quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Negócios no Vale do Ceará-Mirim inovam com beneficiamento enquanto mantêm tradição

 


Felipe Salustino
Repórter

O Vale do Ceará-Mirim tem ganhado notoriedade no Estado por combinar o cultivo de cadeias tradicionais, como a manga, à produção de culturas exóticas, a exemplo do café. Contudo, a região também é destaque por abrigar desde produtores que transformam as culturas locais em produtos inovadores a empreendedores que fazem questão de manter a tradição da região, como os engenhos de cana-de-açúcar. São negócios que têm como característica a agregação de valor e que incorporam uma identidade local, fator que os condiciona à conquista do Selo Feito Potiguar, do Sebrae-RN, importante apoiador dos empreendimentos na região.

Dentre os negócios está o Delícias do Vale, administrado por Livânia Frizon, de 62 anos, com ajuda da família. Nascida no outro extremo do País, a gaúcha criada em Santa Catarina desembarcou em terras potiguares em 1990. “Sou uma das primeiras assentadas do movimento agrário no RN”, conta. Uma década depois da chegada, ela se instalou no Assentamento Rosário, localizado na Agrovila Canudos, em Ceará-Mirim. Livânia relata que o mamão foi o primeiro plantio feito no assentamento por ela e por outros agricultores. “Chegamos a exportar, mas a produção era difícil por conta da invasão de pragas”, relembra.

Atualmente, a produtora segue no assentamento, onde mantém diversas culturas – coco e banana são o carro-chefe, mas há outras sazonais, como feijão, mandioca e macaxeira. Livânia faz o beneficiamento da batata reaproveitada de comerciantes do Mercado da Agricultura Familiar, em Natal, onde se instalou em um dos boxes há oito anos. No espaço, ela atende aos clientes com delícias como os chips de batata doce, frutas caramelizadas e liofilizadas (técnica que consiste na remoção da água de um produto congelado).

O beneficiamento começou quando a empreendedora percebeu que poderia agregar valor às culturas que ela, porventura, iria produzir após encerrar o plantio de mamão. “Pego o coco e a banana de lá [do assentamento], trago, beneficio e vendo aqui [no Mercado]”, diz. No espaço de venda, a variedade de produtos enche os olhos e abraça o paladar. São itens como churrasco e coxinha feitos com massa de batata doce ou macaxeira, chips de batata natural, com lemon pepper e defumado, frutas liofilizadas como manga e abacaxi, banana e coco caramelizados, além de bombons de sabores diversos.

A empreendedora explica que grande parte da produção de cultura perene do assentamento – são cerca 20 mil bananas e 30 mil cocos por mês em cada ciclo –, no entanto, serve para abastecer o mercado local. Para o beneficiamento, aquilo que não é plantado na propriedade, ela compra de outros produtores. “Compro de um produtor aqui do Mercado aquela batata que ele não consegue vender e que iria para o lixo. É nisso que consiste o valor agregado do meu produto: transformar o desperdício em algo novo”.

Mas o grande sucesso do momento são as frutas liofilizadas, itens que carregam um importante valor agregado. “Uma fruta do tipo tem durabilidade de 25 anos. É comida de astronauta”, orgulha-se Livânia, que já tem uma meta de faturamento para 2026. “Quero passar a faturar R$ 40 mil por mês. Já estamos bem perto disso”, fala.

Melhorar os ganhos é crucial para o sucesso do negócio que, no último ano, demandou altos custos com investimentos em equipamentos, como uma fritadeira (R$ 5 mil), uma seladora (R$ 23 mil) e um liofilizador, adquirido nos Estados Unidos por R$ 60 mil. “É a única máquina do tipo no Estado”, afirma.

Cachaçaria e a tradição dos engenhos

Em 2009, Ana Sabino e o marido começaram a fabricação de açúcar mascavo e rapadura no distrito Rio dos Índios, em Ceará-Mirim. Nascia assim o Engenho Vale Verde, onde hoje se produz a cachaça San Valle. A ideia surgiu em um churrasco de domingo, após sugestão de um sobrinho de Ana, que indicou que a fazenda comprada em 2004 pela família se tornasse o local de produção dos dois primeiros itens.

“Em 2012, anos depois de começarmos o negócio, meu marido fabricou a primeira cachaça, que era um sonho dele. Foi uma criação em formato experimental. A San Valle, que fazemos hoje, surgiu somente em 2017, quando Geraldo se aposentou e se juntou a nós. Muito estudioso e curioso, ele começou a pesquisar sobre o tema”, conta Ana ao se referir ao sócio, o cunhado Geraldo Sabino. O lançamento oficial da nova cachaça ocorreu dois anos depois, em 2019, durante a Festa do Boi, em Parnamirim, com apoio do Sebrae-RN.

“A diferença é que as técnicas tradicionais de produção de rapadura, açúcar mascavo e cachaça foram adaptadas às boas práticas, com equipamentos modernos para aperfeiçoamento de processos, inovação e higienização”, afirma Geraldo.

O local está aberto ao público de segunda a sexta-feira para degustação e um tour onde é possível entender todo o processo de criação da bebida. Aos finais de semana, as visitas são feitas mediante agendamento.

O processo de fabricação das cachaças começa pela moagem da cana-de-açúcar. Em seguida, o material vai para a fermentação, onde micro-organismos (leveduras) consomem o açúcar da cana, transformando-o em álcool e gás carbônico.

Depois de fermentado, o caldo vai para a destilação e separação, de onde sai a cachaça. “A cada 800 litros de caldo, saem 100 litros de cachaça”, explica Geraldo.

Após a destilação, o produto segue para o armazenamento (com duração de tempo indeterminado) em tanques de inox de até 30 mil litros e, em seguida, para o envelhecimento por períodos que podem chegar a até cinco anos em barris como de umburana, jequitibá ou carvalho. Depois do envelhecimento, a última etapa é o envase.

No engenho são produzidos variados tipos da bebida, desde a prata – que passa de seis meses a um ano no barril de jequitibá – à blend cinco madeiras, uma mistura única das cinco versões de cachaças fabricadas no local. Além disso, há cinco sabores de bebidas mistas e uma linha de rapaduras com cerca de 15 versões.

Além da venda das bebidas no próprio engenho, as cachaças são distribuídas em importantes redes de supermercado do RN. “A gente quer abastecer todo o RN. E queremos fazer com que os potiguares voltem a consumir rapadura”, revela.

Feito Potiguar

Zeca Melo, superintendente do Sebrae-RN, ressalta que os negócios que têm como base as culturas tradicionais no Vale do Ceará-Mirim seguem como a principal fonte produtora da região, mas agora agregados a novos modelos, como as chamadas culturas exóticas e técnicas de inovação. Melo destaca ainda que o Sebrae tem como foco o estímulo dos mais variados perfis, que a partir deste ano, ganham maior robustez com o selo Feito Potiguar.

“O selo funciona como uma espécie de certificador de origem e qualidade que reconhece e fortalece a identidade dos produtos potiguares no mercado. É uma iniciativa que aumenta e fortalece a credibilidade, abre portas para novos canais de comercialização e diferencia o produtor em um mercado cada vez mais exigente. Ao reconhecer oficialmente esses empreendimentos, o Feito Potiguar eleva o padrão competitivo, estimula a profissionalização e contribui para que produtos exóticos cultivados no RN ganhem visibilidade e valor, tanto dentro quanto fora do estado”, analisou.

 

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