Para os empresários que estão tentando proteger seus
negócios, a solução para a crise do tarifaço necessariamente precisa trilhar o
caminho da negociação. Era esperado, portanto, que o governo brasileiro
utilizasse todos os recursos disponíveis pelas vias diplomáticas para tentar
convencer os Estados Unidos a recuar ou no mínimo a rever os termos da decisão.
Os movimentos até agora, porém, foram em direção oposta.
Sem demonstrar qualquer intenção de retroceder e
para justificar as medidas protecionistas, os americanos ampliaram ainda mais a
lista de seus interesses comerciais que estariam sendo prejudicados. Do outro
lado, ao ser mais uma vez questionado sobre o grave problema, Lula indicou que
pode contra-atacar. “A guerra tarifária vai começar na hora em que eu der uma
resposta ao Trump, se ele não mudar de opinião”, ameaçou o presidente. E
emendou: “Nós, no Brasil, vamos fazer respeitar as leis para as empresas
brasileiras e para as americanas. Não tem essa de um (país) poder ser punido e
o outro não”. Antes disso, o petista já havia instigado o líder americano, ao
dizer que ele não era “imperador do mundo”. O impasse, portanto, está criado.
Desde que Donald Trump anunciou a tarifa de 50%
sobre os produtos brasileiros, no último dia 9, Lula concedeu múltiplas
entrevistas à imprensa nacional e internacional, convocou uma cadeia de rádio e
TV para entoar o discurso de defesa da soberania nacional, classificou as
sanções como despropositadas e atacou os “traidores da pátria” que estariam
insuflando retaliações contra o país, numa referência ao ex-presidente Jair
Bolsonaro e seus filhos.
Também já disse que não tinha “nenhum assunto sério”
a tratar com Trump nem “nenhuma razão” para procurar o americano e que a
democracia está perdendo espaço para a “extrema direita”. O embate retórico,
como se sabe, estancou a queda de popularidade do petista e trouxe um certo
alívio político ao Planalto — mas não resolveu o problema que precisa ser
resolvido com urgência. Pelo contrário. Ao priorizar a agenda interna,
particularmente as eleições de 2026, e ampliar o fosso ideológico entre os dois
países, Lula estreita ainda mais a possibilidade de negociação.
Para demarcar as diferenças, o governo brasileiro
nunca se empenhou em manter relações mais próximas com a Casa Branca desde a
posse de Donald Trump. O chanceler Mauro Vieira, a quem, em tese, caberia
liderar uma tentativa de reaproximação, não tem canal direto sequer com o
secretário de Estado, Marco Rubio, que ocupa posto equivalente ao seu nos
Estados Unidos.
A carta de congratulações que ele enviou ao colega
americano após sua indicação para o governo até hoje não foi respondida, o que,
nos códigos diplomáticos, é visto como uma indelicadeza, um sinal de que as
coisas não vão muito bem. As negociações tocadas pelas equipes do
vice-presidente, Geraldo Alckmin, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
tampouco avançam até os escalões decisórios — chegam no máximo à Secretaria do
Tesouro americano.
Portador das missões mais espinhosas no campo
externo, Celso Amorim, conselheiro do presidente, mais atrapalha do que ajuda.
Tido como chanceler informal, ele alimenta há décadas um discurso
antiamericano, além de ser um dos maiores entusiastas do Brics, o grupo de
países que tem defendido a desdolarização das transações comerciais — um dos
motivos invocados por Trump para justificar a punição aos produtos brasileiros.
Amorim, a exemplo de Vieira, também não obteve
respostas da carta de congratulações que enviou à sua contraparte trumpista.
Antes do anuncio do tarifaço, ele minimizava as ameaças do governo americano
aos países do Brics. “Quem tem medo do lobo mau?”, chegou a ironizar. “Do ponto
de vista comercial e institucional, o país está sendo atacado e os diplomatas
não sabiam sequer que uma guerra estava sendo armada”, criticou a VEJA um
ministro do STF cujo visto americano foi revogado, abrindo outra frente de
retaliações. “A rigor estamos sendo informados ou desinformados por pessoas do
quilate de Eduardo Bolsonaro porque nosso corpo diplomático não tem qualquer
canal com Washington”, completou esse magistrado.
Sem esse diálogo e sem um aceno contundente do
governo capaz de reduzir a tensão, ressaltam especialistas, fica difícil
negociar. E o pior: também fica mais fácil para o governo americano, diante das
provocações, atingir o Brasil com novas medidas restritivas. É um engano
imaginar que há paridade de armas nessa disputa. O PIB dos Estados Unidos é catorze
vezes maior que o brasileiro.
