Felipe Salustino
Repórter
O Vale do Ceará-Mirim tem ganhado notoriedade no
Estado por combinar o cultivo de cadeias tradicionais, como a manga, à produção
de culturas exóticas, a exemplo do café. Contudo, a região também é destaque
por abrigar desde produtores que transformam as culturas locais em produtos
inovadores a empreendedores que fazem questão de manter a tradição da região,
como os engenhos de cana-de-açúcar. São negócios que têm como característica a
agregação de valor e que incorporam uma identidade local, fator que os
condiciona à conquista do Selo Feito Potiguar, do Sebrae-RN, importante
apoiador dos empreendimentos na região.
Dentre os negócios está o Delícias do Vale,
administrado por Livânia Frizon, de 62 anos, com ajuda da família. Nascida no
outro extremo do País, a gaúcha criada em Santa Catarina desembarcou em terras
potiguares em 1990. “Sou uma das primeiras assentadas do movimento agrário no
RN”, conta. Uma década depois da chegada, ela se instalou no Assentamento
Rosário, localizado na Agrovila Canudos, em Ceará-Mirim. Livânia relata que o
mamão foi o primeiro plantio feito no assentamento por ela e por outros
agricultores. “Chegamos a exportar, mas a produção era difícil por conta da
invasão de pragas”, relembra.
Atualmente, a produtora segue no assentamento, onde
mantém diversas culturas – coco e banana são o carro-chefe, mas há outras
sazonais, como feijão, mandioca e macaxeira. Livânia faz o beneficiamento da
batata reaproveitada de comerciantes do Mercado da Agricultura Familiar, em
Natal, onde se instalou em um dos boxes há oito anos. No espaço, ela atende aos
clientes com delícias como os chips de batata doce, frutas caramelizadas e
liofilizadas (técnica que consiste na remoção da água de um produto congelado).
O beneficiamento começou quando a empreendedora
percebeu que poderia agregar valor às culturas que ela, porventura, iria
produzir após encerrar o plantio de mamão. “Pego o coco e a banana de lá [do
assentamento], trago, beneficio e vendo aqui [no Mercado]”, diz. No espaço de
venda, a variedade de produtos enche os olhos e abraça o paladar. São itens
como churrasco e coxinha feitos com massa de batata doce ou macaxeira, chips de
batata natural, com lemon pepper e defumado, frutas liofilizadas como manga e
abacaxi, banana e coco caramelizados, além de bombons de sabores diversos.
A empreendedora explica que grande parte da produção
de cultura perene do assentamento – são cerca 20 mil bananas e 30 mil cocos por
mês em cada ciclo –, no entanto, serve para abastecer o mercado local. Para o
beneficiamento, aquilo que não é plantado na propriedade, ela compra de outros
produtores. “Compro de um produtor aqui do Mercado aquela batata que ele não
consegue vender e que iria para o lixo. É nisso que consiste o valor agregado
do meu produto: transformar o desperdício em algo novo”.
Mas o grande sucesso do momento são as frutas
liofilizadas, itens que carregam um importante valor agregado. “Uma fruta do
tipo tem durabilidade de 25 anos. É comida de astronauta”, orgulha-se Livânia,
que já tem uma meta de faturamento para 2026. “Quero passar a faturar R$ 40 mil
por mês. Já estamos bem perto disso”, fala.
Melhorar os ganhos é crucial para o sucesso do
negócio que, no último ano, demandou altos custos com investimentos em
equipamentos, como uma fritadeira (R$ 5 mil), uma seladora (R$ 23 mil) e um
liofilizador, adquirido nos Estados Unidos por R$ 60 mil. “É a única máquina do
tipo no Estado”, afirma.
Cachaçaria e a tradição dos engenhos
Em 2009, Ana Sabino e o marido começaram a
fabricação de açúcar mascavo e rapadura no distrito Rio dos Índios, em
Ceará-Mirim. Nascia assim o Engenho Vale Verde, onde hoje se produz a cachaça
San Valle. A ideia surgiu em um churrasco de domingo, após sugestão de um
sobrinho de Ana, que indicou que a fazenda comprada em 2004 pela família se
tornasse o local de produção dos dois primeiros itens.
“Em 2012, anos depois de começarmos o negócio, meu
marido fabricou a primeira cachaça, que era um sonho dele. Foi uma criação em
formato experimental. A San Valle, que fazemos hoje, surgiu somente em 2017,
quando Geraldo se aposentou e se juntou a nós. Muito estudioso e curioso, ele
começou a pesquisar sobre o tema”, conta Ana ao se referir ao sócio, o cunhado
Geraldo Sabino. O lançamento oficial da nova cachaça ocorreu dois anos depois,
em 2019, durante a Festa do Boi, em Parnamirim, com apoio do Sebrae-RN.
“A diferença é que as técnicas tradicionais de
produção de rapadura, açúcar mascavo e cachaça foram adaptadas às boas
práticas, com equipamentos modernos para aperfeiçoamento de processos, inovação
e higienização”, afirma Geraldo.
O local está aberto ao público de segunda a
sexta-feira para degustação e um tour onde é possível entender todo o processo
de criação da bebida. Aos finais de semana, as visitas são feitas mediante
agendamento.
O processo de fabricação das cachaças começa pela
moagem da cana-de-açúcar. Em seguida, o material vai para a fermentação, onde
micro-organismos (leveduras) consomem o açúcar da cana, transformando-o em
álcool e gás carbônico.
Depois de fermentado, o caldo vai para a destilação
e separação, de onde sai a cachaça. “A cada 800 litros de caldo, saem 100
litros de cachaça”, explica Geraldo.
Após a destilação, o produto segue para o
armazenamento (com duração de tempo indeterminado) em tanques de inox de até 30
mil litros e, em seguida, para o envelhecimento por períodos que podem chegar a
até cinco anos em barris como de umburana, jequitibá ou carvalho. Depois do
envelhecimento, a última etapa é o envase.
No engenho são produzidos variados tipos da bebida,
desde a prata – que passa de seis meses a um ano no barril de jequitibá – à
blend cinco madeiras, uma mistura única das cinco versões de cachaças fabricadas
no local. Além disso, há cinco sabores de bebidas mistas e uma linha de
rapaduras com cerca de 15 versões.
Além da venda das bebidas no próprio engenho, as
cachaças são distribuídas em importantes redes de supermercado do RN. “A gente
quer abastecer todo o RN. E queremos fazer com que os potiguares voltem a
consumir rapadura”, revela.
Feito Potiguar
Zeca Melo, superintendente do Sebrae-RN, ressalta
que os negócios que têm como base as culturas tradicionais no Vale do
Ceará-Mirim seguem como a principal fonte produtora da região, mas agora
agregados a novos modelos, como as chamadas culturas exóticas e técnicas de
inovação. Melo destaca ainda que o Sebrae tem como foco o estímulo dos mais
variados perfis, que a partir deste ano, ganham maior robustez com o selo Feito
Potiguar.
“O selo funciona como uma espécie de certificador de
origem e qualidade que reconhece e fortalece a identidade dos produtos
potiguares no mercado. É uma iniciativa que aumenta e fortalece a
credibilidade, abre portas para novos canais de comercialização e diferencia o
produtor em um mercado cada vez mais exigente. Ao reconhecer oficialmente esses
empreendimentos, o Feito Potiguar eleva o padrão competitivo, estimula a
profissionalização e contribui para que produtos exóticos cultivados no RN
ganhem visibilidade e valor, tanto dentro quanto fora do estado”, analisou.

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