Cláudio Oliveira
Repórter
O aumento da alíquota do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) de 18% para 20%, em vigor desde o mês de abril,
garantiu um acréscimo de R$ 691 milhões à arrecadação bruta do Rio Grande do
Norte nos oito primeiros meses do ano. O montante, no entanto, não trouxe o
alívio esperado às finanças estaduais, pressionadas pelo crescimento acelerado
das despesas e por passivos herdados de anos anteriores. Nas últimas semanas, o
RN viu sintomas da crise financeira: a continuidade do não repasse referente
aos empréstimos consignados e um déficit milionário nas contas da saúde.
No comportamento mensal, os números mostram que a
arrecadação se manteve acima de 2024 na maioria dos meses, especialmente a
partir de abril, quando os efeitos da nova alíquota passaram a se refletir com
maior intensidade: abril registrou R$ 785,3 milhões, frente a R$ 652,1 milhões
no mesmo mês do ano passado. Em julho e agosto, o avanço foi ainda mais expressivo:
R$ 807,2 milhões e R$ 845 milhões, respectivamente, contra R$ 682,4 milhões e
R$ 710,5 milhões nos mesmos meses de 2024. Com isso, o acréscimo acumulado na
arrecadação entre janeiro e agosto chegou a R$ 691 milhões em comparação com o
mesmo período de 2024.
Apesar da alta, os números não significam melhora
estrutural nas contas estaduais. De janeiro a junho, as despesas com pessoal e
encargos cresceram quase R$ 1 bilhão, atingindo R$ 7,43 bilhões em 2025. O
crescimento reflete novos reajustes salariais concedidos.
O auditor fiscal e secretário executivo da Fazenda
Estadual (Sefaz/RN), Álvaro Bezerra, diz que os ganhos com o ICMS ainda não se
traduzem em equilíbrio orçamentário. “Do primeiro semestre, apenas dois meses
foram impactados mais diretamente pela alíquota de 20%, maio e junho. O que
ocorre é que, com o volume de dívidas acumuladas de 2024, quando a alíquota
ainda era 18%, associado ao crescimento natural da despesa, se tem a
dificuldade”, avalia.
Ele relembra que a mudança foi uma medida de compensação
diante das perdas causadas pelas Leis Complementares 192 e 194, de 2022, que
fixaram teto de 18% para combustíveis, energia e telecomunicações. “A perda
acumulada com as leis atingiu R$ 2,3 bilhões até agosto passado. A alíquota de
20% era para ajudar a compensar essa perda”, acrescenta.
A estratégia de retomar o ICMS a esse percentual,
por enquanto, só produziu efeitos parciais. Enquanto a receita cresceu, as
despesas obrigatórias aumentaram: juros e encargos da dívida subiram, enquanto
os investimentos recuaram de R$ 157 milhões em 2024 para R$ 138 milhões em
2025. O contraste mais evidente aparece na saúde: segundo a Promotoria de
Defesa da Saúde do Ministério Público, os gastos da área caíram 68% no primeiro
semestre, o equivalente a R$ 673 milhões a menos que no ano anterior. O valor,
como se observa, é quase equivalente ao acréscimo do ICMS com a alíquota de
20%.
A situação levou a Secretaria de Saúde a admitir
medidas emergenciais, como empréstimos de insumos de outros órgãos para manter
leitos de UTI em funcionamento. Paralelamente, os repasses de consignados
seguiram atrasando e acumulando R$ 73,5 milhões apenas com o Banco do Brasil,
segundo o secretário da Fazenda, Carlos Eduardo Xavier, informou na Assembleia
Legislativa do Estado, com previsão de retomar o pagamento mensal a partir
deste mês de setembro e quitar as pendências até dezembro.
A Sefaz reforçou a versão do secretário Álvaro
Bezerra. Em nota, a pasta diz que os efeitos do reajuste do ICMS só começaram a
ser sentidos a partir de maio de 2025 e que, em 2024 e no primeiro quadrimestre
de 2025, a arrecadação continuou refletindo a alíquota anterior de 18%. “Nesse
período, o Estado já enfrentava uma situação financeira delicada, marcada por
um elevado volume de débitos acumulados.”
A pasta destacou ainda que a medida “foi adotada
para mitigar as perdas de receita causadas pelas Leis Complementares nº 192 e
nº 194, de 2022, que fixaram um teto de 18% sobre combustíveis, energia
elétrica e serviços de telecomunicações”. Segundo a nota, essas alterações
representaram uma redução significativa na arrecadação. A pasta reforça que a
elevação “tem caráter compensatório e chega de forma tardia frente ao passivo
financeiro já enfrentado”.
