Gasolina, querosene de avião e propelente são três
espécies de um mesmo “assunto”. Pela afirmação, e tomando o conhecimento do
senso comum a respeito da primeira palavra, a injunção de que são tipos de
combustível é facilitada. No segundo nome, já há a indicação de para qual
transporte é o uso. Mas, e o propelente, o que é? E por que vamos falar dele?
Bom, propelentes são materiais energéticos que
apresentam a característica específica de liberar alta quantidade de energia
durante o seu uso. Eles são responsáveis pela propulsão de um determinado
material. No caso, são combustíveis usados em mísseis e foguetes que, quanto
mais energia liberam, melhor será. E, para aumentar essa quantidade de “força”,
uma alternativa é o investimento em pesquisas. É aqui que o assunto fica mais
interessante.
Do tema, uma novidade surgiu neste mês de outubro em
uma pesquisa na UFRN: a criação de uma nova formulação propelente para foguetes
e mísseis, envolvendo o emprego de uma liga metálica, em forma de pó. Com a
alteração da composição do combustível e diferentes proporções entre as
substâncias, constatou-se que todas as formulações combustionam com facilidade,
de forma contínua, deixando, em todos os casos, um resíduo sólido com menos de
um por cento da massa de propelente empregada.
“Os resultados encontrados atestam a viabilidade do
emprego das ligas metálicas alumínio-magnésio-lítio, ou Al-Mg-Li, combinadas
com azida de sódio, como combustíveis na produção/preparação de propelentes
sólidos para foguetes ou mísseis”, afirma Robson Fernandes de Farias. Cientista
responsável pela pesquisa, ele circunstancia que é comum a utilização de ligas
de alumínio na indústria aeroespacial como material estrutural, tendo sido
constantemente melhoradas ao longo do século passado e constituindo,
presentemente, cerca de 80% do peso das aeronaves modernas.
Antes de entrarmos nos pormenores da pesquisa, é
pertinente falarmos de algumas minúcias dos propelentes. Usados no formato
sólido — ao contrário da gasolina —, o propelente é resultante da mistura de um
combustível, de um oxidante e de um aglutinante. Num foguete ou míssil, a
proporção é variável entre os três ‘pilares’ e obedece às funções de cada um
para se chegar à ‘explosão’. O aglutinante, por exemplo, deve,
preferencialmente, facilitar a processabilidade do propelente, sendo, no mundo
ideal, também uma substância combustionável.
Voltando aos pormenores, Robson Farias salienta que
o propósito da pesquisa é obter novas formulações propelentes, explorando-se a
capacidade da azida de sódio de atuar como composto gerador de gases, bem como
a subsequente combustão do sódio metálico formado. Esse gás ‘residual’ é o N₂,
um gás inerte, que não toma parte no efeito estufa, o que acaba se traduzindo
também é um valor para o propelente criado. Isso tudo em um contexto no qual o
emprego de ligas metálicas combinadas com compostos inorgânicos geradores de
gás é uma via promissora a ser explorada.
Durante o tempo de estudo, o professor do Instituto
de Química ‘criou’ duas formulações, ambas preparadas mediante acréscimo do
aglutinante à mistura oxidante-liga metálica, até a obtenção de uma pasta
uniforme e viscosa, considerando-se as faixas de percentuais escolhidas. Os
testes de queima (combustão) foram efetuados empregando-se massas menores do
que um quilo do propelente, acondicionadas em minifoguete cilíndrico, de aço
inox. “O propelente em si já está finalizado. Nesse caso, não há que falar-se
exatamente em protótipo, mas em uma formulação já acabada. Prosseguimos em
nossas pesquisas na área de propelentes químicos, e novos pedidos de patente
estão previstos para um futuro próximo”, frisa Robson Farias.
Assim como outros existem em um passado próximo. Com
expertise ampla na área, este não é o primeiro pedido de patenteamento
capitaneado pelo pesquisador. São exemplos o desenvolvimento anterior de um
novo combustível espacial, a partir da utilização de um aglutinante
“diferenciado” na formulação do propelente (Novo combustível aeroespacial), bem
como o depósito que trazia a solução para uma desvantajosa relação entre
combustível e oxidante nos propelentes sólidos (Novas “gasolinas” para foguetes
e mísseis).
“Todas têm aplicação no setor de defesa, empregados
na indústria aeroespacial, o que envolve veículos lançadores de satélite, e que
se traduzem em tecnologia nacional capaz de diminuir a dependência tecnológica
do exterior”, coloca o docente. Dessa última, depositada no último mês de
outubro e denominada “Ligas metálicas alumínio-magnésio-lítio combinadas com
azida de sódio como combustíveis na preparação de propelentes sólidos para
foguetes e mísseis”, há a expectativa de ser mais um caminho científico para o
aproveitamento de recursos energéticos. Robson pontua também que a temática
geral na qual se insere a patente foi abordada por ele no livro Chemistry of
Modified Oxide and Phosphate Surfaces: Fundamentals and Applications,
especificamente no capítulo Oxides and phosphates in the formulation of new
solid propellants for rockets and missiles.
Propulsão, propelente, propagar
Os hominídeos se tornaram humanos quando aprenderam
a usar a combustão a seu favor. Embora a afirmação tenha contornos de
inabitualidade, é defendida por cientistas como o antropólogo britânico Richard
Wrangham, o qual remete a um momento bem mais rudimentar do que o vivenciado na
contemporaneidade, quando o calor do fogo produzido pela queima da madeira era
direcionado para obtenção de conforto térmico, cozimento de alimentos e
fabricação de utensílios de cerâmica, ferramentas e armas.
A informação abre um paper cuja autoria Robson
divide com o também professor da UFRN, George Santos Marinho. Nele, sabemos que
o uso de combustíveis sólidos para propulsão se incorporou à história da
ciência e tecnologia dos foguetes por volta do século XIII, quando os chineses
desenvolveram artefatos (recreativos e bélicos) movidos à reação devido à
queima da pólvora. Igualmente, conhecemos que, dentro das limitações técnicas
existentes no início da década de 1930, entusiastas do voo espacial deduziram
que levar artefatos do solo à órbita terrestre requeria energia disponível
mediante a combustão líquida. Desse entusiasmo, a pesquisa sobre propulsão
líquida passa a ser conduzida sob sigilo militar, resultando nas famosas bombas
V2, utilizadas durante a II Guerra Mundial.
Além disso, ainda que tentativas existam, a
propulsão química mantém-se onipresente, sendo a única disponível para
lançamento de artefatos aeroespaciais, como foguetes e mísseis, a partir do
solo. Por fim, embora não contemple todo o conteúdo da publicação, distingue-se
que, embora cada tipo de combustível (sólido ou líquido) apresente vantagens e
desvantagens no tocante à propulsão química, os sólidos levam vantagem e,
portanto, predominam, notadamente na área militar. Daí a relevância de
acréscimos de formulações aos propelentes.
Portal da UFRN
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