Por isso, empresários e negociadores têm adotado
máxima cautela para não complicar a situação ainda mais. Na carta pela qual
anunciou a taxação, publicada em uma rede social, o presidente americano
advertiu sobre outras retaliações. “Se por qualquer razão o senhor decidir
aumentar suas tarifas, qualquer que seja o valor escolhido, ele será adicionado
aos 50% que cobraremos”, sentenciou. Ninguém quer pagar para ver.
Ao deixar de lado o pragmatismo que sempre marcou a
diplomacia brasileira, Lula não ajuda e ainda põe em risco o papel dos
negociadores da equipe de Alckmin. Nas reuniões com empresários dos setores
atingidos pelo tarifaço, o vice-presidente tem deixado claro seus limites. Por
ora, a tentativa é de convencer a Casa Branca a adiar a entrada em vigor das
tarifas por um período de sessenta a noventa dias e evitar o que chamou de
“perde-perde para ambos os países”.
O prazo sugerido por Alckmin não é em vão. No
intervalo de até dois meses, calcula, o Supremo terá julgado e condenado Jair
Bolsonaro como chefe do grupo que tentou dar um golpe de Estado em 2022,
mitigando assim a esdrúxula exigência de Donald Trump, que condicionou um
eventual recuo na taxação ao fim do que chamou de “caça às bruxas” contra o
ex-presidente.
Nesse terreno, aliás, a crise também promete
escalar. Além de Alexandre de Moraes, relator dos processos contra Bolsonaro,
outros sete ministros do STF tiveram seus vistos de entrada nos Estados Unidos
revogados. O governo também recebeu a informação de que, em breve, três
magistrados podem ser alvo da chamada Lei Magnitsky, dispositivo inicialmente
estudado apenas contra o ministro Alexandre de Moraes. A medida aplica sanções
financeiras, impede transações com empresas americanas e pode ser extensiva a
familiares.
Com as vias diplomáticas travadas, o governo hesita
até mesmo em enviar uma comitiva para negociar in loco com a gestão Trump.
Alckmin, por exemplo, foi aconselhado a embarcar rumo aos Estados Unidos.
Faltando poucos dias para a entrada em vigor do tarifaço, a viagem ainda é
vista como prematura. Para evitar um vexame, a expedição só vai acontecer
diante da certeza de que algum acordo sairá do papel. Sem perspectivas reais, o
governo aposta suas fichas na pressão dos empresários brasileiros sobre os
importadores americanos que serão afetados pelo encarecimento dos produtos,
receituário também tentado por outros países em negociações recentes com o
governo Trump.
Nas reuniões com os setores da indústria, mineração
e agronegócio, o vice-presidente pediu empenho dos empresários e disse que a
pressão interna pode ajudar a convencer o governo americano a recuar. “Se fosse
uma medida exclusivamente comercial, o problema estava 100% resolvido, porque o
Brasil é um dos poucos países do mundo que é deficitário em relação aos Estados
Unidos duas vezes: nos bens e nos serviços. Mas o objetivo não é fazer justiça
ao comércio entre os dois países. É uma sanção que fere a soberania quando
mistura os poderes e tenta interferir no processo conduzido pela Suprema Corte
brasileira”, disse a VEJA Jorge Viana, presidente da Agência Brasileira de
Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).
Afeito a ameaças e recuos, o método de Donald Trump
de encurralar seus oponentes é conhecido pelo menos desde os anos 1980, quando
lançou um livro sobre negócios e nem de longe pensava em anexar o Canadá,
patrocinar guerras mundo afora ou taxar mais de um terço do planeta. Em uma
espécie de manual, ele explicou: “Meu estilo de negociar é bem simples e
direto. Miro bem alto e daí fico insistindo, insistindo, insistindo para
conseguir o que busco”.
Por vezes, admitiu, a ideia é receber uma
contraproposta que, embora menor que os termos iniciais, ainda seja amplamente
vantajosa a seus interesses. Aparentemente é nisso que ele se fia ao desafiar —
e chantagear — o Brasil. A guerra das tarifas, num primeiro momento, está dando
a Lula a chance de resgatar a imagem do governo e colher dividendos políticos.
Num futuro próximo, a única certeza é que a conta vai chegar. Dependendo do que
acontecer, ela pode ser alta demais, com saldo negativo até para o próprio
presidente.
VEJA
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