A campanha à reeleição do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva já começou, e o petista escolheu seu inimigo. Com o ex-presidente
Jair Bolsonaro preso e definitivamente fora da disputa, Lula só precisava
definir um antagonista para culpar pelos problemas que ele não quis ou não
conseguiu resolver, e o Congresso, ao menos neste momento, vestiu a carapuça.
De um lado, a combinação entre inflação mais baixa e
desemprego no menor nível histórico já deixa o terreno confortável para o
incumbente em um pleito que é, de certa forma, um plebiscito sobre a aprovação
ou reprovação de seu mandato. Já as trapalhadas do clã familiar de Bolsonaro na
tentativa de livrá-lo da cadeia presentearam o petista com a bandeira da
soberania nacional no malfadado tarifaço dos Estados Unidos.
Em contrapartida, Lula tem na segurança pública um
enorme telhado de vidro, e sua insistência em tratar do assunto pelo viés da
desigualdade social, mesmo após o apoio da população à megaoperação policial
nos Complexos do Alemão e da Penha no Rio de Janeiro, fez seu índice de
rejeição voltar a subir após meses de recuperação nas pesquisas. Mas, como a
candidatura da oposição ainda parece indefinida, o Congresso tem facilitado
bastante a vida do presidente na busca de um adversário com quem rivalizar.
A aprovação de pautas-bomba e a derrubada
indiscriminada de vetos presidenciais à nova lei do licenciamento ambiental são
os episódios mais recentes a piorar a imagem do Legislativo. Ademais, se
encaixam bem na releitura que Lula tem feito da narrativa do “nós contra eles”,
retomada desde a tramitação do projeto que isentava o Imposto de Renda para
quem ganha até R$ 5 mil mensais e taxava os mais ricos.
Mas o petista não é ingênuo e sabe que não pode
prescindir completamente do Congresso para governar. Por isso, investe em um
conveniente morde e assopra e sabe bem onde pisar. O discurso é duro, mas suas
ações são um verdadeiro afago e focam naquilo que mais importa aos deputados e
senadores.
Afinal, o presidente que criticou abertamente a
obrigatoriedade de pagamento das emendas parlamentares e acusou o Congresso de
ter “sequestrado” o Orçamento é o mesmo que discretamente assentiu com a
criação de um inédito calendário para a execução dessas indicações.
Estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO), aprovada na semana passada pelo Congresso, o calendário era uma demanda
antiga dos parlamentares e vai garantir que 65% das emendas individuais, Pix e
de bancada terão de ser pagas até o fim do primeiro semestre de 2026. Isso
significa que mais de R$ 12 bilhões chegarão às bases dos atuais deputados e
senadores a poucos meses da eleição.
Para Lula, o estabelecimento da obrigatoriedade das
emendas, aprovado por meio de emenda constitucional, foi um “grave erro
histórico”, mas a medida, segundo ele, só cairá quando mudarem “as pessoas que
governam e que aprovaram isso”. Ora, se Lula realmente acreditasse no que
disse, ele jamais poderia ter compactuado com o calendário incluído na LDO. O
artifício certamente vai desequilibrar a disputa a favor de quem já tem
mandato, contribuindo para perpetuá-los no poder e, assim, manter o caráter
impositivo das emendas.
A questão é que Lula não sairá de mãos abanando. Com
o acordo, os parlamentares deram ao governo autorização para ignorar o centro
da meta fiscal e mirar em seu limite inferior em 2026. Assim, em vez de buscar
um saldo positivo de R$ 34,3 bilhões entre receitas e despesas, o Executivo
poderá registrar um déficit de até R$ 23,3 bilhões.
Lula, portanto, poderá gastar mais e ainda assim
dizer que tem responsabilidade fiscal, uma vez que a meta será cumprida. Já o
Congresso pode até ser alvo das críticas do presidente, mas não correrá o risco
de ver suas emendas bloqueadas.
Providencialmente, em meio à sessão na qual a LDO
era aprovada, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), telefonou
para o Palácio do Planalto para questionar a que Lula se referia quando
mencionou o “sequestro” do Orçamento, mas nem por isso deixou de aprovar a
proposta. O combinado, afinal, só saiu caro para a sociedade.
Opinião do Estadão

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