VEJA
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é uma
empresa pública estratégica. Tecnicamente, é responsável por manter estoques de
alimentos que são usados para regular o mercado, garantir o suprimento da
população e o equilíbrio do setor. Politicamente, é considerada como um braço
para atender às correntes mais à esquerda do PT, especialmente de movimentos
como o MST. Em razão de sua atividade, também é vista como um poderoso
instrumento a ser usado para mitigar a resistência dos grandes empresários do
agronegócio em relação ao governo. Pois a Conab vive hoje uma situação
insólita. Formalmente, ela tem um presidente aprovado pelo conselho de
administração, como determina o estatuto, e em pleno exercício de suas funções.
Na prática, quem dá as ordens é outra pessoa. Desde o início de janeiro, a
empresa é comandada pelo ex-deputado Edegar Pretto, que fala com diretores,
discute projetos e participa de viagens oficiais, embora formalmente ele não possa
sequer comprar 1 quilo de açúcar ou pisar na sede da empresa sem uma
autorização especial.
O duplo comando da Conab se explica na pressa do
Planalto em colocar apaniguados em cargos considerados sensíveis, sem observar
as regras. O atual presidente da estatal, o agrônomo Guilherme Ribeiro, é
remanescente do governo anterior. Para trocá-lo, é necessário que o conselho de
administração da empresa aprove o nome do substituto, mas não só. O estatuto da
companhia estabelece algumas exigências que devem ser observadas pelo
postulante ao cargo. Exige, por exemplo, que o candidato tenha pós-graduação em
uma área afim ou cinco anos em cargo de chefia em uma companhia de grande
porte. Para evitar o aparelhamento político, a lei das estatais ainda
estabelece que o indicado não pode ter exercido funções de direção em partido
ou participado de campanhas eleitorais nos últimos três anos.
Aí reside o ponto fulcral do problema. O petista
Edegar Pretto disputou o governo do Rio Grande do Sul nas últimas eleições, não
tem pós-graduação e nunca chefiou uma grande empresa. Em tese, portanto,
estaria impedido de assumir a presidência da Conab. Suas credenciais são
outras. Filho de agricultores, o pai dele, Adão Pretto, foi um dos fundadores
do notório Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Na montagem do
governo, Lula havia
reservado um posto de maior destaque para o ex-deputado. Ele era o primeiro
nome da lista de cotados para assumir o Ministério do Desenvolvimento Agrário.
As negociações do Planalto com o Congresso, no entanto, acabaram inviabilizando
o plano. Para abrigá-lo em algum posto relevante no novo governo e ao mesmo
tempo para não desagradar o MST, a alternativa foi a Conab — e instalou-se a
confusão administrativa que já dura dois meses.
Os dois presidentes da Conab mantêm rotinas
paralelas. Dias atrás, por exemplo, enquanto Guilherme Ribeiro estava reunido
com sua diretoria alinhavando os detalhes do anúncio do balanço da empresa,
Pretto visitava a cidade de Hulha Negra (RS), participando como “presidente da
Conab” de um evento que discutia os problemas causados pela estiagem na região.
Essa anomalia tem servido para alimentar disputas regionais. Na segunda-feira
6, o Partido Novo pediu ao Ministério Público a instauração de um processo
criminal para apurar a prática de um suposto crime de usurpação de função
pública. “Uma pessoa que não está ainda investida do cargo não pode falar pela
companhia. Ele está fazendo uso político de um cargo que ainda nem é seu”, diz
o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS). O partido também pediu que a
investigação seja estendida ao ministro Paulo Teixeira, chefe do Desenvolvimento
Agrário.
A VEJA, Edegar Pretto disse que a confirmação de seu
nome no cargo deve acontecer em breve e que não vê problema algum em discutir
antecipadamente questões com as quais vai lidar como presidente da Conab. Ele
afirma que esteve na sede da empresa em Brasília apenas para conhecer o futuro
local de trabalho e, quando precisa, despacha numa sala cedida pelo Incra,
outro órgão do governo. “Eu sou do setor e tenho uma estreita relação com as
representações que esperam uma atenção da minha parte. Não existe confusão
nenhuma. No caso da viagem ao Rio Grande do Sul, eu estava acompanhando o
ministro Paulo Teixeira, que me apresentou como indicado, e não como
presidente”, explicou. O ex-deputado só não explicou como ele, o PT e o governo
pretendem transpor as exigências que o impedem de assumir o cargo. Em
princípio, só na hipótese de se aplicar um desconcertante drible na lei — ou
remendá-la.
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