O que fazia a primeira-dama Rosângela Lula da Silva,
a Janja, sentada ao lado do marido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
numa reunião de autoridades no âmbito da Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO), em Roma? O que fazia a senhora Lula da Silva
sentada junto com os diplomatas e ministros brasileiros no plenário da ONU
durante a recente Assembleia-Geral, em que seu marido discursou?
Considerando que a sra. Janja não exerce nenhum
cargo público, são perguntas pertinentes, para as quais não se sabe a resposta.
Qualquer que seja a justificativa que o presidente Lula crie para dar à sua
mulher tratamento de ministra de Estado e de diplomata, sendo que ela não é nem
isso nem aquilo, está clara a confusão entre as esferas pública e privada do
presidente. E isso não é permitido num regime republicano.
E já que não há insulto ao qual não se possa
adicionar a injúria, o governo tentou, em agosto, dar contornos jurídicos a
essa ilegitimidade. No artigo 8.º do decreto presidencial 12.604/2025, o marido
de Janja, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, e a ministra da Gestão e
da Inovação, Esther Dweck, ampliaram o acesso de Janja aos serviços do Gabinete
Pessoal da Presidência da República, completando um ciclo de defesa dos, vamos
chamar assim, serviços da primeira-dama – um ciclo iniciado pela orientação
normativa da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a atuação da cônjuge do
presidente.
Na semana passada, com razão, a oposição apresentou
projetos de decretos legislativos – que precisam de maioria simples na Câmara e
no Senado para serem aprovados – com o objetivo de desfazer a iniciativa do
Palácio do Planalto.
Com ou sem decreto, é tão eloquente quanto constrangedor
o esforço desmedido da primeira-dama para exercer influência política e
desempenhar papel prático no governo, tarefa para a qual não tem mandato
concedido nem pelos eleitores nem pela legislação. Trata-se, em suma, de um
poder lastreado exclusivamente por sua condição de cônjuge de Lula. Embora o
decreto presidencial tente mostrar algo diferente, o fato incontornável é a
incompatibilidade congênita: como Janja é indemissível, porque primeira-dama
não é cargo, seu status impreciso suscita sérias dúvidas sobre o papel e a
publicidade de seus atos.
Foi assim, por exemplo, que Janja quase causou um
incidente diplomático com a China, ao quebrar o protocolo num encontro com o
presidente Xi Jinping e falar a respeito dos efeitos da rede social chinesa TikTok
sobre as mulheres e as crianças brasileiras. Questionada, a primeira-dama
demonstrou absoluta indiferença aos limites legais e rituais de sua atuação:
“Não há protocolo que me faça calar”.
Além disso, Janja se imiscui em temas afeitos à
equipe econômica, teve participação destacada nos eventos ligados à cúpula do
G-20 no Rio e frequentemente compete com ministros formalmente nomeados e
remunerados para auxiliar o presidente. Nada disso, obviamente, encontra
respaldo na legislação, e é por essa razão que, na falta de bom senso da
primeira-dama e de seu marido, deve o Congresso pôr um freio nisso.
Opinião do Estadão
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