O cartão de crédito continua sendo o principal vilão
quando o assunto é o endividamento das famílias natalenses. Segundo a Pesquisa
de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional
do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 88,7% dos endividados na capital
potiguar apontam o cartão como origem das dívidas, uma proporção superior às
demais modalidades, como carnês (20,8%), cheque especial (11%) e financiamentos
habitacionais (7%).
A pesquisa revelou ainda que 9,2% das famílias em Natal
ainda recorrem a instrumentos de alto custo, como o cheque pré-datado e o
cheque especial, o que agrava o risco de inadimplência em caso de perda de
renda. Apesar disso, o tempo médio de atraso caiu para 42 dias, abaixo da média
nacional, que é de 64 dias.
Para o economista William Figueiredo, o uso do
cartão de crédito está enraizado na cultura da população brasileira, que
enxerga vantagens em opções como o crédito rotativo — que permite comprar hoje
e pagar dentro de até 30 dias — e o parcelamento, muitas vezes sem juros. “O
uso do cartão é um instrumento financeiro que existe para ajudar as famílias, a
sociedade a fazer uma melhor gestão dos seus recursos. Ele só vai se tornar um
problema a partir do momento que você não tem controle sobre os seus gastos”,
explica o economista.
A autônoma Maria Vanessa já teve a experiência de
comprar no cartão de crédito e perder o controle de seus gastos mensais.
“Quando eu compro no cartão, não tenho a noção de estar pegando dinheiro. Então
vou gastando como se não houvesse amanhã. Quando chega a fatura, eu digo: ‘Meu
Deus, para que fui fazer isso?’”, disse, enquanto escolhia vestidos em uma loja
de roupas no bairro Cidade Alta.
Já o enfermeiro Edinaldo Gomes conta que não costuma
usar o cartão de crédito e que é organizado com as finanças, mas frequentemente
empresta o cartão para familiares que não têm limite de crédito disponível: “A
pessoa já está acostumada e quer comprar, mas sabe que, seja no débito ou no
crédito, tem que pagar no dia certo. E essas pessoas que parcelam no meu cartão
já sabem que são elas mesmas que vão pagar depois”, afirma.
O estudo também destaca fatores que seguem
pressionando o consumo das famílias potiguares. A inflação persistente em
serviços essenciais — como energia elétrica e alimentação fora do lar —,
combinada à taxa Selic elevada (15% em julho de 2025) e à queda de 1,6% na
renda média do trabalhador no Rio Grande do Norte (R$ 2.448, segundo a Pnad
Contínua do IBGE), dificulta o alívio nas finanças.
De acordo com o levantamento, o mercado de crédito
vem registrando uma desaceleração nas concessões para pessoas físicas, o que
aponta para um comportamento mais cauteloso tanto por parte das instituições
financeiras quanto dos consumidores. A taxa média de juros ao consumidor segue
em alta pelo quinto mês consecutivo, reforçando a necessidade de atenção aos
indicadores de inadimplência.
“Particularmente no Rio Grande do Norte a gente está
tendo um aumento considerável da geração de emprego. Eu coloco isso na conta do
próprio aumento da taxa de juros. O crédito está mais caro. A taxa básica de
juros hoje no Brasil está em 15%”, analisou o economista William Figueiredo.
No curto prazo (de 2 a 3 meses), a tendência é de
manutenção ou leve recuo no endividamento. No médio prazo (6 a 12 meses),
eventuais cortes na Selic e datas sazonais de consumo podem reaquecer o
crédito, exigindo maior vigilância sobre o risco de inadimplência.
O relatório da CNC também alerta para 2026: caso o
comprometimento da renda familiar — atualmente em 34,6% da renda média no RN —
volte a subir, há risco de retomada da inadimplência estrutural.
Figueiredo recomenda que a população evite utilizar
múltiplos cartões de crédito, pois isso pode dificultar o controle das finanças
pessoais. A orientação é concentrar os gastos em poucos instrumentos
financeiros. “Se eu somar meu cartão de crédito, meus carnês, minhas contas do
mês, o quanto isso está consumindo da minha renda? Se essa dívida for superior
a 30%, tem que estar mais atento, mais alerta”, reforça.
Endividamento cai em Natal, mas segue em
patamar elevado
O percentual de famílias endividadas em Natal caiu
de 86,4% em julho de 2024 para 83,5% no mesmo mês de 2025, segundo a Peic.
Apesar da retração, o Instituto Fecomércio RN alerta que o nível ainda é
elevado, indicando que a maioria das famílias da capital potiguar continua
convivendo com algum tipo de débito.
A inadimplência também apresentou melhora: 40,1% das
famílias declararam estar com contas em atraso, uma queda expressiva em relação
aos 52,2% do ano anterior. Ainda mais significativo, apenas 1,6% disseram não
ter condições de pagar suas dívidas vencidas, um índice muito abaixo da média
nacional (12,7%) e também inferior ao observado em capitais vizinhas, como
Fortaleza e Recife.
“A queda na inadimplência de Natal está diretamente
ligada ao aumento da formalidade do mercado de trabalho. No ano passado o RN
bateu recordes de geração de empregos. Esse ano já foram quase 7 mil empregos
gerados nesses primeiros seis meses”, disse o economista William Figueiredo.
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