Crise é estrutural, dizem economistas
Apesar do incremento de R$ 691 milhões na
arrecadação do ICMS de janeiro a agosto de 2025 no RN, especialistas apontam
que o problema nas finanças vai além da entrada de recursos extras e está
ligado a fatores estruturais que comprometem a sustentabilidade fiscal do Estado.
Para o economista e professor da UFRN, Thales Penha,
a política de isenções fiscais é um dos fatores que limita o impacto da
elevação do ICMS. “O Rio Grande do Norte tem uma grande carga de isenção
fiscal, então nem todo setor é afetado pelo aumento de alíquota. O efeito desse
aumento tem um poder muito brando, por causa desse monte de isenção fiscal que
a gente tem”, afirma.
Ele lembra que setores estratégicos, como indústrias
ligadas ao Proedi (Programa de Estímulo ao Desenvolvimento Industrial do RN) e
grandes atacadistas, possuem regimes diferenciados. “Algumas empresas do setor
industrial beneficiadas praticamente não pagam ICMS. Há a justificativa de
geração de empregos, mas é preciso avaliar se compensa”, pontua.
Outro ponto destacado pelo economista é o peso da
folha de pessoal. Para ele, a descoordenação administrativa amplia distorções
entre categorias e pressiona o orçamento. “A gente precisa de professor, de
enfermeiro, mas algumas carreiras muito poderosas conseguem reajustes altos, o
que gera um efeito cascata. Isso vai tornando insustentável a despesa com
pessoal em relação à receita”, afirma. Sem rever as renúncias fiscais e
reorganizar carreiras, ele acredita que o RN permanecerá com baixa capacidade
de investimento, comprometendo áreas-chave como infraestrutura, essenciais para
ampliar o crescimento econômico.
Na mesma linha, o economista Robespierre do
O’Procópio observa que o ganho de receita foi rapidamente engolido pelo aumento
das despesas permanentes. “Na prática, o governo garantiu a elevação da
alíquota, mas ao mesmo tempo concedeu aumentos salariais e manteve a folha como
prioridade absoluta. Hoje, os gastos com servidores e encargos consomem perto
de oito em cada dez reais do orçamento, restando pouco espaço para investir em
saúde e infraestrutura”, resume.
O governo até implementou a Política Salarial
Permanente, sancionada no início do ano, que organiza carreiras de 63,7 mil
servidores e garante recomposição de perdas, mas essa só deve fazer efeito em
2026, segundo o secretário executivo da Sefaz e auditor fiscal, Álvaro Bezerra.
“Os efeitos dela para fins de controle da folha, limitada a 80% do crescimento
da receita corrente líquida, só começam em 2026”, explicou.
O economista Robespierre avalia que o Estado está
“gastando na frente”. “Toda vez que entra um recurso novo, ele já está
comprometido com a folha de pagamento e outras obrigações. Isso reduz
drasticamente a capacidade de investimento, significa menos obras, menos
modernização dos serviços públicos e menos estímulos à economia local”,
completa.
Essa política, segundo avalia, compromete não apenas
o presente, mas também o futuro do Estado, porque o aumento do imposto trouxe
fôlego momentâneo, mas foi rapidamente consumido por despesas permanentes. “A
população não sente melhora: ainda há desabastecimento de hospitais, atrasos em
repasses de consignados e queda dos investimentos públicos. Em termos simples,
o Estado está gastando na frente.”
- Arrecadação
bruta do ICMS no RN
2025
- Janeiro:
R$ 756.974.122,55
- fevereiro:R$
751.416.118,05
- março:
R$ 638.550.834,24
- abril:
R$ 785.321.721,91
- maio:
R$ 744.445.702,70
- junho:
R$ 724.221.998,90
- julho:
R$ 807.232.473,26
- agosto:
R$ 845.001.840,97
2024
- Janeiro:
R$ 795.184.416,49
- fevereiro:R$
601.929.038,76
- março:
R$ 607.711.364,13
- abril:
R$ 652.115.084,47
- maio:
R$ 626.477.792,11
- junho:
R$ 685.909.339,75
- julho:
R$ 682.468.372,36
- agosto:
R$ 710.540.258,17
Fonte: Portal da Transparência/RN
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