quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Desigualdade trava crescimento do RN: quase 50% vivem na pobreza

 


O Rio Grande do Norte combina uma das maiores rendas médias do Nordeste com a maior desigualdade da região. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais 2024, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 43,5% da população do RN viveu em 2023 com menos de US$ 6,85 por dia, parâmetro internacional para pobreza. Sem programas sociais, esse percentual chegaria a 50,3%. Na faixa de extrema pobreza, definida pelo Banco Mundial como renda inferior a US$ 2,15 diários, 6,3% dos potiguares estavam incluídos, número que subiria para 18,6% sem benefícios. Em Natal, a proporção seria de 4,9% com programas sociais e 12,7% sem eles.

O crescimento econômico do RN nos últimos anos não se traduziu em oportunidades amplas de emprego e renda para a maioria da população. Segundo o superintendente do Conselho Regional de Economia do RN (Corecon-RN), Ricardo Valério, setores como turismo, comércio, serviços e energias renováveis impulsionam o PIB (Produto Interno Bruto) – que avançou apenas 1,9% ao ano entre 2002 e 2022 -, mas não geram empregos contínuos ou bem remunerados. “Investimentos em energia eólica e solar mobilizam bilhões de reais, mas depois exigem pouca mão de obra e barata, concentrando renda em poucos trabalhadores qualificados e investidores”.

Ele explicou que a ausência de diversificação industrial e de empregos de alta tecnologia impede que o RN aproveite plenamente seu potencial econômico. “Precisamos buscar a qualificação desses empregos que se instalam nas indústrias de Natal. Temos que apostar na educação para que a gente possa se apropriar da tecnologia também e o RN se tornar um polo de referência no Nordeste”.

Mesmo com a expansão de setores estratégicos, a pobreza permanece estrutural. “Setores que crescem, como energia, turismo e comércio, geram empregos de baixa remuneração ou temporários. A alta concentração de capital nos investidores desses setores reforça a desigualdade”, ressaltou Valério. Para ele, projetos futuros, como o Porto Verde Industrial, hidrogênio verde, data centers e exploração de petróleo na margem equatorial, podem gerar empregos qualificados e aumentar a renda local, mas apenas se houver investimentos em educação e capacitação técnica.

Desigualdade racial e concentração de renda reforçam exclusão

A desigualdade é visível também nos recortes raciais. Entre os 10% mais pobres do RN, pretos e pardos representavam 68,7% em 2023, enquanto brancos ampliavam sua presença entre os mais ricos, chegando a 56%. A maior parte da população, 32,4%, sobrevive com renda per capita entre metade e um salário-mínimo, e apenas 3% superam cinco salários-mínimos. Já em Natal, a concentração de renda é ainda mais acentuada: os 10% mais ricos recebem 5,03 vezes mais que os 40% mais pobres da cidade. Além disso, 4,9% da população vive em extrema pobreza com programas sociais, percentual que sobe para 12,7% na ausência desses benefícios.

“A concentração de renda em Natal sempre foi alta. A distância entre ricos e pobres na cidade é abissal. Isso se explica na própria formação socioeconômica da cidade, nos setores que predominam e na falta de políticas públicas estruturantes ao longo da história”, avaliou a secretária estadual do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (Sethas), Iris Oliveira.

Segundo ela, os altos índices de pobreza e extrema pobreza não são um fenômeno recente, mas um problema histórico agravado pelo desmonte de políticas públicas entre 2016 e 2022. “É preciso considerar que cortes no Bolsa Família, descomprometimento com condicionalidades de saúde e educação, desmonte de programas como Garantia Safra, Minha Casa Minha Vida e o enfraquecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) deixaram milhões de famílias sem condições de romper o ciclo de pobreza”, disse.

Retomada de políticas estruturantes ainda é insuficiente

A retomada das políticas estruturantes pelo governo estadual, iniciada há apenas dois anos, ainda é insuficiente para alterar os ciclos históricos. “Uma família que recebe transferência de renda por si só é incapaz de sair da extrema pobreza ou romper com esse ciclo. São gerações da mesma família que não conseguiram sair dessa situação”, explicou a secretária. O enfrentamento da desigualdade, segundo ela, exige políticas integradas que combinem assistência social, educação, habitação, saneamento e acesso ao trabalho.

