Ícaro Carvalho
Repórter
Com seu esposo internado numa Unidade de Pronto
Atendimento (UPA) em Parnamirim desde o dia 21 de setembro, as horas têm
passado devagar e com aflição para a enfermeira Vanessa Gomes da Costa.
Diagnosticado com pneumonia broncoaspirativa, a situação do esposo tem se
agravado a cada dia. Nessa semana, após esperar por vários dias por uma
regulação, a esposa procurou a Justiça para tentar à assistência e chegou a ter
decisão favorável, mas sem acesso ao leito de terapia intensiva até o
fechamento desta edição.
A situação da fila de espera não é de hoje. Conforme
documento que a TRIBUNA DO NORTE obteve, em uma audiência de conciliação
promovida no começo de setembro passado em função de uma Ação Civil Pública
ajuizada pelo Conselho Regional de Medicina (Cremern), em 2012 e já com pedido
de cumprimento de sentença, foi dito que a “fila de pacientes adultos que
necessitam da assistência de terapia intensiva mantém-se sustentada em 50
pacientes, número ainda elevado considerada a urgência desta assistência”. Na
época da audiência, a Sesap disse que havia 53 pacientes à espera de um leito
de UTI.
Nessa semana, em uma decisão judicial deferida para
uma paciente de Ceará-Mirim que buscou a Defensoria Pública para acessar um
leito de UTI, foi evidenciado que a fila para a prioridade 1 na Central de
Regulação era de pelo menos 23 pessoas no RN. O que é fato é que a fila de
pessoas à espera de UTI sempre é de dezenas de pacientes.
O caso do marido de Vanessa representa uma dura
realidade que tem virado rotina na saúde do Rio Grande do Norte: a fila de
espera por leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Além da espera, os
pacientes estão sendo obrigados a judicializarem as necessidades pela UTI, mas
mesmo tendo decisões liminares atendidas, precisam esperar pela regulação do
Estado encaminhar os pacientes para os leitos intensivos. Há casos, no entanto,
que não resistem à demora da regulação e acabam falecendo, como aconteceu em um
caso de Caicó recentemente em agosto deste ano.
Durante esta semana, a TRIBUNA DO NORTE acompanhou a
história de Vanessa e seu esposo, Armindo, que precisaram entrar na Justiça em
busca de um leito de UTI e mesmo assim ainda não conseguiram a vaga até o
fechamento desta reportagem. A ação foi ajuizada com apoio da Defensoria
Pública do RN (DPE-RN) na segunda-feira (07), com decisão favorável um dia
depois.
No texto, a juíza chega a citar a possibilidade
bloqueio de verbas para custeio do tratamento na iniciativa privada.
“É muito triste não termos a certeza dessa garantia
desse direito que nós enquanto cidadãos. Quando precisamos queremos contar com
esse direito e isso não acontece. É extremamente doloroso para nós da família”,
acrescenta a esposa, que é enfermeira e conhece a realidade do funcionamento de
um hospital.
Na última quinta-feira (11), novo episódio da
aflição da família: um hospital da rede estadual chegou a ter uma vaga de UTI
disponível, mas foi negada para o paciente sob alegação de que ele está com
suspeita de câncer, e portanto, não estaria apto para ocupar o leito. A família
questiona.
“É algo que me chateia: ele é colocado na regulação,
que procura a vaga em qualquer hospital. Só que diante do histórico dele ser
possível paciente oncológico, um hospital que surgiu vaga negou essa vaga. Ele
precisa de uma UTI para tratar uma pneumonia broncorespirativa. Acredito que
isso é um erro. O paciente não pode ser visto somente como o tratamento a ser
feito, mas como ser humano”, acrescenta a esposa, acrescentando ainda que a
família avalia a venda de um carro para internar o paciente numa UTI privada.
Nem a judicialização resolve o problema
Segundo a defensora pública Ana Beatriz Ximenes de
Queiroga, os casos de fila por leitos de UTI tem sido recorrentes no Estado e
cita que em dadas situações, pacientes não conseguem esperar e acabam não
resistindo. Ela lembra de um caso que ocorreu em Caicó, em agosto deste ano,
quando uma paciente esperou seis dias por uma regulação e não resistiu. A
defensora explica ainda que a Sesap tem alegado falta de servidores nas últimas
audiências de conciliação na Justiça Federal.
“Em junho, foi juntado um documento no processo
falando que existiam 41 leitos de UTI cadastrados no sistema do Regula RN, mas
na ata da audiência foi dito que existia a fila de 53. Além dos leitos que
existem, nem sempre eles estarão disponíveis. Tem uma série de fatores que
contribuem para essa situação. Houve problemas na contratação de novos
servidores, transição entre terceirizados e concursados. Tem questão
orçamentária também. A secretaria de Finanças falou que houve queda de receitas
e isso tudo reflete no custeio da prestação de serviços públicos”, explica. “É
uma situação constante, tanto que a ACP ajuizada em 2012 e está em fase de
cumprimento de sentença, mas mesmo assim o processo está ativo”, cita.
