Principal nome do combate ao Primeiro Comando da
Capital (PCC) no país, o promotor de Justiça Lincoln Gakiya está pessimista. A
facção nascida nos presídios paulistas nunca teve um tamanho parecido ao de
hoje — em faturamento, presença internacional e infiltração na economia formal
— em seus mais de 20 anos de atuação no Grupo de Atuação Especial de Repressão
ao Crime Organizado de Presidente Prudente, do Ministério Público de São Paulo.
Gakiya comemora os resultados da megaoperação contra o PCC, mas diz acreditar
que, sem uma agência nacional que coordene as ações de combate, o país não irá avançar.
Se nada de diferente for feito, avalia, o Brasil pode se tornar um narcoestado
nas próximas décadas.
A megaoperação que revelou o elo do PCC com o setor
de combustíveis mostrou que, depois de controlar o tráfico internacional de
drogas e contratos no setor público, o crime organizado se infiltrou no setor
financeiro. O que ficou evidenciado com a operação?
Veja, não foi só com essa operação. Desde a Operação
Sharks, detectamos a presença de fintechs que ajudavam a mandar o dinheiro do
PCC através de doleiros para o Paraguai. Outras operações também demonstraram
isso. No caso da Carbono Oculto, ficou claro que é uma operação bem mais
sofisticada, porque não envolve apenas o PCC, mas também organizações
criminosas que agem em conjunto com o PCC na adulteração de combustível,
sonegação de impostos e fraude ao consumidor.
O esquema de lavagem de dinheiro serve ao PCC, mas
não é exclusivo dele. Que outros grupos criminosos se valem destes mecanismos?
É toda sorte de criminosos. A máfia dos combustíveis
não é formada só pelo PCC. Às vezes, há empresários que não são batizados pelo
PCC, mas que operam em associação à facção ou mantêm negócios com ela. Esses
criminosos procuram facilidades e baixo risco, e é isso que encontram nessas
fintechs.
O senhor pode detalhar a conexão dos acusados na
Operação Carbono Oculto com o PCC?
Não posso detalhar, porque essa operação não é
minha, é de colegas do MP. Mas, genericamente, havia empresários no setor de
combustível — refinarias, usinas, importação de metanol e outros componentes —
que acabaram se ligando a integrantes do PCC. Empresários ligados ao PCC ou que
se associaram a integrantes da facção atuavam seja nos postos, seja na compra
de usinas.
O PCC começou a lavar dinheiro há pelo menos uma
década comprando postos de gasolina e agências de automóveis. É possível saber
em quantos setores da economia formal o PCC está hoje?
Não, é impossível. O PCC já pode ser classificado
como uma organização mafiosa. Não precisa mais da ostensividade da violência,
exibindo fuzis e praticando crimes cinematográficos. Ele já passou dessa fase,
está ganhando muito dinheiro, principalmente com o tráfico internacional de
cocaína para a Europa. Esse dinheiro volta e precisa entrar na economia formal.
Antigamente, o PCC montava empresas de fachada, mais simples de detectar.
Agora, as empresas são lícitas, têm funcionários, prestam serviços reais e têm
capital da facção. É muito difícil dimensionar em que negócios o PCC está. É mais
fácil dizer em qual ramo da economia ele não está.
No ano passado, houve incêndios em plantações de
cana no interior de São Paulo e cogitou-se a hipótese de episódios criminosos.
Há relatos de que a facção ameaça proprietários de fazendas para comprar terras
mais baratas. Essa investigação esclareceu isso?
É preciso separar o joio do trigo. Nem todo o setor
de usinas, inclusive nessa operação, é operado diretamente pelo PCC. Há
conexões com a facção. Agora, há relatos de proprietários de usinas e postos que
foram ameaçados ou constrangidos a vender seus negócios para grupos criminosos
ligados ao PCC. O PCC está associado a alguns grupos, mas há uma máfia gigante
no setor de combustíveis que precisa ser apurada.
Como funciona essa ligação com o PCC?
