Bruno Vital
Repórter
O professor Rubens Ferreira de Paiva Junior, 32,
condenado a 18 anos de prisão por matar e enterrar a ex-aluna Letícia Dyrajaya
da Silva Leão, 24, no quintal da casa dele, recebeu R$ 174.411 em remunerações
do Estado do Rio Grande do Norte pelo exercício do cargo de docente em uma
escola estadual em Rio do Fogo, entre agosto de 2021 e julho de 2024, período
em que já estava condenado e preso. Nomeado pelo Estado em fevereiro de 2020, o
professor de física e robótica só apareceu na unidade para tomar posse, em 12
de março daquele ano, e nunca deu uma única aula.
Rubens foi preso em 27 de maio de 2020, dias após o
cometimento do crime, praticado no Jardins, São Gonçalo do Amarante. Ele ficou
na cadeia preventivamente até a Justiça proferir a sentença de 18 anos, momento
no qual o professor começou a cumprir a execução penal. Entre a condenação por
feminicídio e a suspensão salarial se passaram três anos até que o Estado
notasse a ausência do servidor.
Considerando o período em que esteve preso
preventivamente, Rubens ficou quatro anos e três meses fora do radar do Estado
– com remuneração total de R$ 231.958,20, incluindo salários, gratificações
natalinas, férias e 13º. A progressão para o regime semiaberto está prevista
para o próximo mês de setembro.
O “desaparecimento” de Rubens Ferreira foi
comunicado à Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e do Lazer (SEEC),
por meio da 5ª Direc, ainda em novembro de 2020 – oito meses após a posse. Em
ofício, a direção da Escola Estadual Dom Eugênio Sales avisa que o professor se
apresentou para a posse, mas “não compareceu para realizar atividades
recorrentes ao planejamento e execução de suas atividades desta instituição de
ensino, sendo este o único dia presente na referida escola”.
Quase cinco anos depois, a SEEC deu início ao
processo de solicitação de abertura de uma sindicância para apurar a ausência
do professor. Em janeiro de 2025, um despacho da pasta reconheceu que não
constavam registros da “última alocação e nem de quando o servidor foi alocado
pela primeira vez” tampouco havia solicitações de licenças ou afastamentos. O
caso foi classificado como “Fora de Exercício” na Secretaria e foi identificado
após a conclusão do Censo dos Servidores Públicos da Educação, ao qual Rubens
Ferreira evidentemente não respondeu por estar preso.
A movimentação interna de averiguação do caso revela
que até o dia 9 de junho deste ano, a Secretaria de Educação não sabia que
Rubens Ferreira estava sob a gestão do próprio Estado, através da Secretaria de
Estado de Administração Penitenciária (Seap). “(…) diante de várias diligências
e buscas, o servidor (a) se encontra em local desconhecido ou incerto”, diz
trecho do despacho, que solicita a citação do professor em Diário Oficial sobre
a abertura do processo administrativo.
Dias depois, em 17 de junho deste ano, a citação é
publicada em Diário Oficial. “(…) faz saber o servidor Rubens Ferreira de Paiva
Junior, que tramita nesta Secretaria, na Comissão Permanente de Sindicância, o
Processo Administrativo, que não tendo sido encontrado para citação pessoal,
fica citado para todos os atos e efeitos do referido processo, ficando intimado
a comparecer a esta Comissão, na Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e
do Lazer, para prestar esclarecimentos concernentes ao referido processo”.
O que diz o Estado
A
reportagem da TRIBUNA DO NORTE tentou contato com a titular da SEEC, Socorro
Batista, mas a gestora preferiu não gravar entrevista. Em nota, a secretaria
confirmou que “o professor Rubens Ferreira de Paiva Júnior teve seus
vencimentos suspensos em junho de 2024, após a identificação de sua ausência
pelo Censo da Rede Estadual de Ensino — iniciativa da atual gestão voltada ao
aprimoramento do controle de pessoal da Secretaria”.
