segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Auditoria sigilosa fala em ‘insustentabilidade financeira’ dos Correios no longo prazo

 


Em maio de 2005, VEJA revelou o desassombro com que agia um graduado funcionário dos Correios, indicado ao cargo por um dos partidos que integravam a base do primeiro mandato do presidente Lula, ao achacar um fornecedor dentro da sede da estatal. Filmado, o servidor recebia um maço de dinheiro e anunciava que a traficância obedecia a ordens do PTB, que comandava os postos-chave da empresa na conhecida – e nociva – prática de loteamento de cargos.

O caso levou à descoberta do mensalão e desnudou como o governo arregimentava deputados e senadores, independentemente da filiação partidária, para, em troca de assentos em autarquias públicas, construir uma base de sustentação no Congresso. Com lucro de quase 400 milhões de reais (em valores históricos) na época do escândalo, por muitos anos os Correios foram para o mundo político uma máquina de fazer dinheiro – e poder. Engolfada em uma sucessão de irregularidades, hoje a empresa não consegue sequer pagar fornecedores, amarga prejuízos astronômicos e, em uma crise sem precedentes, está à beira do colapso.

Uma auditoria sigilosa do Tribunal de Contas da União (TCU) a que VEJA teve acesso mostra que ano após ano a estatal vem sofrendo de má gestão e falta de investimentos. Um mapeamento nas mais de 5.300 licitações dos Correios entre novembro de 2019 e o mesmo mês de 2023, por exemplo, indicam que quase 43% das contratações tiveram alertas para problemas como risco de conluio, contratação de fornecedores com restrições ou licitante único. Em um indicativo de risco a sua própria sobrevivência econômico-financeira, a empresa informou ao TCU que em 2024 utilizaria parte de uma operação de crédito não para investimentos, mas para equacionar seu déficit previdenciário.

Uma segunda leva de documentos elenca o que é classificado como “fraquezas” e “ameaças” pelas quais passa a estatal. O plano estratégico dos Correios para os anos de 2023 a 2027 registra que “manter-se no mercado é o atual desafio estratégico da ECT [Empresa de Correios e Telégrafos]”. No ano de 2022, por exemplo, a companhia atendeu 99,7% dos municípios brasileiros e diariamente entregou 11,7 milhões de objetos, além de ter realizado 175 milhões de atendimentos em seus postos físicos. Ainda assim, em época de comércio eletrônico acelerado e pulverização de serviços de logística em transportes, a empresa é apontada pela equipe de auditores como de cultura e competências digitais incipientes, baixa capacidade de alavancagem para novos negócios digitais e boa parte da estrutura ainda analógica.

Com o crescimento da competição por preços e prazos cada vez menores e a entrada de grandes players internacionais no Brasil, avalia o tribunal, um sinal de alerta é a constatação de que o setor de encomendas representa pouco mais de 51% do faturamento da estatal, mas a participação dos Correios neste mercado vem caindo a cada ano. “Devido à queda de demanda por produtos do monopólio e à perda de market share do segmento de encomendas, pode haver uma tendência de queda de receita, levando à insustentabilidade econômico-financeira no longo prazo, impactando a capacidade de a estatal prestar o serviço postal universal e a sua independência de recursos do Tesouro Nacional”, relatam os auditores. A este cenário se somam o prejuízo de 1,7 bilhão de reais registrados pela empresa no primeiro trimestre de 2025 e a decisão das atuais diretorias executivas de aprovar recentemente um calote de 2,75 bilhões de reais no pagamento de tributos, obrigações previdenciárias, planos de saúde e benefícios diversos.

Em nota, a estatal informou que “diante de um cenário desafiador – com mudanças regulatórias que impactaram o segmento internacional e reduziram receitas –, somado aos efeitos do período de subinvestimentos entre 2019 e 2022, os Correios estruturaram um plano bianual de reequilíbrio”. “Considerando um ambiente concorrencial cada vez mais agressivo, que exige respostas institucionais ágeis, os Correios ampliaram os investimentos anuais de R$ 447 milhões (média entre 2019 e 2022) para mais de R$ 792 milhões em 2023 e 2024. (…) Em paralelo, a empresa também assumiu o compromisso com o governo federal de promover um corte de R$ 1,5 bilhão em despesas ainda em 2025. As iniciativas, previstas para 2025 e 2026, permitirão a retomada gradual do equilíbrio operacional e dos resultados da empresa”, completa.

VEJA

 

 

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