O Rio Grande do Norte enfrenta um desafio
persistente na saúde pública: a longa espera por cirurgias eletivas no Sistema
Único de Saúde (SUS). Mais de 33 mil potiguares aguardam atualmente por
procedimentos que vão desde intervenções de menor complexidade, como pequenas
cirurgias dermatológicas, até operações ortopédicas, oftalmológicas e vasculares
de alto risco. Apesar de avanços no número de procedimentos realizados nos
últimos anos, o passivo continua elevado e expõe fragilidades históricas da
rede de atenção à saúde no estado.
A situação não é nova. Em maio de 2023, a Sesap
registrava mais de 27 mil pessoas na fila por cirurgias eletivas. Desde então,
houve um aumento de cerca de 6 mil pacientes (22%), apesar do salto no número
de procedimentos realizados. Isso evidencia que a demanda reprimida permanece.
O problema foi abordado durante audiência pública na
Comissão de Finanças e Fiscalização (CFF) da Assembleia Legislativa, realizada
na última quarta-feira (13). Na ocasião, o secretário estadual de Saúde,
Alexandre Motta, apresentou um balanço das ações da Sesap no último quadrimestre
e admitiu que, embora a produção cirúrgica tenha alcançado patamares
expressivos em 2024, a fila permanece praticamente estável. “No ano passado,
conseguimos colocar o RN como o quinto estado em cirurgias gerais e o primeiro
em algumas cirurgias específicas, proporcionalmente à população. Foram cerca de
90 mil cirurgias realizadas, sendo 16 mil diretamente pela Sesap. Mas a demanda
reprimida continua, e ela se renova todos os dias”, afirmou.
Segundo Motta, as filas mais críticas concentram-se
em cirurgias vasculares e urológicas. No caso da vascular, são 207 pacientes
aguardando, mas a complexidade e gravidade dos casos tornam a situação
especialmente delicada. Entre janeiro e junho deste ano, foram registradas 345
amputações no estado, muitas delas relacionadas a complicações do diabetes. “Se
não conseguirmos melhorar a linha de cuidado da diabetes, não teremos redução
substancial dessa fila. Muitos desses pacientes chegam ao hospital em estágio
avançado da doença por falta de acompanhamento adequado na atenção básica, que
é responsabilidade dos municípios”, alertou o secretário. “Um diabético
controlado poderia evitar a evolução para insuficiência vascular e, em muitos
casos, a amputação”, pontuou.
Os dados do Sistema Regula Cirurgia, da Sesap,
mostram que, entre o tratamento cirúrgico de varizes (bilateral) é o mais
procurado com 2.439 pacientes na fila. Trata-se de uma intervenção cirúrgica
para remover ou tratar varizes em ambas as pernas, simultaneamente ou em
sessões separadas. Na sequência, a exerese de tumor de pele e anexos/cisto
sebáceo/lipoma aparece com mais solicitações (2.192). Este procedimento é
indicado para remoção de lesões benígnas ou malígnas na pele, por questões
estéticas para evitar que a doença avance.
Destacam-se ainda com mais de mil solicitações, a
colecistectomia com 2.147 pacientes, histeroscopia (diagnostica), com 1.445,
além da hernioplastia umbilical (1.384), postectomia (1.209) e histerectomia
total (1.093). Contudo, procedimentos como plástica mamária feminina não
estética (976), miomectomia (790) e ureterolitotripsia (689) também se destacam
na quantidade de pacientes.
Embora esses números indiquem diferentes
necessidades, eles revelam um traço em comum: em quase todos os casos, a espera
prolongada significa dor, perda de mobilidade, incapacidade para o trabalho e
risco de agravamento do quadro clínico.
Regulação
A regulação dessas cirurgias segue um fluxo
complexo. O paciente precisa ser avaliado na atenção básica, encaminhado a um
especialista e, depois, regulado para o procedimento. Em muitas situações, a
ausência de exames complementares, a limitação de vagas em hospitais
habilitados ou a falta de profissionais especializados atrasa ainda mais o
processo. O secretário estadual de saúde explicou que a fila é dinâmica.
“Então, de fato, existe a fila, mas ela vai ser de acordo com o procedimento,
se de maior ou menor grau de complexidade, ou de serviços ofertados, que vai
ter uma maior ou menor fila de espera”, destacou Alexandre Motta.
