sábado, 26 de julho de 2025

Retórica eleitoreira de Lula estreita ainda mais a chance de negociação com Trump

 


Para os empresários que estão tentando proteger seus negócios, a solução para a crise do tarifaço necessariamente precisa trilhar o caminho da negociação. Era esperado, portanto, que o governo brasileiro utilizasse todos os recursos disponíveis pelas vias diplomáticas para tentar convencer os Estados Unidos a recuar ou no mínimo a rever os termos da decisão. Os movimentos até agora, porém, foram em direção oposta.

Sem demonstrar qualquer intenção de retroceder e para justificar as medidas protecionistas, os americanos ampliaram ainda mais a lista de seus interesses comerciais que estariam sendo prejudicados. Do outro lado, ao ser mais uma vez questionado sobre o grave problema, Lula indicou que pode contra-atacar. “A guerra tarifária vai começar na hora em que eu der uma resposta ao Trump, se ele não mudar de opinião”, ameaçou o presidente. E emendou: “Nós, no Brasil, vamos fazer respeitar as leis para as empresas brasileiras e para as americanas. Não tem essa de um (país) poder ser punido e o outro não”. Antes disso, o petista já havia instigado o líder americano, ao dizer que ele não era “imperador do mundo”. O impasse, portanto, está criado.

Desde que Donald Trump anunciou a tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros, no último dia 9, Lula concedeu múltiplas entrevistas à imprensa nacional e internacional, convocou uma cadeia de rádio e TV para entoar o discurso de defesa da soberania nacional, classificou as sanções como despropositadas e atacou os “traidores da pátria” que estariam insuflando retaliações contra o país, numa referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro e seus filhos.

Também já disse que não tinha “nenhum assunto sério” a tratar com Trump nem “nenhuma razão” para procurar o americano e que a democracia está perdendo espaço para a “extrema direita”. O embate retórico, como se sabe, estancou a queda de popularidade do petista e trouxe um certo alívio político ao Planalto — mas não resolveu o problema que precisa ser resolvido com urgência. Pelo contrário. Ao priorizar a agenda interna, particularmente as eleições de 2026, e ampliar o fosso ideológico entre os dois países, Lula estreita ainda mais a possibilidade de negociação.

Para demarcar as diferenças, o governo brasileiro nunca se empenhou em manter relações mais próximas com a Casa Branca desde a posse de Donald Trump. O chanceler Mauro Vieira, a quem, em tese, caberia liderar uma tentativa de reaproximação, não tem canal direto sequer com o secretário de Estado, Marco Rubio, que ocupa posto equivalente ao seu nos Estados Unidos.

A carta de congratulações que ele enviou ao colega americano após sua indicação para o governo até hoje não foi respondida, o que, nos códigos diplomáticos, é visto como uma indelicadeza, um sinal de que as coisas não vão muito bem. As negociações tocadas pelas equipes do vice-­presidente, Geraldo Alckmin, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tampouco avançam até os escalões decisórios — chegam no máximo à Secretaria do Tesouro americano.

Portador das missões mais espinhosas no campo externo, Celso Amorim, conselheiro do presidente, mais atrapalha do que ajuda. Tido como chanceler informal, ele alimenta há décadas um discurso antiamericano, além de ser um dos maiores entusiastas do Brics, o grupo de países que tem defendido a desdolarização das transações comerciais — um dos motivos invocados por Trump para justificar a punição aos produtos brasileiros.

Amorim, a exemplo de Vieira, também não obteve respostas da carta de congratulações que enviou à sua contraparte trumpista. Antes do anuncio do tarifaço, ele minimizava as ameaças do governo americano aos países do Brics. “Quem tem medo do lobo mau?”, chegou a ironizar. “Do ponto de vista comercial e institucional, o país está sendo atacado e os diplomatas não sabiam sequer que uma guerra estava sendo armada”, criticou a VEJA um ministro do STF cujo visto americano foi revogado, abrindo outra frente de retaliações. “A rigor estamos sendo informados ou desinformados por pessoas do quilate de Eduardo Bolsonaro porque nosso corpo diplomático não tem qualquer canal com Washington”, completou esse magistrado.

Sem esse diálogo e sem um aceno contundente do governo capaz de reduzir a tensão, ressaltam especialistas, fica difícil negociar. E o pior: também fica mais fácil para o governo americano, diante das provocações, atingir o Brasil com novas medidas restritivas. É um engano imaginar que há paridade de armas nessa disputa. O PIB dos Estados Unidos é catorze vezes maior que o brasileiro.

