Cláudio Oliveira
Repórter
O quadro de servidores públicos do Rio Grande do
Norte enfrenta um processo de envelhecimento e redução, provocado pelo
crescimento das aposentadorias e pela limitação do Estado em contratar novos
profissionais. A situação acende um alerta em setores estratégicos como
segurança, saúde e educação, onde o déficit funcional já compromete o
atendimento à população. Para a Secretaria Estadual de Administração (SEAD), o
problema é, antes de tudo, demográfico e se reflete em graves dificuldades
financeiras. A expectativa é de que, nos próximos dez anos, 16 mil servidores
se aposentem.
Mas, para a SEAD, o vácuo deixado por eles poderá
ser preenchido se as próximas gestões equilibrarem a reposição de quadros com responsabilidade
fiscal e estímulo para que os servidores permaneçam em atividade. “Em um modelo
ideal, deveríamos ter quatro servidores ativos para cada aposentado. Hoje,
trabalhamos praticamente na proporção de um para um, o que é matematicamente
insustentável”, explicou o titular da pasta, Pedro Lopes.
Os números mostram o crescimento acelerado da folha
previdenciária. Em 2010, o Estado tinha 24.204 aposentados e 9.099
pensionistas, totalizando 33.303 beneficiários. Até agosto de 2025, já eram
47.637 aposentados e 12.977 pensionistas, num universo de 114.640 servidores.
“Em 15 anos, quase dobramos esse contingente, com aumento de quase 24 mil
aposentados e cerca de 4 mil pensionistas. Esse crescimento explica o aumento
dos gastos, que não decorrem só de reajustes ou benefícios, mas principalmente
do número de pessoas que passaram à inatividade”, observou.
Apesar do aumento, o secretário aponta que há sinais
de estabilização, uma vez que o ritmo anual de novas aposentadorias caiu e hoje
está na faixa de 1.800, quando já chegou a 2.500 entre 2010 e 2020. Além disso,
em algumas categorias, o número de falecimentos já supera o de novas
aposentadorias, o que pode indicar uma tendência de queda natural no total de
beneficiários no decorrer dos próximos dez anos.
“Como o número de aposentadorias vem diminuindo,
estimo que, no ciclo de 6 a 10 anos, a média deve cair para 1.500, podendo
estimar 16 mil aposentadorias nos próximos 10 anos”, disse o secretário. Para
ele, essa curva é positiva, pois tende a equilibrar gradualmente o sistema.
“Nesse período, estatisticamente deveremos ter redução de ao menos o mesmo
número de aposentadorias por óbitos, mantendo estável o quantitativo, com
tendência de queda”, enfatiza.
Porém, enquanto um grande contingente de servidores
deixa o serviço para se aposentar, o governo tem dificuldade de preencher a
lacuna deixada por eles para manter os serviços. É aí que entra o
comprometimento da Receita Corrente Líquida (RCL) com pessoal, que está em 55%,
acima do limite legal de 49% previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF),
que impede o governo de realizar novas contratações.
O secretário, no entanto, acredita que até 2030 será
possível reduzir esse índice para dentro do limite, conforme previsto na Lei
Complementar nº 173/2021. “Nosso governo recebeu o comprometimento de 63% e já
baixou para 55%. A projeção é encerrar a gestão em 2026 entre 54% e 55%. Se
essa política for mantida, em 2030 o RN pode chegar ao nível ideal”, afirmou.
Sindicatos estaduais temem colapso
O déficit de servidores públicos no Rio Grande do
Norte preocupa sindicatos que representam trabalhadores na ponta do serviço
público. Na saúde, a diretora do Sindsaúde/RN, Jamile Gibson, alerta que a
situação, já crítica, tende a se agravar. “Calculamos que centenas de
trabalhadores podem deixar a ativa nos próximos cinco anos, aumentando ainda
mais o déficit. Muitos hospitais e unidades básicas funcionam no limite, com
equipes reduzidas, escalas incompletas e jornadas extenuantes”, afirma.
Embora não haja levantamento preciso sobre o número
de profissionais prestes a se aposentar, Jamile ressalta que a população será a
mais afetada. “Menos trabalhadores significa filas mais longas, maior tempo de
espera por consultas, exames e cirurgias, além de atendimento menos humanizado.
Quem sofre é a população que depende exclusivamente do SUS, especialmente a
mais pobre”, destaca.
