domingo, 17 de agosto de 2025

Fila de cirurgias no Estado ultrapassa 33 mil pacientes

 


O Rio Grande do Norte enfrenta um desafio persistente na saúde pública: a longa espera por cirurgias eletivas no Sistema Único de Saúde (SUS). Mais de 33 mil potiguares aguardam atualmente por procedimentos que vão desde intervenções de menor complexidade, como pequenas cirurgias dermatológicas, até operações ortopédicas, oftalmológicas e vasculares de alto risco. Apesar de avanços no número de procedimentos realizados nos últimos anos, o passivo continua elevado e expõe fragilidades históricas da rede de atenção à saúde no estado.

A situação não é nova. Em maio de 2023, a Sesap registrava mais de 27 mil pessoas na fila por cirurgias eletivas. Desde então, houve um aumento de cerca de 6 mil pacientes (22%), apesar do salto no número de procedimentos realizados. Isso evidencia que a demanda reprimida permanece.

O problema foi abordado durante audiência pública na Comissão de Finanças e Fiscalização (CFF) da Assembleia Legislativa, realizada na última quarta-feira (13). Na ocasião, o secretário estadual de Saúde, Alexandre Motta, apresentou um balanço das ações da Sesap no último quadrimestre e admitiu que, embora a produção cirúrgica tenha alcançado patamares expressivos em 2024, a fila permanece praticamente estável. “No ano passado, conseguimos colocar o RN como o quinto estado em cirurgias gerais e o primeiro em algumas cirurgias específicas, proporcionalmente à população. Foram cerca de 90 mil cirurgias realizadas, sendo 16 mil diretamente pela Sesap. Mas a demanda reprimida continua, e ela se renova todos os dias”, afirmou.

Segundo Motta, as filas mais críticas concentram-se em cirurgias vasculares e urológicas. No caso da vascular, são 207 pacientes aguardando, mas a complexidade e gravidade dos casos tornam a situação especialmente delicada. Entre janeiro e junho deste ano, foram registradas 345 amputações no estado, muitas delas relacionadas a complicações do diabetes. “Se não conseguirmos melhorar a linha de cuidado da diabetes, não teremos redução substancial dessa fila. Muitos desses pacientes chegam ao hospital em estágio avançado da doença por falta de acompanhamento adequado na atenção básica, que é responsabilidade dos municípios”, alertou o secretário. “Um diabético controlado poderia evitar a evolução para insuficiência vascular e, em muitos casos, a amputação”, pontuou.

Os dados do Sistema Regula Cirurgia, da Sesap, mostram que, entre o tratamento cirúrgico de varizes (bilateral) é o mais procurado com 2.439 pacientes na fila. Trata-se de uma intervenção cirúrgica para remover ou tratar varizes em ambas as pernas, simultaneamente ou em sessões separadas. Na sequência, a exerese de tumor de pele e anexos/cisto sebáceo/lipoma aparece com mais solicitações (2.192). Este procedimento é indicado para remoção de lesões benígnas ou malígnas na pele, por questões estéticas para evitar que a doença avance.

Destacam-se ainda com mais de mil solicitações, a colecistectomia com 2.147 pacientes, histeroscopia (diagnostica), com 1.445, além da hernioplastia umbilical (1.384), postectomia (1.209) e histerectomia total (1.093). Contudo, procedimentos como plástica mamária feminina não estética (976), miomectomia (790) e ureterolitotripsia (689) também se destacam na quantidade de pacientes.

Embora esses números indiquem diferentes necessidades, eles revelam um traço em comum: em quase todos os casos, a espera prolongada significa dor, perda de mobilidade, incapacidade para o trabalho e risco de agravamento do quadro clínico.

Regulação

A regulação dessas cirurgias segue um fluxo complexo. O paciente precisa ser avaliado na atenção básica, encaminhado a um especialista e, depois, regulado para o procedimento. Em muitas situações, a ausência de exames complementares, a limitação de vagas em hospitais habilitados ou a falta de profissionais especializados atrasa ainda mais o processo. O secretário estadual de saúde explicou que a fila é dinâmica. “Então, de fato, existe a fila, mas ela vai ser de acordo com o procedimento, se de maior ou menor grau de complexidade, ou de serviços ofertados, que vai ter uma maior ou menor fila de espera”, destacou Alexandre Motta.