Por isso, empresários e negociadores têm adotado máxima cautela para não complicar a situação ainda mais. Na carta pela qual anunciou a taxação, publicada em uma rede social, o presidente americano advertiu sobre outras retaliações. “Se por qualquer razão o senhor decidir aumentar suas tarifas, qualquer que seja o valor escolhido, ele será adicionado aos 50% que cobraremos”, sentenciou. Ninguém quer pagar para ver.

Ao deixar de lado o pragmatismo que sempre marcou a diplomacia brasileira, Lula não ajuda e ainda põe em risco o papel dos negociadores da equipe de Alckmin. Nas reuniões com empresários dos setores atingidos pelo tarifaço, o vice-presidente tem deixado claro seus limites. Por ora, a tentativa é de convencer a Casa Branca a adiar a entrada em vigor das tarifas por um período de sessenta a noventa dias e evitar o que chamou de “perde-­perde para ambos os países”.

O prazo sugerido por Alckmin não é em vão. No intervalo de até dois meses, calcula, o Supremo terá julgado e condenado Jair Bolsonaro como chefe do grupo que tentou dar um golpe de Estado em 2022, mitigando assim a esdrúxula exigência de Donald Trump, que condicionou um eventual recuo na taxação ao fim do que chamou de “caça às bruxas” contra o ex-presidente.

Nesse terreno, aliás, a crise também promete escalar. Além de Alexandre de Moraes, relator dos processos contra Bolsonaro, outros sete ministros do STF tiveram seus vistos de entrada nos Estados Unidos revogados. O governo também recebeu a informação de que, em breve, três magistrados podem ser alvo da chamada Lei Magnitsky, dispositivo inicialmente estudado apenas contra o ministro Alexandre de Moraes. A medida aplica sanções financeiras, impede transações com empresas americanas e pode ser extensiva a familiares.

Com as vias diplomáticas travadas, o governo hesita até mesmo em enviar uma comitiva para negociar in loco com a gestão Trump. Alckmin, por exemplo, foi aconselhado a embarcar rumo aos Estados Unidos. Faltando poucos dias para a entrada em vigor do tarifaço, a viagem ainda é vista como prematura. Para evitar um vexame, a expedição só vai acontecer diante da certeza de que algum acordo sairá do papel. Sem perspectivas reais, o governo aposta suas fichas na pressão dos empresários brasileiros sobre os importadores americanos que serão afetados pelo encarecimento dos produtos, receituário também tentado por outros países em negociações recentes com o governo Trump.

Nas reuniões com os setores da indústria, mineração e agronegócio, o vice-presidente pediu empenho dos empresários e disse que a pressão interna pode ajudar a convencer o governo americano a recuar. “Se fosse uma medida exclusivamente comercial, o problema estava 100% resolvido, porque o Brasil é um dos poucos países do mundo que é deficitário em relação aos Estados Unidos duas vezes: nos bens e nos serviços. Mas o objetivo não é fazer justiça ao comércio entre os dois países. É uma sanção que fere a soberania quando mistura os poderes e tenta interferir no processo conduzido pela Suprema Corte brasileira”, disse a VEJA Jorge Viana, presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).

Afeito a ameaças e recuos, o método de Donald Trump de encurralar seus oponentes é conhecido pelo menos desde os anos 1980, quando lançou um livro sobre negócios e nem de longe pensava em anexar o Canadá, patrocinar guerras mundo afora ou taxar mais de um terço do planeta. Em uma espécie de manual, ele explicou: “Meu estilo de negociar é bem simples e direto. Miro bem alto e daí fico insistindo, insistindo, insistindo para conseguir o que busco”.

Por vezes, admitiu, a ideia é receber uma contraproposta que, embora menor que os termos iniciais, ainda seja amplamente vantajosa a seus interesses. Aparentemente é nisso que ele se fia ao desafiar — e chantagear — o Brasil. A guerra das tarifas, num primeiro momento, está dando a Lula a chance de resgatar a imagem do governo e colher dividendos políticos. Num futuro próximo, a única certeza é que a conta vai chegar. Dependendo do que acontecer, ela pode ser alta demais, com saldo negativo até para o próprio presidente.

VEJA

 

 

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