terça-feira, 21 de outubro de 2025

Opinião do Estadão: O show de Janja tem de acabar

 


O que fazia a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, sentada ao lado do marido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa reunião de autoridades no âmbito da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em Roma? O que fazia a senhora Lula da Silva sentada junto com os diplomatas e ministros brasileiros no plenário da ONU durante a recente Assembleia-Geral, em que seu marido discursou?

Considerando que a sra. Janja não exerce nenhum cargo público, são perguntas pertinentes, para as quais não se sabe a resposta. Qualquer que seja a justificativa que o presidente Lula crie para dar à sua mulher tratamento de ministra de Estado e de diplomata, sendo que ela não é nem isso nem aquilo, está clara a confusão entre as esferas pública e privada do presidente. E isso não é permitido num regime republicano.

E já que não há insulto ao qual não se possa adicionar a injúria, o governo tentou, em agosto, dar contornos jurídicos a essa ilegitimidade. No artigo 8.º do decreto presidencial 12.604/2025, o marido de Janja, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, e a ministra da Gestão e da Inovação, Esther Dweck, ampliaram o acesso de Janja aos serviços do Gabinete Pessoal da Presidência da República, completando um ciclo de defesa dos, vamos chamar assim, serviços da primeira-dama – um ciclo iniciado pela orientação normativa da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a atuação da cônjuge do presidente.

Na semana passada, com razão, a oposição apresentou projetos de decretos legislativos – que precisam de maioria simples na Câmara e no Senado para serem aprovados – com o objetivo de desfazer a iniciativa do Palácio do Planalto.

Com ou sem decreto, é tão eloquente quanto constrangedor o esforço desmedido da primeira-dama para exercer influência política e desempenhar papel prático no governo, tarefa para a qual não tem mandato concedido nem pelos eleitores nem pela legislação. Trata-se, em suma, de um poder lastreado exclusivamente por sua condição de cônjuge de Lula. Embora o decreto presidencial tente mostrar algo diferente, o fato incontornável é a incompatibilidade congênita: como Janja é indemissível, porque primeira-dama não é cargo, seu status impreciso suscita sérias dúvidas sobre o papel e a publicidade de seus atos.

Foi assim, por exemplo, que Janja quase causou um incidente diplomático com a China, ao quebrar o protocolo num encontro com o presidente Xi Jinping e falar a respeito dos efeitos da rede social chinesa TikTok sobre as mulheres e as crianças brasileiras. Questionada, a primeira-dama demonstrou absoluta indiferença aos limites legais e rituais de sua atuação: “Não há protocolo que me faça calar”.

Além disso, Janja se imiscui em temas afeitos à equipe econômica, teve participação destacada nos eventos ligados à cúpula do G-20 no Rio e frequentemente compete com ministros formalmente nomeados e remunerados para auxiliar o presidente. Nada disso, obviamente, encontra respaldo na legislação, e é por essa razão que, na falta de bom senso da primeira-dama e de seu marido, deve o Congresso pôr um freio nisso.

Opinião do Estadão

 

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