A secretaria reforçou que trabalha para verificar as
circunstâncias que contribuíram para a não identificação prévia da situação e
para definir as devidas responsabilidades. “O caso reforça a relevância das
medidas de transparência, rigor e eficiência implantadas nos últimos anos. O
Censo da Rede Estadual é uma ação estratégica, com o objetivo de corrigir
distorções históricas e fortalecer os processos administrativos, promovendo um
serviço público mais justo, eficiente e comprometido com o interesse da
sociedade”, complementa a nota do Estado.
O secretário de Estado da Administração (Sead),
Pedro Lopes, explicou que as informações sobre o exercício da profissão não são
de competência da pasta. “A folha do Estado é processada no sistema Ergon. A
base da informação, tanto a inicial como as alterações dos assentamentos
funcionais, é prestada pelos órgãos de origem, cabendo a Sead a implantação e
em seguida a elaboração da folha de pagamento mensal. Pela Sead não temos
informação se um servidor está trabalhando, se faltou. Tudo isso é processado
pelos órgãos de origem e alimentando no Ergon pelos seus respectivos setores de
recursos humanos”.
A reportagem da TN também entrou em contato com a
defesa que representou Rubens Ferreira no caso do feminicídio, mas a equipe não
advoga mais para o professor.
O crime
De
acordo com as investigações da Polícia Civil e MPRN, Rubens e Letícia se
conheceram em uma escola privada e mantiveram um relacionamento extraconjugal
por um ano enquanto ele ainda era casado. A esposa descobriu a traição e os
dois se separaram. Após o rompimento, a estudante acreditava que o professor
assumiria a relação, motivado justamente pela descoberta da então esposa. À
Polícia Civil, Rubens confessou o crime e declarou que sofria pressão da vítima
para que o relacionamento fosse “oficializado”.
O promotor de Justiça Fausto França, que acompanhou
o caso, quando atuava na comarca de São Gonçalo do Amarante relembra as
circunstâncias do início do relacionamento dos dois. “Ele era professor de
várias escolas, de escola técnica, conheceu ela, mas era casado, tinha filho, e
teve esse relacionamento com ela. Aconteceu que a esposa do Rubens descobriu.
Ele estava tomando banho, deixou o celular de bobeira, a mulher viu uma
mensagem, e se separou dele. Ele confessou à esposa que tinha realmente esse
relacionamento com a Letícia”.
No entendimento da investigação, foi esse sentimento
de esperança que motivou Letícia a aceitar o convite para ir à casa de Rubens,
na noite de 15 de maio de 2020, quando foi brutalmente assassinada por asfixia
e cutiladas e enterrada no quintal da residência do professor. “Na cabeça da
Letícia, uma vez que ele tinha deixado a esposa, ela estava feliz porque agora
ele iria assumi-la”, diz França. A promotoria se baseia nesse aspecto para
apontar a premeditação do crime “Ele não tinha mais nada com ela, então chamou
ela para quê?”, completa.
Após matar Letícia, Rubens a enterrou em uma cova no
quintal, com uma pá emprestada. O crime foi desvendado dez dias após o
desaparecimento da vítima. Ainda segundo a Civil e o MP, após os crimes, o
professor acessou o celular da vítima e enviou uma mensagem para a família de
Letícia e escreveu uma carta de despedida, se passando pela própria vítima,
dando a entender que o caso tratava-se de um suicídio. À época, a situação era
tratada como desaparecimento.
Os investigadores descobriram a mentira após uma
visita ao condomínio de Rubens. Depois de uma entrevista, na saída da casa, um
dos agentes notou um quadrado de terra, de coloração diferente, como se
estivesse sido recentemente remexida. A dupla de policiais civis questionou
Rubens, que, encurralado, confessou o crime. Ele foi preso em flagrante pelo
crime de ocultação de cadáver e desde então está preso.
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