostos hoje
perpassa pela idade. "Eu não sei se, na natureza do tempo, ela percebeu
que viveu esse tempo todo", observa sua filha Anatilde. Mas, o que é
evidente é que, mesmo diante da fragilidade, a essência de Elizabeth permanece
intacta. Sua vida de resignação, sua luta pela reforma agrária e, sobretudo,
sua rebeldia continuam latentes.
"Lutava tudo de novo", ela diz, com a
mesma convicção de sempre, refletindo uma força que vai além dos anos vividos.
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