O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do
Norte (TCE-RN) determinou que o Governo do Estado e o Instituto de Previdência
dos Servidores do Estado (IPERN) adotem medidas urgentes para recompor o fundo
previdenciário estadual. A decisão, publicada nesta semana, estabelece que não
apenas recursos financeiros, mas também bens imóveis e outros ativos devem ser
utilizados para garantir a sustentabilidade do sistema previdenciário estadual.
O alerta é claro: sem ações imediatas, o déficit da Previdência pode
comprometer as finanças do Tesouro e afetar serviços essenciais, como saúde e
educação. O Governo informou que não se manifestaria, por ainda não ter sido
notificado pela corte de contas.
Segundo a Lei Complementar Estadual nº 526, de 18 de
dezembro de 2014, bens imóveis dominicais do Estado, de autarquias e fundações
públicas estaduais, participações societárias, créditos previdenciários e
ativos imobiliários podem compor o patrimônio do Regime Próprio da Previdência
Social (RPPS), desde que com regularização jurídica.
Atualmente, o Portal de Imóveis do Governo do RN
(Sipat) registra 3.485 imóveis públicos estaduais, dos quais 400 estão sem
utilização e cerca de 1.500 carecem de legalização. Muitos desses bens estão
desocupados ou subutilizados, representando uma oportunidade de recomposição do
fundo, caso regularizados e alocados corretamente. “É necessário buscar a
regularização desses imóveis para que possam realmente recompor o fundo. Não se
pode postergar mais essa solução, que já está gritando”, afirmou Allan Souza,
auditor e diretor de Controle de Pessoal e Previdência do TCE-RN.
A decisão do Tribunal estabelece prazo de 60 dias
para a apresentação de um plano de ação que contemple medidas como estudo
atuarial, equacionamento do déficit, eventual aumento da alíquota da
contribuição patronal e a utilização legal de bens e imóveis do Estado ou de
entidades vinculadas para reforçar o patrimônio do fundo previdenciário. O
plano deve incluir ainda a efetiva destinação ao Fundo Previdenciário de todos
os ativos e receitas a ele destinados legalmente, incluindo as parcelas
relativas a distribuições de lucros e dividendos eventualmente indevidamente
utilizadas para outros fins em exercícios anteriores, assim como outros imóveis
que possam ser oportunamente alienados.
O TCE-RN também determinou que os rendimentos da
carteira de investimentos do RPPS não sejam utilizados para pagar benefícios
até que o ativo garantidor atinja, no mínimo, o valor da Provisão Matemática
dos Benefícios Concedidos (PMBC), que em 2023 era de quase R$ 31 bilhões.
Atualmente, os ativos garantidores somam apenas R$ 142 milhões, menos de 0,5%
do necessário.
No processo do TCE, o presidente do IPERN, Nereu
Linhares, argumentou que fundos de investimento em renda fixa, participações e
imobiliários são recursos de livre movimentação, utilizados para o pagamento de
benefícios e manutenção do instituto. Ressaltou que a Lei Complementar nº
526/2014 unificou os fundos previdenciários em regime de repartição simples,
sem capitalização, e que a situação financeira estadual é agravada por perdas
de arrecadação e aumento do déficit de outros Poderes.
O alerta do TCE-RN surge diante de dados
preocupantes sobre a situação da previdência estadual. De acordo com o último
Relatório Resumido de Execução Orçamentária em Foco (Estados + DF), publicado
pelo Tesouro Nacional, o déficit do Regime Próprio da Previdência Social – RPPS
potiguar alcançou R$ 1,104 bilhão até junho de 2025, representando 12% da
Receita Corrente Líquida (RCL). O valor é superior ao registrado em 2024,
quando o déficit já havia atingido R$ 873,4 milhões, equivalentes a 10% da RCL.
Certificado
O TCE-RN alerta que, sem recomposição adequada, a
falta de recursos poderá afetar a capacidade de pagamento de aposentadorias e
pensões e colocar em risco transferências federais, já que o Certificado de
Regularidade Previdenciária (CRP), documento emitido pelo Ministério da
Previdência, depende da solvência do RPPS.
O auditor e diretor de Controle de Pessoal e
Previdência do TCE-RN, Allan Souza, explica que a apresentação do plano de ação
para equacionamento do déficit atuarial é essencial para a emissão desse
certificado. “Sem esse plano de ação, não há como o governo conseguir o CRP,
mesmo judicialmente. E isso pode gerar consequências gravosas, como a suspensão
de transferências voluntárias da União e outros impactos previstos na
legislação federal”, afirmou Allan.
Práticas de gestão alimentaram o déficit
O problema identificado pelo TCE decorre de práticas
de gestão que retiraram recursos do fundo previdenciário para cobrir despesas
correntes, contrariando o modelo de capitalização previsto na Constituição
Federal. “Representamos esse tipo de uso indevido porque esses recursos existem
para arcar com despesas de aposentadorias futuras. Um dos princípios do regime
de previdência é o equilíbrio financeiro, que trata do equilíbrio entre
despesas atuais e receitas com contribuições, e também o equilíbrio atuarial,
que prevê a provisão matemática de todas as despesas futuras”, explicou Allan
Souza.
O Ministério Público de Contas (MPC) apoiou
integralmente a decisão, destacando que os recursos do RPPS devem ser
destinados exclusivamente à redução do déficit atuarial e não para custear
despesas correntes. A instituição também sugeriu a aplicação de multa ao
presidente do IPERN por não ter fornecido todas as informações solicitadas
durante a investigação.
Segundo Souza, o cumprimento da decisão do TCE-RN é
essencial para garantir a solvência futura do sistema previdenciário estadual.
“A implementação do plano de ação permitirá que o Estado organize suas
finanças, equilibre as contas atuariais e assegure o pagamento das
aposentadorias e pensões aos servidores públicos”, disse.
Ele ressaltou que os efeitos das medidas adotadas
serão percebidos a médio e longo prazo. “A apresentação do plano não impacta o
equilíbrio financeiro imediato, mas tem efeito no equilíbrio atuarial futuro.
As contas tendem a ficar mais equilibradas de acordo com as providências que
forem adotadas hoje”, afirmou.
O TCE-RN fixou ainda sanções para garantir o
cumprimento da decisão. Caso o plano de ação não seja apresentado dentro do
prazo estabelecido, os gestores poderão ser multados diariamente em R$ 1.000,
além de outras penalidades administrativas, como multa de R$ 10 mil por cada
ato de descumprimento. A relatora da decisão, conselheira substituta Ana Paula
de Oliveira Gomes, reforçou que não agir diante do atual cenário seria colocar
em risco a própria sustentabilidade do pagamento de aposentadorias e pensões a
longo prazo.
O RPPS acumula um histórico de fragilidade
financeira: as reservas do Fundo Previdenciário em regime de capitalização, que
chegavam a R$ 1 bilhão em 2014, foram exauridas, agravando o déficit. O
Demonstrativo de Aplicações e Investimentos dos Recursos (DAIR) de 2023 mostrou
redução de R$ 22 milhões nos recursos do RPPS ao longo do ano. Atualmente, o
dinheiro disponível no fundo representa apenas 0,46% do que seria necessário
para pagar todas as aposentadorias já concedidas. “É um cenário crítico. O
fundo praticamente não tem reservas para o futuro, e o uso dos recursos atuais
para despesas correntes compromete a solvência do sistema”, alertou Allan
Souza.
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