Além disso, os 33.025 pacientes não estão,
necessariamente, entrando pela primeira vez na lista de cirurgias. Em muitos
casos, são os mesmos que já realizaram algum tipo de procedimento anterior.
No caso das cirurgias vasculares, a maior parte é
realizada por meio de contratos com dois hospitais: o Hospital da Polícia e o
Hospital Santa Catarina. No entanto, as duas unidades têm limitações estruturais
e de pessoal, segundo Motta. Como parte desses procedimentos é determinada por
ordem judicial, há a necessidade constante de remanejamento de recursos e
ajuste de agendas. “De fato temos tido uma fila sustentada, apesar de uma alta
produção. Existem valores específicos aportados dentro desse contrato e que
muitas vezes eles precisam ser realocados mais valores, porque de fato é um
número sustentado”, acrescenta o secretário.
Orçamento aumentou R$ 10 milhões
Em 2024, o custo das cirurgias eletivas chegou a R$
54 milhões, valor que deve subir para R$ 64,8 milhões no orçamento de 2025.
Para a presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do RN
(Cosems/RN), Maria Eliza Garcia, o aumento do investimento é positivo, mas
precisa vir acompanhado de mudanças estruturais. “Não é só uma questão de
dinheiro. É preciso integrar melhor os fluxos entre estado e municípios,
melhorar a rede hospitalar regional e, sobretudo, fortalecer a atenção
primária. É lá que se evitam muitas das doenças que hoje levam o paciente à
fila de cirurgia”, afirma.
A dirigente reforça que a redução da fila continua
sendo um desafio, mesmo com programas federais de incentivo financeiro. “O
Cosems vem acompanhando, junto com um grupo do Estado, essas cirurgias, e
aprovamos, na última CIB (Comissão Intergestores Bipartite), uma reorganização
de recursos daqueles serviços que não conseguiram atingir a meta, transferindo
para os que já conseguiram”, explicou.
Apesar desse acompanhamento, ainda existem gargalos
em algumas regiões e para cirurgias mais complexas, como urológicas e
tireoidectomias. “Ainda existe realmente uma necessidade, onde os municípios
estão pagando cirurgias com recurso próprio, porque esse programa não consegue
atender todas as demandas”, afirma a presidente.
Maria Eliza esclareceu que o crescimento aparente de
20% na fila de cirurgias em dois anos se deve à unificação dos sistemas de
cadastro de cirurgias no Regula RN, que antes eram múltiplos e fragmentados.
“Na verdade, é porque no que unificou dá a entender que está maior. Realmente,
estamos conseguindo ter avanço, mas essa fila persiste por causa do grande
número de cirurgias não atendidas.”
Ela citou como exemplos as cirurgias ortopédicas,
cuja demanda cresce devido ao aumento de acidentes de trânsito, especialmente
de motocicletas. Mesmo quando as cirurgias de urgência são realizadas, os
procedimentos subsequentes se acumulam na fila, tornando-a dinâmica. “O volume
não é nem tão grande, são cirurgias mais complexas, que precisam de mais
investimento e profissionais especializados. É diferente, por exemplo, de uma
cirurgia ginecológica para uma urológica. O valor financeiro também é mais alto
e a tabela do SUS é defasada, não atraindo os profissionais”, ressalta.
Maria Eliza detalhou que muitos procedimentos só
podem ser realizados via rede privada, através de cooperativas médicas, porque
os profissionais não se dispõem a fazer cirurgias complexas pelo valor do SUS.
“Se eu tenho no mercado privado a condição de fazer pelo valor maior, o que é
que eu vou fazer no público? Quem se prejudica são as pessoas. Temos homens
vivendo com sondas, aguardando cirurgias que poderiam melhorar
significativamente sua qualidade de vida”, relata.
O problema afeta também procedimentos considerados
simples, como a exerese de tumor de pele que soma mais de duas mil pessoas no
aguardo. “É triste, porque se você não tiver um câncer, não é atendido. O
preventivo deveria ser priorizado antes do curativo”, alertou.
Segundo ela, a solução passa por melhor organização
e monitoramento do fluxo de cirurgias. “Precisamos que o Estado coordene a
política, avalie, realoque recursos e organize mutirões para atender essas
demandas. Existe investimento federal, mas sem planejamento e ação estadual, a
fila permanece”, aponta a presidente do Cosems.
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