Lula abusa de seu poder
Perto de sua última eleição, Lula faz da Presidência
um palanque permanente para fazer o que realmente gosta: campanha. Por motivo
bem parecido, Bolsonaro foi declarado inelegível
A certeza de que, em 2026, disputará uma eleição
presidencial pela última vez em sua longuíssima vida política parece ter dado a
Lula da Silva a ilusão de que ganhou um salvo-conduto para abusar da lei e da
paciência dos brasileiros. Não ganhou, ao contrário do que ele pensa, mas para
o demiurgo petista isso pouco importa, desde que possa agir e falar sem parar
de acordo com suas intenções eleitorais. E assim ele tem extrapolado todos os
limites aceitáveis ao converter a Presidência da República e os eventos
oficiais em palanque permanente e transformar a posição de chefe de Estado em
condição privilegiada para fazer o que realmente gosta: campanha eleitoral.
Como não governa, Lula faz comícios, disso já se
sabe. Entretanto, o que o País tem visto neste ano é de outra ordem. Na mais
recente reunião ministerial, por exemplo, momento em que, em tese, deveria
discutir com auxiliares ideias e decisões restritas à esfera de governo, Lula
transformou o Palácio do Planalto em arena eleitoral e sua fala de chefe de Estado
em discurso de candidato. Citou nominalmente o provável principal adversário
capaz de tomar-lhe a reeleição (o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas), como quem coloca o dedo em riste contra um inimigo a enfrentar, e
levou seus ministros a vestir bonés com jeito e slogan de caráter eleitoral,
convocando os auxiliares a uma tarefa de cunho claramente partidário. Como se
sabe, ele e seus sabujos estão empolgados com a linha de conflito adotada pelo
governo e pelo PT depois de amargar meses de impopularidade pelo vazio
programático que marca o terceiro mandato.
Não foi o único episódio em modo campanha e,
infelizmente, não será o último. Não há dia ou evento oficial sem que Lula
deixe de fazer referência à sua condição de candidato nas próximas eleições –
mesmo quando é para fingir que pode não levar tal ideia adiante, como se não
tivesse passado os últimos 40 anos pensando apenas na próxima disputa
eleitoral. Não deixou de fazê-lo nem sequer nos meses em que foi um presidiário
condenado por corrupção em duas instâncias. Hoje, nos comícios em atos públicos
– todos na condição de chefe de governo, convém insistir –, ele invariavelmente
ignora abordagens administrativas e a busca efetiva de soluções para os muitos
problemas do País, preferindo desancar adversários, repisar o mote patriótico
do lulopetismo na campanha, difundir realizações do seu governo como quem
reinventou o Brasil e incentivar a militância a aproveitar os bons ventos
trazidos pelo tarifaço de Donald Trump.
É o exato contrário do que manda a liturgia do cargo
de presidente, mas coerente com quem se enxerga acima do bem, do mal e da lei.
Afinal, Lula não parece contente em ser apenas um enviado de Deus, com assim já
se definiu, ou comparado a um novo messias, como também já se apresentou
diversas vezes. Com alguma frequência perfila-se com grandes heróis da história
nacional, de Tiradentes a Getúlio Vargas, de modo a ilustrar o quanto se sente
como a personificação do povo e seus anseios. Esse panegírico só serve para
mostrar que Lula é mesmo incorrigível, um vício de origem que se agravou com o
iminente fim de sua carreira eleitoral. Em outubro de 2026, Lula terá 81 anos e
até mesmo os petistas já se preparam para chegar o momento em que precisarão
trabalhar sem seu campeão de votos, posto que o chefão passará a ser apenas uma
inspiração ou um retrato na parede.
Mas antes que esse momento chegue – infortúnio da
militância do PT e alívio de um Brasil que gostaria de ver a política
brasileira sem as amarras da polarização entre o lulopetismo e o bolsonarismo
–, convém ter cuidado. Recorde-se que o Tribunal Superior Eleitoral tornou Jair
Bolsonaro inelegível porque enxergou abuso de poder na reunião do então
presidente com embaixadores estrangeiros, em pleno Palácio da Alvorada. À
época, Bolsonaro usou o encontro para deslegitimar o sistema eletrônico de
votação. Hoje Lula usa as reuniões no Palácio do Planalto para deslegitimar
outras coisas: a Presidência que exerce e as leis eleitorais que restringem
seus delírios palanqueiros. Não há outro nome a chamar: abuso de poder.
Opinião do Estadão
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