O empresário é batizado no PCC? É integrante ou
líder? Me parece que não. Ele pode estar associado, sem ser integrante da
facção — e estou falando aqui genericamente, não de uma operação. Vinícius
Gritzbach, por exemplo, não era integrante do PCC, mas operava para ele, sendo
um elo essencial. No caso das usinas, para adulterar combustível, vender
combustível adulterado ou fraudar notas fiscais, era preciso se associar a quem
estava na ponta. O PCC tem integrantes atuando em postos de combustíveis. Se o
empresário A ou B é integrante do PCC, os colegas que vão dizer. O resultado é
o mesmo: uma cadeia logística criminosa operada pelo PCC.
Ventilou-se a possibilidade de a operação chegar a
políticos. Isso vai acontecer?
O PCC tem todo o interesse, estando na economia
formal, de participar dessa fatia do bolo, ou seja, de licitações ou dos
negócios públicos. Quando você elege representante, seja no Legislativo, seja
no Executivo, você vai cobrar a conta depois. No ano que vem, teremos campanhas
e é bem possível que o PCC também esteja financiando algum candidato.
O ministro Fernando Haddad anunciou que as fintechs
serão enquadradas como instituições financeiras pela Receita Federal. Qual é a
importância disso?
É fundamental. Elas passarão a ser fiscalizadas,
limitando o espaço para o crime organizado. Esse espaço vai paulatinamente
deixar de ser ocupado pelo crime organizado. Eles vão ter que migrar para um
outro tipo de atividade que os permita lavar dinheiro. Ontem foi um dia muito
importante. A operação levou o governo a antecipar uma medida que ele tomaria
só em 2029. Mas não só isso. Os bancos e fundos de investimento usados pelo
crime organizado vão ter que rever os seus padrões de compliance. Porque não
foram cuidadosos em verificar a idoneidade do investidor, e isso é obrigação
deles.
A integração entre agências é citada como essencial
para combater o crime. Mas ontem houve disputa política entre MP e PF, que
fizeram operações parecidíssimas separadamente e divulgaram os resultados no
mesmo horário. Ao fim do dia, isso virou disputa política entre os governos de
São Paulo e federal. Isso atrapalha o trabalho na ponta?
Escuto sobre integração há 34 anos, desde que
comecei no MP. O problema é como fazer isso. Há uma dificuldade grande em unir
todas essas instituições. Não há nenhuma subordinação entre elas, cada uma tem
seu ramo de atuação, suas expectativas, sua formação e gera muita disputa
institucional. Ontem, ouvi “olha, a operação foi do MP-SP, não da Polícia
Federal”. Não é verdade. Foi de todos. Não tem ninguém ali que é protagonista.
O maior desafio do Brasil, hoje, em termos de segurança pública, é coordenação
e integração.
Como resolver isso?
Sou a favor da criação de uma agência antimáfia. Nós
já temos máfia no Brasil, o PCC já é uma organização mafiosa. Seria um órgão
composto por todas as instituições e não por uma ou algumas delas. Eu defendo
este modelo, não o Ministério Público.
O diretor da PF, Andrei Rodrigues, já veio ao
público algumas vezes se posicionar de forma contrária à criação de uma agência
antimáfia, alegando que a própria instituição já cumpre esse papel. O senhor
acha que a criação da agência ainda está de pé?
Você acha que a Polícia Federal supre o papel? Se
tivesse suprido o papel de fazer essa integração entre as instituições, não
estaríamos no estado que estamos agora. A Receita não trabalha junto com a
Polícia Federal. A PF não trabalha com o Ministério Público.
O PCC está em 28 países, já chegou aos três Poderes
e já pode ser considerado uma organização mafiosa. É possível saber qual o
próximo passo da organização?
Estamos em um processo de formação — isso pode
demorar duas, três décadas — de um Estado paralelo, de um narcoestado, se nada
for feito. Quando o crime começa a dominar as prefeituras, as câmaras
municipais, e depois a ter influência sobre os governos estaduais, pode chegar
a eleger um presidente ou então ter ligações diretas com o presidente. É isso
que precisamos evitar. O crime organizado está num processo de crescimento
exponencial. E ninguém sabe onde isso vai chegar.
O Globo
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