A assistência social de base é central nesse processo. Iris destacou a importância de equipes de abordagem de rua e centros de referência, capazes de identificar vulnerabilidades e garantir direitos. “É preciso que nenhum jovem, nenhuma criança, nenhuma mãe, nenhuma gestante fique fora do acompanhamento da saúde e da assistência social”.

Ela reforçou que programas como Bolsa Família dependem do acompanhamento de condicionalidades para que as famílias tenham acesso efetivo à educação e à saúde. No entanto, a secretária alertou que a desigualdade histórica e a pobreza extrema não se rompem em poucos anos. “A persistente, secular e histórica desigualdade e pobreza extrema não se rompe no lapso temporal de dois, três anos. Nenhum governo estadual, sozinho, consegue romper esse ciclo”.

Sociedade civil assume função de Estado

Organizações civis assumem funções que deveriam ser do Estado diante da falta de políticas públicas eficazes. Segundo a coordenadora da Fraternidade Toca do Assis, Iris Marroque, existem ações emergenciais, mas sem continuidade ou caminhos reais de reinserção social. “Faltam moradias populares dignas, acompanhamento de saúde mental, combate às drogas com seriedade e programas de trabalho que respeitem as limitações e potencialidades de cada um”.

Ela observou que os governos dão pouca prioridade aos mais pobres, que não têm força política nem econômica. “O interesse maior costuma estar no lucro, no poder e nos que podem devolver votos ou recursos. Os pobres, invisíveis e esquecidos, não entram como prioridade. A lógica do mundo coloca o descartável acima da dignidade humana”.

A entidade tem buscado suprir a ausência do Estado com ações como o Pop Rua Jud, realizado no último domingo 17, em parceria com a Justiça Federal, Ministério Público, Tribunal Regional Eleitoral, Defensorias Públicas, Ordem dos Advogados do Brasil, INSS, Caixa Econômica e Prefeitura de Natal. O mutirão oferece emissão de documentos, cadastramento no CadÚnico, benefícios previdenciários e assistenciais, atendimento médico, atividades culturais e distribuição de roupas.

“Esse é o início da política pública integrada. Precisam existir mais iniciativas destas, porque não pode ser apenas uma vez por ano. As pessoas têm enorme dificuldade de acessar documentos e serviços. Os órgãos públicos precisam estar mais atentos para promover mutirões de documentação, empregos e outras necessidades sociais”.

Riqueza concentrada não garante mobilidade social

O quadro socioeconômico do RN evidencia que a riqueza gerada pelo crescimento econômico não alcança a população mais vulnerável. Setores de alto investimento beneficiam poucos indivíduos, enquanto grande parte da população permanece à margem do desenvolvimento. “Setores que crescem não são capazes de absorver a mão de obra local de forma qualificada. A desigualdade se mantém porque não há políticas estruturais que garantam acesso à educação, emprego e direitos básicos”, afirmou o economista Ricardo Valério.

A concentração de renda histórica, os cortes e desfiguração de programas sociais, a falta de prioridade governamental e a carência de políticas integradas de assistência, educação e infraestrutura contribuíram para que o RN ficasse “travado” socialmente, mesmo com crescimento econômico e investimentos em setores estratégicos. Programas recentes de integração intersetorial e de compras públicas para a agricultura familiar mostram caminhos, mas o impacto sobre a pobreza ainda é limitado.

A desigualdade racial, a concentração de renda e a falta de empregos qualificados evidenciam que o RN permanece dividido entre crescimento econômico e exclusão social. Enquanto setores estratégicos aumentam o PIB, quase 40% da população segue vivendo abaixo da linha da pobreza, e famílias inteiras permanecem presas a ciclos de desigualdade histórica.

Especialistas e lideranças civis defendem que apenas políticas intersetoriais, educação e capacitação técnica podem transformar essa realidade. “Romper o ciclo da pobreza é resultado de políticas integradas, de garantias de direitos que fazem com que as pessoas possam ter mobilidade social”, concluiu Iris Oliveira. Sem essas ações estruturais, o RN continuará travado: rico na média de renda, mas profundamente desigual e excludente.

 

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