O voluntarismo temerário do sr. Dino
Ministro do STF erra na forma e no conteúdo ao
tentar proteger o colega Alexandre de Moraes dos arreganhos de Trump, gerando
imensa insegurança jurídica no setor bancário brasileiro
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio
Dino tomou uma decisão temerária, para dizer o mínimo, ao tentar proteger seu
colega Alexandre de Moraes dos efeitos das sanções que lhe foram impostas pelo
governo dos EUA em represália a suas determinações no âmbito do julgamento do
ex-presidente Jair Bolsonaro.
Dino achou que era o caso de usar os autos da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.178, relativa ao
desastre ambiental de Mariana (MG), para fazer um manifesto político em nome da
defesa da soberania nacional contra os arreganhos do presidente americano
Donald Trump. E, ao fazê-lo, o sr. Dino criou uma situação de enorme
insegurança jurídica para o sistema financeiro brasileiro. Um feito e tanto
para um ministro calouro na história do STF.
O caso concreto da ADPF 1.178 diz respeito à
legitimidade de municípios brasileiros para propor ações judiciais perante a
Justiça do Reino Unido com o objetivo de obter indenizações por supostos danos
causados pelo rompimento da barragem de Mariana, ocorrido em 2015. Dino,
corretamente, asseverou que “leis estrangeiras, atos administrativos e ordens
executivas” emanados do estrangeiro não têm validade no Brasil, salvo quando
homologados pelo Judiciário pátrio ou expressamente previstos em acordos de
cooperação judiciária internacional. O problema está na instrumentalização da
ADPF 1.178 para influenciar outro debate, de altíssima complexidade, envolvendo
a sanção imposta pelo governo dos EUA a Moraes nos termos da Lei Magnitsky.
O ministro Dino não cita esse diploma legal
estrangeiro em sua decisão, mas nem precisava. O objetivo de neutralizá-lo em
solo nacional ficou mais do que evidenciado quando o próprio ministro afirmou
que, quando da propositura da ADPF 1.178 pelo Instituto Brasileiro de Mineração
(Ibram), considerou que “não havia urgência de provimento judicial” de sua
parte. No entanto, prosseguiu Dino, ele mudou de ideia ao se deparar com o
“fortalecimento de ondas de imposição de força de algumas nações sobre outras”,
o que o ministro enxerga como agressões a “postulados essenciais do Direito
Internacional”.
Ora, como se sabe, a Lei Magnitsky não “vale” fora
dos EUA – ou seja, essa lei, como quase todas as outras, não produz efeitos
extraterritoriais. Vale dizer, não viola propriamente a soberania de outro
país. O que a Lei Magnitsky determina é que pessoas físicas e jurídicas
sujeitas à jurisdição dos EUA, estas sim, não podem ter relações comerciais com
os sancionados caso queiram manter negócios naquele país. No que concerne à
situação de Moraes, bancos brasileiros com operações em dólar ou negócios nos
EUA não podem simplesmente seguir tendo o ministro como cliente, ignorando a
sanção imposta pela Casa Branca, sob pena de sofrer duríssimas retaliações
econômicas e políticas que poderiam, no limite, inviabilizar suas atividades.
O uso da Lei Magnitsky para punir Moraes foi uma
medida arbitrária e sem qualquer lastro no espírito da lei. Sua
instrumentalização caracteriza Donald Trump em estado bruto: um presidente que
usa o descomunal poder dos EUA para impor suas vontades – no caso, subjugar o
STF para livrar a cara de Jair Bolsonaro. O problema, no entanto, é outro: ao
agir para proteger um colega, Dino impôs às instituições financeiras
brasileiras uma escolha impossível: desobedecer ao STF e sofrer sanções no
Brasil ou desrespeitar a Lei Magnitsky, pondo em risco suas operações nos EUA.
Esse risco teve um preço: só nas últimas 48 horas, os maiores bancos do País
perderam quase R$ 42 bilhões em valor. Ademais, se havia necessidade de
analisar os efeitos da Lei Magnitsky aqui, a questão deveria ter sido apreciada
no processo correto, a ação cautelar relatada pelo ministro Cristiano Zanin,
instaurada para tratar especificamente desse tema.
O voluntarismo de Dino mostra como a tentação de
usar o STF como espaço de militância política faz mal ao País. A Corte deveria
se limitar a ser a última linha de defesa da Constituição, o que já é muita
coisa, não uma central de recados político-ideológicos. Ao transformar a ADPF
1.178 em instrumento para blindar Moraes, o ministro instalou um tumulto
jurídico e econômico que ninguém no Brasil, ao menos por ora, sabe como
resolver.
Opinião do Estadão
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