Além disso, os 33.025 pacientes não estão, necessariamente, entrando pela primeira vez na lista de cirurgias. Em muitos casos, são os mesmos que já realizaram algum tipo de procedimento anterior.

No caso das cirurgias vasculares, a maior parte é realizada por meio de contratos com dois hospitais: o Hospital da Polícia e o Hospital Santa Catarina. No entanto, as duas unidades têm limitações estruturais e de pessoal, segundo Motta. Como parte desses procedimentos é determinada por ordem judicial, há a necessidade constante de remanejamento de recursos e ajuste de agendas. “De fato temos tido uma fila sustentada, apesar de uma alta produção. Existem valores específicos aportados dentro desse contrato e que muitas vezes eles precisam ser realocados mais valores, porque de fato é um número sustentado”, acrescenta o secretário.

Orçamento aumentou R$ 10 milhões

Em 2024, o custo das cirurgias eletivas chegou a R$ 54 milhões, valor que deve subir para R$ 64,8 milhões no orçamento de 2025. Para a presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do RN (Cosems/RN), Maria Eliza Garcia, o aumento do investimento é positivo, mas precisa vir acompanhado de mudanças estruturais. “Não é só uma questão de dinheiro. É preciso integrar melhor os fluxos entre estado e municípios, melhorar a rede hospitalar regional e, sobretudo, fortalecer a atenção primária. É lá que se evitam muitas das doenças que hoje levam o paciente à fila de cirurgia”, afirma.

A dirigente reforça que a redução da fila continua sendo um desafio, mesmo com programas federais de incentivo financeiro. “O Cosems vem acompanhando, junto com um grupo do Estado, essas cirurgias, e aprovamos, na última CIB (Comissão Intergestores Bipartite), uma reorganização de recursos daqueles serviços que não conseguiram atingir a meta, transferindo para os que já conseguiram”, explicou.

Apesar desse acompanhamento, ainda existem gargalos em algumas regiões e para cirurgias mais complexas, como urológicas e tireoidectomias. “Ainda existe realmente uma necessidade, onde os municípios estão pagando cirurgias com recurso próprio, porque esse programa não consegue atender todas as demandas”, afirma a presidente.

Maria Eliza esclareceu que o crescimento aparente de 20% na fila de cirurgias em dois anos se deve à unificação dos sistemas de cadastro de cirurgias no Regula RN, que antes eram múltiplos e fragmentados. “Na verdade, é porque no que unificou dá a entender que está maior. Realmente, estamos conseguindo ter avanço, mas essa fila persiste por causa do grande número de cirurgias não atendidas.”

Ela citou como exemplos as cirurgias ortopédicas, cuja demanda cresce devido ao aumento de acidentes de trânsito, especialmente de motocicletas. Mesmo quando as cirurgias de urgência são realizadas, os procedimentos subsequentes se acumulam na fila, tornando-a dinâmica. “O volume não é nem tão grande, são cirurgias mais complexas, que precisam de mais investimento e profissionais especializados. É diferente, por exemplo, de uma cirurgia ginecológica para uma urológica. O valor financeiro também é mais alto e a tabela do SUS é defasada, não atraindo os profissionais”, ressalta.

Maria Eliza detalhou que muitos procedimentos só podem ser realizados via rede privada, através de cooperativas médicas, porque os profissionais não se dispõem a fazer cirurgias complexas pelo valor do SUS. “Se eu tenho no mercado privado a condição de fazer pelo valor maior, o que é que eu vou fazer no público? Quem se prejudica são as pessoas. Temos homens vivendo com sondas, aguardando cirurgias que poderiam melhorar significativamente sua qualidade de vida”, relata.

O problema afeta também procedimentos considerados simples, como a exerese de tumor de pele que soma mais de duas mil pessoas no aguardo. “É triste, porque se você não tiver um câncer, não é atendido. O preventivo deveria ser priorizado antes do curativo”, alertou.

Segundo ela, a solução passa por melhor organização e monitoramento do fluxo de cirurgias. “Precisamos que o Estado coordene a política, avalie, realoque recursos e organize mutirões para atender essas demandas. Existe investimento federal, mas sem planejamento e ação estadual, a fila permanece”, aponta a presidente do Cosems.

 

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