Na segurança pública, o cenário também é
preocupante. O presidente do Sindicato dos Policiais Civis do RN (Sinpol),
Nilton Arruda, lembra que a categoria convive há décadas com déficit funcional.
“Chegamos a trabalhar com apenas 23% do efetivo previsto em lei. Hoje, estamos
com apenas 34% dos cargos ocupados”, explica. Mesmo com convocações de
aprovados em concursos, o problema persiste: cerca de 30% dos novos policiais
pediram exoneração, e muitos estão aptos a se aposentar.
Nos próximos dois anos, segundo Nilton, 547
policiais civis poderão entrar para o quadro de inativos, impactando
diretamente a segurança estadual se essas vagas não forem repostas. “Mais da
metade dos crimes ficam sem investigação. Muitos homicídios ficam impunes, e
crimes complexos tendem à impunidade, apesar do esforço dos policiais”, prevê.
Apesar disso, Arruda acredita que não haverá um “apagão” no serviço público,
mas alerta que, se o cenário não mudar nos próximos cinco anos, a
sustentabilidade física e psicológica da categoria ficará comprometida.
O secretário de Administração, Pedro Lopes,
reconhece que a reposição de servidores é necessária, mas avalia que mudanças
demográficas e tecnológicas reduzem a necessidade de mão de obra em algumas
áreas. “Na educação, por exemplo, a redução de nascimentos implica em menos
alunos e menor demanda por professores e salas de aula nas próximas décadas”,
diz.
No entanto, a educação enfrenta crescimento de
professores temporários, que saltou de 548 em 2018 para 6.094 atualmente,
aumento de cerca de 1.000%, segundo o Sistema Integrado de Gestão de Educação
(Sigeduc), devido à falta de concursos na última década. O concurso mais
recente ofereceu mais de 700 vagas, representando pouco mais de 11% do número
de temporários. Atualmente, o Estado possui 15.828 professores efetivos.
Déficit pressiona previdência do estado
O desequilíbrio entre servidores ativos e
aposentados no Rio Grande do Norte é um problema estrutural antigo. Segundo o
presidente do Ipern, Nereu Linhares, “em 1965 já se falava sobre isso. Hoje, o
número de ativos é menor que o de aposentados, e o déficit é inevitável”.
Linhares explica que a situação também impacta a
Previdência estadual. “O governo precisa repor vagas na medida do possível,
para manter contribuições, mas o número de inativos cresce e o Tesouro precisa
suprir o déficit”, afirma. Ele defende revisão periódica da reforma
previdenciária, sugerindo intervalos de cinco anos para manter a
sustentabilidade do sistema, embora o governo não planeje mudanças imediatas.
A Lei de Responsabilidade Fiscal limita contratações,
permitindo apenas reposição gradual em áreas essenciais. “O Estado vive no
limite prudencial. Só contrata para serviços essenciais, pagando a conta de uma
época em que havia excesso de contratações”, destaca Linhares.
Atualmente, está em elaboração um plano de ação
junto aos demais poderes, conforme exigência do Tribunal de Contas. O documento
deve incluir estudo atuarial, equacionamento do déficit, eventual aumento da
contribuição patronal, uso legal de bens e imóveis e cronograma de aportes.
A idade média dos aposentados é de 69 anos e,
considerando a expectativa de vida de 74 anos para homens e 79 para mulheres,
eles permanecerão na folha por cerca de oito anos. Para reduzir o impacto das
aposentadorias, o secretário de Administração, Pedro Lopes, cita políticas de
estímulo para que servidores permaneçam na ativa, como o abono de permanência.
“Em 2010, 1.754 servidores recebiam abono. Hoje, são 3.615, profissionais que
poderiam ter se aposentado, mas seguiram trabalhando”, explica.
O desafio, segundo Lopes, é equilibrar reposição de
quadros, responsabilidade fiscal e estímulo à permanência. “Não há solução a
curto prazo, mas a tendência é de estabilização. É essencial que os próximos
governos mantenham disciplina fiscal e políticas de estímulo positivas”,
acrescenta.
Segundo dados do Ipern, o RN tem 114.640 servidores,
dos quais 54.026 estão na ativa (47,13%) e 47.637 aposentados, com 12.977
pensionistas (52,87%). “Já temos mais aposentados que ativos. Se fosse para
falar em apagão, ele já estaria acontecendo”, alerta Linhares.
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