A Comissão de Saúde da OAB-RN tem acompanhado esses
casos. O presidente da comissão, o advogado Renato Dumaresq, explica que a
judicialização por filas de leitos na saúde pública do RN tem sido frequente.
“Uma grande questão também é a judialização. Temos
tido muitas ações seja pela Defensoria, MPRN e advogados. O problema é que
quando o juiz concede a liminar para que o paciente tenha acesso, isso
aconteceu comigo, cheguei no Núcleo Interno de Regulação do Walfredo Gurgel e a
chefe disse o seguinte: ‘quem eu vou tirar? Seu cliente vai passar na frente de
quem?’ Se não tiver o leito não adianta. Se tem a ação e foram criados 202
leitos de UTI para atender desde 2021 porque ainda temos tanta demanda não
atendida? O principal motivo é a falta de recursos humanos e de material”,
denuncia.
Na última audiência de conciliação sobre o tema na
Justiça Federal, ficou encaminhado que a Sesap fará até o dia 31 de outubro a
contratação com novos prestadores privados para leitos de UTI adulto. Para a
próxima audiência, no dia 27 de novembro, a Sesap precisará apresentar
relatório de cumprimento de Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) com o
MP/TCE-RN para nomeação de servidores efetivos e ainda apresentar as ações já
implementadas para efetiva publicação do concurso público para servidores da
Sesap até o fim de janeiro/2025.
A TN questionou a Sesap sobre a fila de leitos de
UTI no Estado, de quanto era a fila atualmente e por quais razões ela não
consegue ser zerada. Em nota, a pasta disse que “dada a dinâmica de regulação
de leitos, não há como falar em “zerar” a lista, visto que sempre se terá
pacientes entrando a todo momento em unidades de saúde. E justamente por isso
também não é possível destacar a lista, que é atualizada minuto a minuto pelo
sistema Regula RN, implantado pela atual gestão”.
A pasta acrescentou ainda que, além do sistema de
regulação implantado, “que dá aos pacientes transparência e equidade no serviço
de regulação, segurança aos trabalhadores que operam e capacidade de auditoria
para a gestão e órgãos de controles externos, o Governo, através da Sesap, mais
que dobrou o número de leitos de UTI, passando de 98 leitos em 2019 para 210 em
2024 apenas em UTIs adulto na rede estadual – destacando a instalação de leitos
em hospitais que nunca antes dispuseram do serviço, como o Regional de Assu -,
além de novas UTIs infantil e neonatal em hospitais como o Maria Alice
Fernandes e o Santa Catarina. Hoje, o Regula RN dispõe, somadas todas as UTIs,
de aproximadamente 450 leitos espalhados pelo Estado”, pontuou.
Cremern: regulação precisa avançar
Na avaliação do presidente do Conselho Regional de
Medicina do RN (Cremern), Márcos Jácome, ainda se constata falta de leitos de
UTI para atender a demanda necessária no RN. Ele cita que a ACP movida em 2012
pelo Cremern resultou num incremento de quase 200 leitos. Ele cita que a
problemática envolve uma série de fatores, como aumento populacional junto com
a crescente na violência pública, tanto no trânsito de veículos como na
criminalidade.
“As vítimas desta violência já ocupam parte destas
vagas nos hospitais de trauma. As doenças crônicas com seus acompanhamentos e
tratamentos ainda com nível de inadequação também acrescentam muito das
necessidades de internação em terapia intensiva. Denota-se que a necessidade
será sempre contínua e crescente para atender a estas e outras demandas. A
nossa ação já tem mais de 11 anos”, explica.
Ainda segundo o presidente do Cremern, em dado
momento nos últimos anos após a ação civil pública foi necessária a intervenção
da JFRN para manter algumas UTIs por causa de falta de pessoal.
“Algumas UTIs cujo contrato de provimento de mão de
obra de médicos e de enfermagem estariam realmente comprometendo a permanência
da atividade, ou seja, a UTI fecharia por causa disso, a justiça determinava
que a administração da Sesap tomasse providência no sentido de manter a UTI
aberta com esse pessoal e providencie a oficialização da contratação de
forças”, pontua.
Ainda segundo Márcos Jácome, a regulação avançou no
Estado, mas ainda precisa ser aprimorada. “Então na prática de vez em quando,
não é raro, ainda temos notícia de que há pessoas que precisam de UTI por causa
da gravidade da sua condição de saúde ainda permanece sem essa disponibilização
imediata. A regulação tem acontecido de estar presente em muitas situações.
Favorecendo o acesso, mas também em alguns momentos ela consegue detectar que
há deficiência ainda de alguns setores”, aponta.
Tribuna do Norte
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