Há dez anos, a aposentada Ivaneide Fernandes, 67
anos, recebe gratuitamente dois medicamentos que a ajudam a conviver com a
diabetes e a hipertensão. O benefício vem do Programa Farmácia Popular, do
Governo Federal, mas ela percebe que as opções para retirar os remédios têm
diminuído. “Não é em toda farmácia que posso pegar. E cada vez há menos lugares
onde posso buscar”, relata.
A percepção de dona Ivaneide se confirma nos
números. Após retomar a obrigatoriedade da renovação anual do credenciamento,
suspensa desde 2018, o Ministério da Saúde anunciou o descredenciamento de
9.180 farmácias em todo o país. No Rio Grande do Norte, 137 estabelecimentos
foram excluídos, sendo 43 por não atender critérios exigidos e 94 por baixa de
CNPJ. Natal foi a cidade mais impactada, com 71 farmácias fora do programa.
Outras 31 cidades também perderam unidades credenciadas, entre elas Parnamirim
(11), Ceará-Mirim (7), Assú (4) e Currais Novos (4).
Segundo o farmacêutico Cesimar Lourenço, que
trabalha em uma unidade participante em Natal, o programa funciona como
complemento ao atendimento das Unidades Básicas de Saúde. “Ele facilita o
acesso da população aos medicamentos gratuitos. Como muitas UBS não têm todos
os remédios, a Farmácia Popular faz esse papel secundário”, explica.
O programa contempla 12 tipos de medicamentos,
voltados para tratamento de hipertensão, diabetes, asma, osteoporose,
dislipidemia (colesterol alto), rinite, doença de Parkinson, glaucoma, diabetes
associada a doenças cardiovasculares e anticoncepção. Também disponibiliza
fraldas geriátricas para pessoas com incontinência e absorventes higiênicos
para beneficiárias do Programa Dignidade Menstrual.
Para manter o credenciamento, as farmácias precisam
cumprir exigências como presença de farmacêutico, conferência de documentação
do paciente e prescrição médica adequada. “Muitas não atentam para isso e
acabam descredenciadas”, diz Cesimar.
A presidente do Sincofarn (Sindicato do Comércio
Varejista de Produtos Farmacêuticos do RN), Diva Dutra, afirma que a exclusão
em larga escala tem efeito direto na vida dos pacientes. “O impacto imediato é
a redução de pontos para retirada de medicamentos gratuitos ou subsidiados em
municípios e bairros onde as farmácias descredenciadas eram referência”,
pontua.
Ela alerta que, para pacientes crônicos — como
hipertensos, diabéticos e asmáticos —, a perda de unidades credenciadas pode
gerar deslocamentos maiores, filas mais longas e até interrupção do tratamento.
Por outro lado, reconhece que a exigência de renovação e a apresentação de
documentação são medidas legítimas, sobretudo após a detecção de
irregularidades em grandes redes. “Na prática, porém, houve falhas que explicam
parte dos números: prazos pouco claros para recadastramento, instabilidade dos
sistemas eletrônicos e envio incorreto de informações por parte de
empresários”, avalia.
Diva acredita que os números divulgados pelo
Ministério da Saúde ainda podem ser revistos. Ela ressalta que nenhuma farmácia
associada ao sindicato foi descredenciada e que, se por um lado, a perda do
credenciamento afeta o faturamento e a sustentabilidade de estabelecimentos de
menor porte, por outro, retira das comunidades um serviço social importante.
“As farmácias populares garantem acesso a medicamentos para populações vulneráveis,
com atendimento próximo e suporte farmacêutico local”, afirma.
Para dona Ivaneide, que já sofreu um infarto, o
programa é fundamental, mas poderia ser mais abrangente. “Eu tomo oito
medicamentos, mas só recebo dois. O governo libera os mais baratos, mas poderia
incluir também os que mais pesam no bolso, principalmente para quem é idoso,
aposentado e gasta muito com remédios”, sugere.
O Ministério da Saúde foi procurado para esclarecer
se a quantidade de farmácias excluídas compromete o atendimento e acesso dos
pacientes aos remédios. A pasta, no entanto, informou que não haveria tempo
hábil para responder até o fechamento desta edição.
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